“Poder mostrar para seu filho que o que você ensina em casa existe na rua é comovente”

Bruno Leuzinger - 26 fev 2016
Raquel e a família no parque nacional De Hoge Veluwe: nos fins de semana, eles aproveitam para viajar pela Holanda
Bruno Leuzinger - 26 fev 2016
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“É incrível viver em um ambiente internacional, e a Holanda tem isso de único. A cada dia, o país me surpreende mais. Aqui, é muito fácil se conectar e abordar as pessoas, é muito natural essa abertura ao que vem de fora. Porque isso gera negócios, conhecimentos – gera diferentes pontos de vista, perspectivas, e é isso que ajuda a gerar conhecimento. É maravilhoso! No fundo, é a base do Design Thinking, da inovação mais pura!”

Quem se derrama na declaração de amor é Raquel Goulart Sztejnberg, que desde agosto cursa o mestrado pela Radboud University, em Nijmegen, a 1h30 de Amsterdam. Ela sabe o que é se abrir a outras perspectivas. Como acontece tanto, Raquel abraçou sua vocação bem depois do vestibular. Cursou Direito em Petrópolis, por influência paterna, foi morar no Rio e até tentou trabalhar na área, mas gostava era de comunicação. Então, chutou o emprego e foi reinventar sua trajetória. Fez um curso na ESPM e especialização na Universidade de Gênova, estudando tendências de consumo e estratégias corporativas de comunicação. Emendou a Itália com um trainee em Bruxelas, trabalhando junto à Comissão Europeia com avaliação de políticas para micro e pequenas empresas.

Sem passaporte europeu, Raquel retornou ao Rio após cinco anos e construiu uma carreira como estrategista de branding. Casou, teve um filho, engatou em outras pós-graduações. Mesmo com uma vida confortável em Laranjeiras, na Zona Sul, vivia frustrada com as mazelas e os perrengues do Brasil e mantinha o desejo de voltar à Europa. Volta e meia, ela abordava o assunto com o marido: “Eu sempre falando, ‘vamos, vamos, vamos’, e ele muito mais enraizado. E dá mesmo uma certa preguiça. A gente tinha vínculos, família, amigos, toda uma vida estruturada. Dá trabalho recomeçar, mesmo que apenas por um período.”

Até que, em 2014, num evento no consulado holandês, ela conheceu a Nuffic Neso, órgão que faz a ponte entre instituições de ensino superior na Holanda e os brasileiros interessados em estudar lá. Duas semanas depois, a família viajou de férias para Amsterdam. Foi a deixa para Raquel retomar com o marido a ideia de tentarem os dois uma pós na Europa, com o filho a tiracolo. Designer e dono da própria empresa, Ricardo, o marido, enfim topou a aventura. O casal então virou as madrugadas vasculhando os sites da Nuffic e das universidades para decidir o que cada um iria estudar. “A oferta é enorme, e a cada ano é maior, é muito impressionante!” Hoje, a Holanda oferece 2 100 cursos de ensino superior em inglês.

Orange Tulip Scholarship

Sincronizando os destinos, Raquel e Ricardo chegaram a algumas opções de cursos e faculdades. O passo seguinte foi dar entrada no processo de admissão – uma etapa necessariamente burocrática e que requer paciência. Foram meses providenciando toda a papelada, localizando, traduzindo e carimbando certidões. Nessa hora, o suporte da Nuffic Neso vem muito a calhar: “A equipe da Neso é nota mil em competência e simpatia, eles são fabulosos!”

Em maio de 2015, o casal foi aceito na Radboud University. “Tanto o mestrado do Ricardo quanto o meu não existem no Brasil. O dele é em Indústrias Criativas, e o meu, em Antropologia da Mobilidade.” Seguiu-se outra maratona: era preciso levantar mais documentos, resolver pendências de trabalho (Raquel trabalhava numa agência de branding e acertou de colaborar remotamente, com redução de salário e carga horária), se desfazer de móveis, pintar e pôr o apartamento para alugar, achar um colégio para o filho na Holanda… “No escritório, em casa, tinha uma parede coberta de post-its e listas de coisas a fazer. Não acabava nunca!” O deadline era agosto, mês do início das aulas na faculdade.

Uma mudança dessas dá um frio na barriga e exige planejamento financeiro. O casal se organizara montando uma planilha com os custos de passar um ano na Holanda, mas precisou apertar os cintos com a desvalorização do Real. Outro revés foi o fato de que Ricardo não conseguiu bolsa. Raquel, em compensação, obteve uma pela Orange Tulip Scholarship, exclusiva para brasileiros. “Eu não recebo um valor por mês. Minha bolsa me isenta de pagar como não-europeia.” Ou seja, em vez de desembolsar quase 12 mil euros pelo curso todo, ela pagou só 1 700 euros. A bolsa também dá isenção do pagamento do visto de estudante (em torno de 350 euros) e do seguro-saúde, que custaria cerca de 450 euros por ano.

Encontrar uma escola para o filho, Tito (hoje com seis anos), acabou sendo uma tarefa surpreendente. “A primeira coisa que a gente pensou foi: onde tem uma escola internacional por perto?” Havia uma em Arnhem, cidade a 15 minutos de trem de Nijmegen. “Entrei no site, achei bacana e escrevi. Eram onze da noite. No dia seguinte, olhei o email de manhã – e meu filho estava inscrito!” A Arnhem International School acolhe filhos de famílias estrangeiras e de holandeses em retorno do exterior. “É uma escola de altíssimo nível, ele está falando inglês fluentemente! No Rio, a gente gastava quase R$ 4 mil por mês com o colégio. Aqui, pagamos cinco parcelas de 800 euros pelo ano todo!”

A escolha da escola do filho determinou a cidade onde a família iria morar. Na chegada, passaram três dias num hotel e 20 em um apartamento alugado pelo Airbnb, até se situarem. Raquel saíra do Brasil sonhando em morar numa casinha tradicional holandesa, e eles encontraram uma assim, na região menos urbanizada de Arnhem, ligeiramente distante do centro. Mas, aí, ela mudou de ideia. “Era pacato demais! Pensei: ‘vou estar no computador estudando antropologia e não vai ter gente na janela, só ovelha!’”. A família acabou achando um apê de 125 m², no coração da cidade (fechar o contrato, aliás, foi tranquilíssimo). Em média, o aluguel de um dois-quartos custa a partir de 1 000 euros.

“Oferta cultural alucinante”

Com 150 mil habitantes, Arnhem não está nem entre as dez maiores cidades do país. E ainda assim… “Não tem Google Maps que ajude a dar a dimensão do que é este lugar. A gente foi muito sortudo, foi uma ‘serendipidade’ maravilhosa ter vindo para cá”, derrete-se Raquel. “A oferta cultural é alucinante! A biblioteca parece um palácio de tão maravilhosa, é um centro cultural como eu nunca vi no Rio, com cinco andares e infraestrutura inacreditável – tem galeria de arte, exposição interativa sobre a história da cidade, salas aonde as pessoas aprendem cerâmica, línguas… Tem restaurante, um andar enorme com livros, revistas e jogos só para crianças, tem até um escorrega entre um andar e outro!” Outros highlights são o ArtEZ Institute of the Arts, um grande centro de artes, moda e design, e o Open Air Museum, que reconstroi a Holanda antiga em escala real.

Raquel estende o entusiasmo à Radboud University, com seu campus “cheio de áreas verdes” e professores “extremamente preparados e acessíveis”. Com uns 15 anos de bagagem profissional, ela se sentia deslocada no início, em meio aos colegas recém-graduados. O estranhamento passou. Raquel agora está em fase de trabalho de campo, e mesmo quando ia à faculdade toda semana tinha a sorte de seus dias de aula não coincidirem com os de Ricardo, o que facilitava o revezamento na hora de levar e buscar o filho na escola. Tito entra às 8h30 e sai às 15h, mas uma vez por semana é liberado ao meio-dia – algo que ocorre em todo o país. “Aqui, é bem comum as pessoas trabalharem quatro vezes por semana para ter vida própria. Assim, aproveitam para buscar os filhos mais cedo e brincar com eles.”

No dia-a-dia, é preciso achar tempo ainda para varrer, limpar, cuidar da casa – contratar uma faxineira é um luxo quase impensável na Holanda. Assumir a função da limpeza, porém, equivale a um aprendizado de cidadania, um mergulho na experiência de uma sociedade essencialmente igualitária e autônoma. Essa experiência inclui relacionamentos baseados em respeito e confiança, serviços públicos eficientes (“a previsibilidade aqui é a coisa mais default do mundo”, diz Raquel, sobre a pontualidade dos ônibus e trens) e uma sólida sensação de segurança.

“Toda vez que eu levo meu filho à escola fico embasbacada olhando pela janela do ônibus, vendo as crianças de cinco, seis anos, nas suas bicicletas, com chuva ou sol, indo sozinhas para a escola… Poder mostrar para seu filho que o que você ensina em casa existe na rua é comovente… Proporcionar para o seu filho, que está começando a entender o mundo, uma experiência de vida civilizada, real, bacana, sem contar o mergulho na cultura… Isso é fabuloso, é fantástico.”

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Fique ligado: as inscrições para a Orange Tulip Scholarship vão só até o dia 1º de abril!

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