Uma empresa de 360 funcionários ocupa um prédio de oito andares na avenida Rebouças, em São Paulo. Poderia ser um negócio maduro e consolidado, mas é o Nubank, fintech que está no mercado há apenas dois anos com um produto até que bem tradicional, um cartão de crédito. A diferença está na forma de fazer isso: não há anuidade para o consumidor, e as receitas vêm apenas da Mastercard, a bandeira do “roxinho” (como ficou conhecido o cartão Nubank). O nome, por sinal, vem de nudez mesmo, uma referência à transparência e à ausência de papel e burocracia.
O cliente acompanha as transações feitas em tempo real por um aplicativo para smartphone. É do celular, aliás, que ele faz tudo: pede o cartão, desbloqueia ou bloqueia, solicita mais limite ou conversa com um atendente gente boa (os fundadores também detestam telemarketing) para resolver algum problema. Simplicidade é a alma do negócio — ao menos para o cliente, já que internamente nem sempre as coisas são tão desenroladas, como veremos adiante.
Mas foi com esse jeito despretensioso que o Nubank explodiu de crescer em seu pouco tempo de vida e criou uma marca sólida, queridinha nas redes sociais. A fintech não revela o número de clientes, apenas que já recebeu 4,5 milhões de pedidos de cartão. “Isso mostra que havia uma demanda reprimida muito grande pelo nosso produto”, diz Cristina Junqueira, 33, uma das três fundadoras da empresa, hoje vice-presidente de branding e business development.
O negócio começou a ser elaborado em maio de 2013. Ela, engenheira, tinha acabado de sair do Banco Itaú, onde foi gerente do portfólio de cartões Itaucard, e se encontrado com os sócios: o colombiano e engenheiro financeiro David Vélez, 34, atual CEO, e Edward Wible, 33, formado em Ciências da Computação, nascido nos Estados Unidos e hoje CTO do Nubank.
O time já começou multicultural, algo que é mantido e ampliado na empresa até hoje. Eles colocaram dinheiro do bolso para começar, mas logo de cara já conseguiram captar 2 milhões de dólares de fundos de investimento importantes: Sequoia Capital e Kaszek Ventures. Refinaram o plano de negócio, abriram empresa e em abril de 2014 emitiram os primeiros cartões em versão beta.
FAZER SUCESSO CEDO TRAZ PROBLEMAS QUE NINGUÉM VÊ
Daí em diante, as coisas aceleram e ficaram um tanto enlouquecedoras. “A gente chegava a crescer 60% de um mês para o outro”, conta Cris, como é conhecida a fundadora. Eles receberam mais três rodadas de investimento, que totalizaram 99 milhões de dólares até 2016. Em dois anos, alcançaram a expansão prevista inicialmente para os cinco primeiros anos. Este é o lado conhecido da história: o sucesso arrebatador. O que nem todo mundo sabe é que uma expansão acelerada também tem seus problemas. O negócio tomou um porte tão inesperado que a responsabilidade extrapolou os resultados. Cris fala a respeito:
“Não podia ser voo de galinha. Muita gente apostava na gente, até mesmo outras empresas, além dos clientes e investidores”
Ela segue: “Tem ainda os nossos funcionários. Muitos deles largaram empregos estáveis para vir para cá. Rola esse sentimento de esperança de que podemos ser melhores, tratar o cliente bem. Todo mundo queria que a gente mostrasse que dava certo fazer diferente”. No meio disso tudo, a vantagem da expansão rápida, ela diz, é que o ritmo era tão enlouquecedor que não dava nem tempo de sentir medo. “Eu não podia parar o crescimento, então não dava para assustar”, conta.
Cris segue bem essa toada, pois é acelerada na velocidade da música de sua staturp: chegou para a entrevista com o Draft tomando café da manhã e não pensava muito antes de entregar as respostas às perguntas. Com esse jeito descontraído, ela conta que teve um desafio adicional nestes dois anos de empresa, a maternidade. “Minha filha tem justamente 2 anos. Voltei a trabalhar pouco mais de uma semana depois do parto. Ela sempre foi um anjo, nunca deu trabalho além do esperado. O Nubank tem muito a agradecer à Alice”, diz, sem no entanto minimizar o feito: não foi fácil.
COMO MONTAR UMA EMPRESA DO ZERO
A primeira sede do Nubank foi a casa de Edward, na rua Califórnia, em São Paulo. Mas, rapidamente o lugar ficou insustentável e eles se mudaram para um espaço maior, logo depois do Natal de 2014. O novo prédio mal deu conta por seis meses: tinha gente trabalhando até no corredor, times deslocados para um coworking na região e internet caindo toda hora. “A coisa estava insalubre. Em junho daquele ano já começamos a procurar outra sede”, afirma Cris.
Encontraram, enfim, o prédio onde estão hoje — e de onde não pretendem sair tão cedo. A mudança para lá até que foi mais bem planejada, mas teve tantos problemas que precisou acontecer antes do previsto.
“Chegamos e não tinha nada, nem cadeira para todo mundo”, lembra ela. Eles foram se acomodando enquanto as obras terminavam.
Hoje o escritório está pronto, mas ainda passa por alguns ajustes. Os gargalos não estavam só na estrutura física: “A nossa diretora de Recursos Humanos chegou só há dois meses”, diz a fundadora, que se envolveu em cada admissão e garante que, mesmo aos trancos e barrancos, formou um time super competente.
Os nubankers, como são chamados os funcionários, têm 25 nacionalidades. Mesmo quem não é gringo, normalmente é cheio de experiência internacional. Cris afirma que há um esforço grande para respeitar os códigos mais atuais de trabalho. A hierarquia tradicional foi a primeira a sair de lado. Na Nubank, os times são divididos nos chamados squads, que variam de 10 a 50 pessoas. Ali tem tudo o que a equipe precisa para resolver os problemas com independência. Na área de fatura do cartão, por exemplo, há profissionais de várias áreas, como designers e profissionais de atendimento. Cris, avessa à burocracia sem necessidade, fala a respeito:
“Os funcionários se viram, têm o sentimento e a responsabilidade de dono. O processo tem que servir ao negócio, não o contrário”
A aura colaborativa, de se ajudar e respeitar as diferenças, também é algo importante para a startup. Cerca de 30% da equipe é LGBT. Por enquanto não há nenhum transexual, mas eles já oferecem banheiro sem definição de gênero. Cerca de 40% do time é feminino, algo raro para uma empresa de tecnologia. “Queremos deixar isso ainda mais equilibrado”, diz Cris. Internamente, a ideia é que as pessoas se policiem para manter o clima de respeito. “O ambiente é tão legal que as pessoas se empenham para não estragar, para não fazer piadas de mau gosto.”
COMO SER UM SUCESSO DE PÚBLICO SEM INVESTIR EM PUBLICIDADE
Olhando para marketing, o Nubank também nunca investiu um real sequer em publicidade e divulgação. E não parece ter feito falta: o crescimento da empresa aconteceu de forma orgânica, impulsionado pela novidade do produto e por ações de atendimento ao cliente que viralizaram nas redes sociais. Mas não se engane: construir algo assim dá ainda mais trabalho para organizar e coordenar internamente.
É nesse ambiente que se formou o squad responsável pelo que o Nubank chama de “efeito Wow”, aquele que fideliza clientes e faz a empresa bombar nas redes sociais. É preciso ter vivido em Marte nos últimos dois anos para não topar com alguém compartilhando uma história dessas na timeline. Entre as mais famosas estão a do cliente que ligou para reclamar que a compra de um lanche foi cobrada duas vezes e, além de ter o valor estornado, recebeu uma simpática sanduicheira roxa em casa com receitas de lanches escritas à mão pelo atendente.
A lista de histórias é grande e Cris diz que as ações funcionam porque são genuínas, fruto de um time que se esforça para ser criativo e surpreender. É algo levado tão a sério que os autores das ideias mais legais recebem um prêmio lá dentro, entregue a cada dois meses.
“Sempre buscamos tratar as pessoas de forma humana. Se alguém liga para bloquear o cartão porque foi assaltado, a primeira coisa que temos que fazer é perguntar se o cliente está bem”, diz. Nesses dois anos de Nubank, Cris percebeu que o jeito informal do atendimento pode não agradar todo mundo — e tudo bem também.
“Tentamos seguir o tom que o cliente usa, mais ou menos informal. Mas se ele quer ser chamado de senhor, este não é o cartão de crédito para ele”
Além de gerenciar a expansão rápida dentro de casa, o Nubank precisou administrar um problema um tanto quanto inusitado: a ansiedade e as expectativas dos fãs da marca. “As pessoas pedem o cartão e seguramos a aprovação de acordo com a análise de crédito. Foi esse o controle que encontramos, desde o começo, porque não dávamos conta do ritmo de pedidos”, diz ela.
Sem planejar, essa demora em atender os pedidos acabou envolvendo o Nubank em uma aura de cobiça. De tão ansiosos, muitos clientes chegavam a postar foto do cartão, expondo todos os números, nas redes sociais assim que o recebiam. “Era um tal da gente ligar e avisar que teríamos de cancelar o cartão e enviar outro por causa do risco de fraude”, conta Cris. A solução foi criar um envelope com o logotipo da marca, mas capaz de esconder os números, além de reforçar os avisos de que não é muito prudente postar as informações do cartão de crédito por aí.
PÉ NO FREIO TAMBÉM FAZ PARTE
Foi preciso algum tempo, mas a empresa percebeu que colocar o pé no freio é essencial. Além de entender que o Nubank pode não ser a melhor solução para todos os clientes, a cofundadora também precisou ser mais seletiva para atender a imprensa. Pelas contas dela, a cada oito horas é publicada uma matéria sobre o Nubank, inclusive em veículos internacionais. Se ela for dar tanta entrevista, não sobra tempo para muita coisa.
Ela também segura a onda quando questionada sobre o futuro da empresa: “As coisas aconteceram tão rápido até aqui que as vezes é difícil até mesmo fazer um balanço. O ano passado foi para provar que nós fazemos sentido, já 2016 foi a hora de cuidar da fundação, da casa, do time e da estrutura. Em 2017 queremos pensar em coisas novas, não só em resolver problemas”.
A empresa vai encerrar 2016 atendendo a um pedido que ouviu muito nestes dois anos: a criação de uma política de recompensas. Em setembro, lançaram o Nubank Rewards, que promete ser mais vantajoso que os tradicionais programas de acúmulo de milhagens (ainda que publicações especializadas tenham reagido com alguma frieza). O serviço é opcional e, quem optar por ele, paga assinatura a partir de 190 reais por ano. O programa dá um ponto para cada real gasto, que pode ser usado para abater serviços específicos, como Uber e Spotify, ou compras na fatura do cartão.
A Cris também toma fôlego para olhar mais longe e pensar no papel da empresa na sociedade. “Tenho refletido muito sobre o futuro da minha filha como mulher”, diz, sobre a constatação de que o sexo feminino ainda enfrenta dificuldades para alcançar seu potencial. Ela cita um dado da consultoria McKinsey: o acesso mais pleno das mulheres à educação e ao mercado de trabalho aumentaria em 12 trilhões de dólares o PIB global. Com isso em mente, Cris diz estar disposta a começar a mudar este jogo. A filha, Alice, mais uma vez parece estar levando a Nubank para o futuro.
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