Por que a propriedade intelectual é tão importante no campo?

Bruno Leuzinger - 21 ago 2015
Colheita no Paraná: a propriedade intelectual estimula a pesquisa e permite maior produtividade no campo
Bruno Leuzinger - 21 ago 2015
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Em dezembro de 2014, a Polícia Civil de São Paulo e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) prenderam uma quadrilha que falsificava e distribuía defensivos agrícolas na região de Franca, a 400 km da capital paulista. Planejada ao longo de meses com auxílio de escutas telefônicas, a operação foi batizada de Lavoura Limpa. A quadrilha produzia defensivos agrícolas falsificados e vendia com rótulos e embalagens de empresas do setor. O material apreendido ao longo das investigações foi avaliado no montante de pelo menos R$ 6 milhões. Um prejuízo enorme para todos os agricultores que adquiriram esses produtos piratas, na esperança de incrementar a produtividade de suas plantações. Um prejuízo em potencial para o meio ambiente, já que os possíveis danos ambientais desses defensivos falsificados são desconhecidos. E um prejuízo também para as empresas do setor, que gastam milhões de dólares em desenvolvimento de tecnologias que atendam às necessidades dos produtores rurais, com quem criam uma relação de confiança – relação que pode ser abalada por um produto adulterado.

Trata-se de um exemplo extremo – um caso de polícia. Mas que chama a atenção tanto para a profissionalização dessa atividade criminosa quanto para a importância da questão da propriedade intelectual. Tudo o que a gente consome no dia a dia possui um registro para proteger os autores de cópias indevidas e validar a eficiência inovadora do produto. Esse registro é a patente, que garante ainda o retorno ao investimento da empresa que pesquisou e desenvolveu um produto (um investimento não apenas financeiro, mas de anos em pesquisa) e estimula a competitividade entre ela e seus concorrentes, beneficiando toda a economia.

“A competitividade das indústrias está diretamente calcada na capacidade de criar e inovar”, afirma Elisabeth Kasznar Fekete, presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI). “Para assegurar e valorizar a inovação, bem como impulsionar iniciativas e investimentos, é indispensável ter um marco regulatório e órgãos públicos que incentivem a eficaz proteção da propriedade intelectual sobre as inovações”.

No campo, o assunto está cada vez mais em pauta, e não é à toa. Mais do que nunca, “inovação” e “produtividade” são as palavras de ordem. Hoje, a agricultura enfrenta um enorme desafio: na próxima década, as plantações precisarão aumentar a capacidade de produção – sem aumentar a área plantada – para que a população global não sofra com a escassez de comida. O sucesso nessa difícil missão só será possível com a criação de novas tecnologias – que, por sua vez, depende de um processo mais ágil na concessão das patentes.

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OS BENEFÍCIOS DA BIOTECNOLOGIA

A biotecnologia é amiga da terra e do agricultor. Sementes geneticamente modificadas exigem menos do solo e exibem adaptações específicas contra pragas ou intempéries da natureza. Com paciência infinita, cientistas se dedicam durante longos anos a estudar o maravilhoso mecanismo interno das plantas, pensando em maneiras de recriar e combinar, no laboratório, vantagens evolutivas entre diferentes espécies vegetais. Nos Estados Unidos, um gene extraído da uva e introduzido no trigo resultou em uma variedade do cereal com maior tolerância ao calor (desenvolvida recentemente pela Universidade do Kansas). Outra iniciativa, uma cooperação de mais de uma década entre pesquisadores dos EUA, da Suécia e da China, produziu um arroz transgênico que, durante seu crescimento, praticamente não emite gás metano – um dos gases responsáveis pelo efeito estufa.

Inovações como essas são sinônimo de mais qualidade de vida e mais produtividade no campo. Estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) revelam números contundentes sobre a eficácia doa biotecnologia: a produção da soja aumentou 27% (chegando a 3 toneladas por hectare) desde a aprovação do cultivo transgênico no Brasil, em 1998 – atualmente, cerca de 29 milhões de hectares (ou 93% da produção total da oleaginosa no país) são cultivados com soja transgênica. Os dados referente ao milho também impressionam: a produção saltou de 3,6 para 5,2 toneladas por hectare (um acréscimo de 43%) desde 2007, ano da adoção dos transgênicos nessa cultura.

Esses ganhos de produtividade impactam a economia e trazem melhorias à vida do produtor rural, mas só são possíveis graças aos esforços do setor de biotecnologia. Um estudo de 2011 da consultoria Phillips McDougall com seis empresas do setor quantificou o tempo e o custo médio para descobrir, desenvolver e regulamentar a comercialização de uma única tecnologia nova: 13 anos (ou 16, no caso da soja) e cerca de US$ 136 milhões. A maior parte do montante vai para pesquisa e desenvolvimento, mas 25,8% (ou US$ 35 milhões) se referem a gastos exigidos pelos trâmites de registro e regulamentação, incluindo aí os testes necessários para garantir que a descoberta não representa risco à saúde e ao meio ambiente. Só em 2014, segundo a mesma consultoria, o setor investiu US$ 7,5 bilhões para criar sementes melhoradas com biotecnologia e produtos para proteção de cultivos. Daí a crucial importância do respeito à propriedade intelectual, que garante o retorno ao investimento das empresas e permite que elas continuem sempre inovando.

MAS E AS PATENTES?

Antes, uma informação: a legislação brasileira permite a patenteabilidade de organismos geneticamente modificados. “O próprio INPI, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que protege as patentes, reconhece a possibilidade de proteção dos microorganismos geneticamente modificados. Os microorganismos que ocorrem na natureza, esses não se pode patentear”, lembrou o advogado Luiz Henrique do Amaral no seminário Biotecnologia e Inovação, em fins de julho do ano passado, em São Paulo. Especialista na questão de propriedade intelectual, ele é membro da ABPI e conselheiro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB). No mesmo evento, Amaral chamou atenção para a “quantidade de projetos que não se concretizam devido à demora na concessão de patentes”.

Concedidas pelo INPI, as patentes têm vigência de 20 anos a contar da data do depósito (a entrada no pedido) ou 10 anos a partir da concessão – vale o período que for mais longo. Não são eternas e nem prorrogáveis, portanto. Durante esse tempo de vigência, quem quiser fazer uso daquela tecnologia precisa pagar royalties ao titular da patente; terminado o prazo, aquele conhecimento vira domínio público. O problema começa quando uma empresa deposita o seu pedido de patente e depara com uma fila dezenas de milhares de outros pedidos esperando para ser avaliados – uma espera que frequentemente ultrapassa 10 anos. Em “juridiquês”, enquanto a patente não é concedida, tudo o que a empresa tem é uma “expectativa de direito”.

“Eu posso assegurar que todas as empresas no campo agro, químico ou farmacêutico têm casos que incidem nessa disposição de 10 anos da concessão, contando do que a gente chama de backlog do INPI”, diz Edson Souza, IP Manager para América Latina da Bayer. Ou seja: casos de patentes que levam mais de uma década para serem concedidas – e, por decorrência, terão uma vigência mais curta do que se a patente tivesse saído em menos tempo (observação: backlog é o termo usado para essa “fila” de pedidos). Embora veja avanços significativos na estrutura do INPI em anos recentes, Souza indica que o corpo técnico dos examinadores ainda é insuficiente para o volume de pedidos depositados. “Isso gera uma demora bastante acentuada na concessão das patentes. Alguns setores sofrem mais com isso, porque envolvem tecnologias mais complexas.”

Atualmente, a concessão de um pedido de patente para o setor agroquímico demora em torno de 12,2 anos para sair no Brasil. No caso de biologia molecular, cerca de 13,4 anos. Para alimentos e plantas, a espera é ainda maior, de 13 anos e meio. Só pra efeito de comparação, Souza destaca que nos Estados Unidos, na União Europeia e mesmo na América Latina (no México, por exemplo), esse trâmite leva em torno de seis anos. Uma solução para agilizar o processo no Brasil seria, na opinião dele, estabelecer um canal de comunicação direta com os examinadores que avaliaram o caso em outros países. “A mesma invenção é depositada em vários países”, afirma Souza. “Isso forma o que a gente chama de uma família de patentes”.

Além disso, algumas leis relacionadas ao assunto estão desatualizadas e não atendem às necessidades dos inventores agrícolas. É o caso, por exemplo, da legislação referente aos contratos de transferência de tecnologia e do tratamento fiscal das respectivas receitas e pagamentos (o processo de mudança é lento). “No Brasil, essas engrenagens têm encontrado desafios e barreiras maiores do que nos demais países que possuem a mesma faixa ou superior no ranking de importância econômica”, afirma Elisabeth, da ABPI. “O Brasil tem excelentes pesquisadores, empresas e universidades na área agrícola e diante do seu papel de referência, precisa fortalecer seu sistema de Propriedade Intelectual”. 

A PROPRIEDADE INTELECTUAL APLICADA NO ARROZ, MILHO E SOJA

Recentemente, o CIB publicou uma pesquisa que demonstra a importância da propriedade intelectual nos cultivos de arroz, milho e soja. O relatório divulgado contém exemplos de soluções patenteadas que ajudaram no aumento da produtividade desses alimentos. Confira algumas:

Como driblar a inundação nos campos de arroz?

Pesquisadores da universidade da Califórnia-Davis encontraram a resposta. Eles desenvolveram alguns tipos híbridos de arroz que conseguem sobreviver por mais de 15 dias em lavouras completamente alagadas. Um avanço e tanto que favorece, em especial, os agricultores que cultivam o grão em regiões do planeta castigadas pelas enchentes. A partir da proteção da propriedade intelectual dessas novas espécies, a universidade pôde dividir parte dos lucros obtidos na comercialização com países em desenvolvimento.

É possível cultivar o milho com eficiência em um clima extremamente seco?

Até pouco tempo atrás, a resposta seria não. Devido à seca e às imprevisíveis condições meteorológicas, as safras nos países africanos chegam a render oito vezes menos do que em outros lugares do mundo. Porém, o projeto WEMA (a tradução da sigla seria “Milho com Eficiência Hídrica para a África”) quer mudar essa história com o uso de milhos convencionais e transgênicos tolerantes à falta d’água. Nesse caso, a proteção da propriedade intelectual permite que a iniciativa ajude quem mais precisa: o pequeno agricultor.

Existe algum tipo de soja resistente a doenças?

Sim. Aliás, já existem até mais de um tipo. Um grupo de cientistas conseguiu desenvolver cultivares de soja resistentes ao nematoide de cisto, um parasita que destrói lavouras no mundo todo – e que é considerado um dos piores inimigos da sojicultora. A propriedade intelectual garante que os pesquisadores que se especializaram no assunto tenham recursos financeiros para, constantemente, evoluir a tecnologia. Apesar dos resultados serem positivos, muitos estudos ainda precisam ser feitos para aumentar ainda mais a efetividade do produto.

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