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Prestigiada por seus óculos feitos de madeira reciclada, a Zerezes agora mira mais alto

Amarílis Lage - 17 jun 2015 Os sócios da Zerezes (da esq. para a direita): Luiz Eduardo Rocha, Henrique Meyrelles e Hugo Galindo
Eles não queriam mais ser estagiários e fundaram a Zerezes: Luiz Eduardo Rocha, Henrique Meyrelles e Hugo Galindo.
Amarílis Lage - 17 jun 2015
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Numa manhã ensolarada de outono, um empresário do Espírito Santo aproveita que está a trabalho no Rio para ir em busca de um objeto de desejo. Deixando para trás os pontos turísticos e as lojas famosas da Zona Sul, vai até um sobrado na Gamboa, área central que passa por um processo de revitalização, dentro do projeto Porto Maravilha. Ali, depois de passar pelas madeiras e equipamentos de marcenaria do primeiro andar, sobe as escadas e chega a um pequeno showroom, onde encontra o que queria: os óculos da Zerezes.

Feitos de madeira resgatada do lixo – e impressionantemente leves – eles só podem ser comprados via internet e em pouco mais de dez pontos de venda, como o MAR (Museu de Arte do Rio) e Inhotim, museu de arte contemporânea em Brumadinho (MG). Além, claro, do showroom na Gamboa, inaugurado há poucos meses. São nove modelos, que custam de 390 a 490 reais.

O empresário experimenta alguns, leva dois e, ao se despedir, declara: era tão fã da marca e queria ajudar a exportar os óculos. Ou mesmo entrar no negócio como investidor. Assim que o cliente parte, Luiz Eduardo Rocha, 26, um dos fundadores da Zerezes, se apressa para me dizer, rindo, que não é todo dia que alguém bate assim à porta deles oferecendo investimento e planos de exportação. Mas a cena é bem representativa da forma como a marca tem conseguido cavar um local especial no mercado, atraindo muita gente com um discurso que alia inovação, exclusividade e práticas sustentáveis.

Zerezes - Modelo produzido exclusivamente para o desfile da Salinas no Fashion Rio

Modelo com óculos Zerezes criado especialmente para um desfile da Salinas no SPFW: parcerias com a moda ajudaram a alavancar a marca.

Tudo começou em 2011, quando Luiz Eduardo e outros três amigos (Henrique Meyrelles, Hugo Galindo, ambos de 25 anos, e Victor Lanari, todos estudantes de design na PUC-Rio) tentaram comprar um óculos de madeira fabricado nos Estados Unidos. Como não conseguiram, resolveram fazer eles mesmos, usando o laboratório de prototipagem da universidade.

A ideia veio acompanhada de uma observação sobre o momento especial que o Rio atravessava. Graças à Copa, às Olimpíadas e à revitalização da região portuária, a indústria civil vivia um boom e era fácil encontrar madeiras nobres descartadas em caçambas pela cidade.

O quarteto se animou com a possibilidade de resgatar essa matéria-prima, dando a ela uma nova função e valorizando sua origem – cada óculos da Zerezes traz gravado na haste o endereço onde a madeira foi encontrada, além de um número de série, no que eles chamam de “madeira redescoberta”.

QUANDO O PROJETO PESSOAL SE TORNA UM BUSINESS

O que começou como um projeto pessoal logo chamou a atenção de outros estudantes, interessados em comprar aqueles óculos tão diferentes. E alguém sugeriu: por que não criar uma marca? A chance de empreender coincidiu com um momento em que os quatro amigos reavaliavam suas respectivas experiências de estágio, lembra Luiz Eduardo:

“Estava todo mundo um pouco insatisfeito com a forma tradicional de entrar numa empresa, passando de estagiário a designer júnior, depois para designer pleno… A gente estava um pouco avesso a esse modelo”

Juntando as economias de cada um, conseguiram cerca de 1 500 reais e, com isso no bolso, e decidiram alçar voo solo. Primeiro vendendo dois óculos e, com a renda, produzindo mais quatro, que depois viraram dez. “Todos os nossos passos foram muito pequenininhos, mas muito conscientes”, diz Luiz Eduardo. “Agora que a gente está dando um passo maior.”

Ao olhar para trás, ele reconhece que a empreitada só deu certo graças à rede de relacionamentos que eles souberam construir. Inicialmente, a Zerezes ficou incubada na Fibra Design (parceira de uma empresa onde dois deles tinham estagiado). Eles procuraram a firma em busca de orientação técnica e, segundo Luiz Eduardo, encontraram um casamento perfeito: “Eles tinham um maquinário ocioso e muita vontade de produzir, mas não tinham tempo. Nós quatro também tínhamos muita vontade de produzir, e tínhamos tempo, mas faltava a estrutura. Aí começamos a trabalhar juntos”.

O VALOR DE UMA BOA REDE DE CONTATOS

Outro escritório, a Artes e Ofícios, também apadrinhou a Zerezes, ajudando com os moldes dos óculos, sinalização e protótipos. Rodrigo Calixto, designer de móveis, ajudou os quatro jovens a identificar quais as madeiras mais adequadas para o projeto. E foi por meio de um amigo que eles tiveram a chance de apresentar seus óculos ao pessoal da Novo Desenho, loja do MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio, e acabaram sendo chamados para a exposição Rio dos 20, uma seleção de projetos de design com cunho sustentável, paralela à Rio+20. Era junho de 2012, e detalhe: a Zerezes tinha apenas três meses de vida.

A visibilidade obtida com o evento rendeu um contato com a Farm. A grife, que encarna o lifestyle carioca, encomendou 100 óculos – e o quarteto passou três meses trabalhando direto para dar conta do pedido. A experiência com a Farm, por sua vez, serviria de aval para outros canais de venda, que foram sendo escolhidos estrategicamente.

Em 2013, por exemplo, a Zerezes firmou uma parceria com a marca de sucos do bem, para quem produziu uma linha exclusiva, com madeira pintada e lentes espelhadas. Quando a atriz Carolina Dieckmann exibiu no Instagram o modelo que ganhou de presente, choveram pedidos no e-mail na marca – “e a gente só tinha 20 unidades no estoque”, lembra Luiz Eduardo. O mesmo ocorreu quando a Zerezes produziu óculos para o desfile da Salinas no Fashion Rio, no ano passado. Diante dos pedidos, precisavam responder que aqueles modelos foram produzidos apenas para a passarela.

Em colaboração com a marca de sucos do bem, Zerezes lançou uma edição limitada desse modelo colorido e com lentes espelhadas

Em colaboração com a marca de sucos do bem, a Zerezes lançou um modelo colorido com lentes espelhadas.

Claro que bateu uma frustração por não serem capazes de atender a demanda. Por outro, segundo Luiz Eduardo, isso também podia reforçar a ideia de exclusividade da marca. Como as peças são feitas de material reciclado, cada série é obrigatoriamente restrita. Em todo caso, essas situações deixavam claro para os designers que eles precisavam pensar seriamente nos próximos passos da empresa.

Até o fim do ano passado, a Zerezes contava apenas com os próprios sócios na operação. Manter a estrutura tão enxuta só foi possível graças à adesão da marca a um modelo ainda raro, mas promissor, de empreendedorismo em rede.

Lembra da Fibra Design, que apoiou a Zerezes no início? Virou MateriaBrasil, passou a incubar outras empresas, as parcerias foram ganhando novos contornos e esse processo culminou numa associação voltada ao fomento da economia criativa e colaborativa: a Goma.

A proposta, que hoje reúne 24 empresas (também num casarão na Gamboa), proporciona aos empreendedores uma troca intensa de insights, experiências e serviços, além de facilitar o acesso à infraestrutura. Para os quatro amigos da Zerezes, isso foi crucial, pois os poupava de grandes investimentos em espaço e maquinário, ao mesmo tempo em que ampliava sua rede de fornecedores, revendedores etc.

DEU CERTO, MAS IA DAR ERRADO: HORA DE ARRUMAR A CASA

Ainda assim, a sobrecarga veio – e cobrou seu preço. Um dos sócios, Victor, saiu do negócio. E Luiz Eduardo, Hugo e Henrique perceberam o excesso de trabalho os estava aprisionando em funções operacionais, o que acaba comprometendo a motivação. As relações corriam risco de desgaste. Era hora de aprender a delegar, conta Luiz Eduardo:

“A gente viu que precisava trazer pessoas aqui com expertises específicas para podermos fazer o que a gente quer mesmo fazer e que, no fim, é a alma do nosso negócio”

Foi assim que a Zerezes ganhou um engenheiro de produção, cuja primeira tarefa foi identificar gargalos e estabelecer mecanismos de controle. A equipe também passou a contar com uma pessoa com experiência em finanças e outra responsável por cuidar da parte comercial. Além disso, foram convocados dois assistentes de marcenaria.

A Goma ficou apertada para a nova fase da empresa, e a turma da Zerezes se mudou há seis meses para o atual sobrado, levando consigo duas outras empresas, a Hula (que também integrava a associação) e O Formigueiro (que buscava um espaço que conciliasse escritório e produção). As três seguem, no novo endereço, os mesmos princípios de gestão compartilhada adotado na Goma.

O aumento dos gastos fixos exigiram dos sócios um novo olhar. “Agora a brincadeira fica mais séria… Tem metas, tem que produzir, tem que escoar, tem que pagar os salários. A gente começa a ganhar outras responsabilidades”, conta Luiz Eduardo. É um desafio e tanto para a marca, mas os primeiros resultados são animadores. No primeiro mês nesse novo modelo, a Zerezes já conseguiu dobrar a produção, passando de 200 para 400 unidades.

Na Zerezes, a linha de produção é totalmente artesanal.

Na Zerezes, a linha de produção é totalmente artesanal. Só recentemente, eles conseguiram passar de 200 para 400 unidades feitas por mês.

Para este ano, a equipe planeja o lançamento de duas novas coleções. A primeira é a Restus, que traz modelos feitos com serragem e resina de mamona – o desenvolvimento do produto foi baseado em crowdfunding, com uma bem sucedida campanha no Catarse, que levou à arrecadação de 62 mil reais (a meta eram 53 400). A série foi exibida, no ano passado, no Salão do Móvel de Milão e deve estar à venda em dois meses.

Já a segunda coleção, prevista para o segundo semestre deste ano, reúne óculos feitos com acetatos que já saíram de linha, encontrados em duas fábricas no Rio, fechadas devido à concorrência com a indústria chinesa.

Outra meta da Zerezes é abrir uma pop-up store na Zona Sul do Rio no fim do ano, para ter um contato mais direto com o público e receber um feedback que ajude a definir os próximos passos. Uma loja permanente ainda não está nos planos, devido ao momento econômico do país. A ideia é investir cada vez mais no contato com o público via redes sociais, como Facebook e Instagram, onde divulgam o astral da marca por meio de fotos analógicas (nada mais adequado ao perfil artesanal da Zerezes). Com isso, esperam atrair os clientes aos pontos de venda e ao showroom da Gamboa, local que também está em sintonia com os valores que a marca defende.

“Gostamos de trazer pessoas para cá porque estamos orgulhosos e queremos mostrar que, por mais que seja um local um pouco esquisito, fora de circuito, é um lugar legal, com restaurantes ótimos, que passa por um processo de revitalização. E quem chegar aqui vai ver que, enquanto lá fora a impressão é de algo caótico, aqui dentro tem um espaço muito bonito e tranquilo”, conta Luiz Eduardo.

Tudo é uma questão de saber olhar. Ideia que casa muito bem, aliás, com uma marca de óculos.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Zerezes
  • O que faz: Fabrica óculos com materiais reciclados
  • Sócio(s): Henrique Meyrelles, Hugo Galindo e Luiz Eduardo Rocha
  • Funcionários: 3 contratados, 2 em processo de contratação e os sócios
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: junho de 2012
  • Investimento inicial: em torno de R$ 1.500
  • Faturamento: aproximadamente R$ 450 mil em 2014
  • Contato: [email protected]
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