Desde que deixou o emprego em um grande grupo de comunicação, no meio deste ano, o jornalista Lucas Pretti, de 31 anos, está em busca de algo mais orgânico e na linha da colaboração para tocar. Com estas duas premissas, está elevando a um patamar extremo a experiência colaborativa: com alguns amigos, está criando uma empresa na qual tudo — desde o conceito até o preço dos produtos — é decidido de maneira compartilhada.
Lucas sempre foi um entusiasta da criação coletiva e colaborativa. Foi assim que conseguiu, há dois anos, arrecadar via crowdfunding o capital necessário para realizar o festival de rua Baixo Centro – As ruas são para dançar, que une dezenas de iniciativas culturais e sociais e arrasta milhares de pessoas para a região central da capital paulista.
Da conversa com um amigo, surgiu a ideia de montarem um café. Mas a cafeteria teria que ser diferente, bem diferente. Na prática, se tornaria um experimento de economia aberta e compartilhada. Duas semanas depois do papo, o jornalista carioca radicado em São Paulo Renato Guimarães, de 45 anos, voltou do Rio cheio de inspiração. Renato tinha conhecido o Curto Café, que segue a linha do “pague quanto quiser”. Foi o estalo que faltava. Na mesma hora, Lucas convidou Renato para trazer esse modelo para São Paulo. Rapidamente a dupla ganhou a parceria da jornalista Franciele Cocco, de 29 anos, e do designer Fábio Issao, de 35, que se apaixonaram pelo esquema logo de cara.
Em pouco mais de dois meses, o Preto Café – como foi batizado – ganhou logotipo, espaço e há uma vontade grande dos sócios de abrir as portas já no fim deste ano, para começar pra valer em 2015. “A gente acha que isso tem muito a cara do momento de São Paulo, onde há muita gente querendo empreender de uma forma diferente no mercado”, diz Lucas. “Não é uma relação contra o mercado, é uma questão de ressignificar e entender que novas relações podem existir e que todos ganham com isso”, complementa Renato.
Os novos empreendedores levaram o projeto para o festival CoCidade, que ainda está acontecendo e último sábado teve seu ponto alto na Praça das Artes, no Centro de São Paulo, reunindo músicos, ativistas, escritores e editoras que seguem o modelo de criação coletiva e colaborativa. “Nós achamos que essas são as pessoas ideais para ouvir e nos aconselhar como empreender num mundo em rede”, conta Lucas.
“Ao discutir o conceito com uma rede de pessoas que querem que esse espaço exista, as perguntas que temos vão ganhando respostas e as soluções criativas começam a aparecer. Na verdade, nem temos todas as respostas agora, e isso é ainda mais gostoso”, diz Lucas
O grupo participou do módulo Plantão Criativo, no qual as pessoas puderam conhecer e dar palpites sobre o que gostariam de ver em um café como este, criado coletivamente. “Acreditamos que ao discutir o conceito com uma rede de pessoas que querem que esse espaço exista, as perguntas que temos vão ganhando respostas e as soluções criativas começam a aparecer. Na verdade, nem temos todas as respostas agora, e isso é ainda mais gostoso”, diz Lucas.
Como os próprios envolvidos admitem, o encontro no festival serviu mais a espalhar a ideia do que para trazer alguma resposta. Em paralelo, os envolvidos no Preto Café usam um grupo criado no Facebook especialmente para a cocriação acontecer. “Não tem essa de propriedade, é cultura livre”, conta Lucas. As demandas que surgirem serão jogadas na rede, para contar com a colaboração dos integrantes da comunidade.
Como toda ideia colaborativa que encontra um propósito, o Preto Café vem ganhando uma rede de pessoas e iniciativas que a favorecem. O local onde a cafeteria será montada, por exemplo, veio de um amigo do grupo que soube do projeto e ofereceu um espaço em uma casa na rua Oscar Freire, quase na frente do metrô Sumaré. O local funciona como coworking para jornalitas, designers e fotógrafos que alugam o espaço, coincidentemente batizado de Casa Preta.
O café será instalado no quintal da casa, perto da cozinha e de um jardim. Também ficou combinado que nos primeiros meses eles não vão pagar pelo aluguel. Mas, para realmente iniciarem o projeto, que planejam abrir para experiência já na segunda quinzena de novembro, será preciso um investimento inicial de pelo menos 20 mil reais. A verba é necessária para o aluguel da máquina, a reforma do banheiro, a compra de um toldo para a área aberta e de pallets de madeira.
Os novos empreendedores pretendem arrecadar essa quantia via crowdfunding. “Queremos fazer de forma diferenciada até mesmo a lógica do investimento. Como em qualquer negócio, logicamente ele requer os investimentos necessários. Mas vamos botar a rede para funcionar logo, porque já temos o espaço e o fornecedor”, diz Renato.
AMIGOS, UMA REDE DE INTERESSADOS E CORAGEM PARA ARRISCAR
Apesar do processo ser tão fluido, eles já definiram algumas coisas. O fornecedor do café usado deverá ser o mesmo do Curto Café, um pequeno produtor de cafés especiais do Espírito Santo. Eles ainda estão discutindo e vendo questão de custos para saber se o espaço Preto Café venderá a marca dos inspiradores cariocas ou se levará o nome do empreendimento criado pelo grupo.
Sabe-se também que o modelo de negócio seguirá o do Curto Café, onde os clientes pagam a quantia que acharem conveniente. O próprio freguês pode ir até o caixa fazer o pagamento e pegar o troco, se achar necessário. Trata-se de uma relação de confiança, onde ninguém vigia ou controla. “O que já sabemos, e que importa, é que nosso café será de qualidade, num espaço aberto e colaborativo”, diz Lucas.
O grupo vem buscando fornecedores de comida que também trabalhem de forma colaborativa para pensar no que servir para acompanhar a bebida. Os quatro amigos estão fazendo um curso de baristas, já que nenhum deles trabalhou com café antes. Mas eles vão deixar os aventais à disposição no espaço, para quem quiser servir e participar da iniciativa. “Uma coisa que a gente percebe é que muita gente apaixonada por café quer ter esse tipo de experiência”, diz Renato.
O Preto Café não pretende ser apenas uma cafeteria, e sim um espaço para que as pessoas possam criar, desenvolver seus projetos e levar uma vida mais calma, totalmente na contramão da pressa e da loucura modernas. “Queremos ir para um modo mais slow, também nos negócios e na vida”, conta Lucas.
“Sonhamos com o momento em que existirão na cidade muitos Preto Cafés, ou outros cafés colaborativos, uma alternativa às cafeterias gourmets da vida, mas servindo com qualidade”, diz Renato
As contas do espaço serão exibidas semanalmente em uma lousa afixada na parede. Nela também constarão dados como: valor do aluguel, salário da equipe, contas a pagar, valor arrecadado por semana e quanto falta para fechar os custos mensais. Lucas está ciente de que, no início, será vital contar com o apoio dos amigos e das pessoas mais próximas na sustentação do empreendimento.
Lucas, Renato, Franciele e Fábio vislumbram o crescimento desse modelo de negócio de economia criativa na cidade de São Paulo. Para isso, eles darão total apoio a novos empreendedores que quiserem adotar esse tipo de comércio. “Sonhamos com o momento em que existirão na cidade muitos Preto Cafés, ou outros cafés colaborativos, uma alternativa às cafeterias gourmets da vida, mas servindo com qualidade”, diz Renato.
Os horários e dias de abertura do espaço ainda não foram definidos. Fazem parte das perguntas que Lucas e seus amigos vem convidando o máximo de pessoas possível a responder. A ideia do grupo também é mostrar que esse modelo não é do tipo voluntarista, mas uma maneira de ganhar dinheiro de forma mais saudável. “Queremos provar que esse modelo é viável, e que dá para ganhar dinheiro dessa maneira”, diz Lucas. O velho formato patrão/empregado, que faz cada vez menos sentido para Lucas e companhia, ficaria de vez para trás com o Preto Café. “Tem muita gente mudando a maneira de empreender, mas junto com isso vem uma necessidade de mudança de vida. Acreditamos muito nesse formato de colaboração”, diz Lucas. Eles, inclusive, não se definem como sócios no negócio. São parceiros da aventura de mudar a própria vida e a de quem está em volta.
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