Há quem diga que a mesa de um bar é o lugar perfeito para o nascimento de grandes ideias. A história do casal Giuliana Wolf, 24, e Thiago Tavares, 25, é prova disso: O Quintal da Cachaça, negócio que hoje funciona como um clube de assinaturas, nasceu de um brinde com o destilado mais brasileiro que existe. O empreendimento, fundado em 2013, hoje entrega bebidas do Brasil inteiro para mais de 300 assinantes.
Há dois anos, a dupla começou a sua aventura pelos alambiques do País. Na época, ela havia acabado de se formar em Jornalismo na PUC Campinas e morava em São Paulo, onde trabalhava como jornalista. Ele cursava Relações Internacionais em Campinas e mantinha uma rotina de escritório mais “careta”, tendo passado por uma multinacional do ramo farmacêutico. Thiago conta que o interesse pelo empreendedorismo e o gosto pela cachaça sempre fizeram parte da vida dele. O que falatava era unir os dois mundos.
Depois de oito meses de namoro, o casal decidiu aproveitar suas viagens de lazer pelo Brasil para investir em pesquisa de campo. Embarcaram para Paraty, no Rio de Janeiro, visitaram o interior paulista, e depois seguiram para os estados da Paraíba e Pernambuco, onde conheceram produtores de cachaça artesanal com muita história pra contar. Giuliana conta:
“A relação de cada região com a produção de cachaça é única. Em Paraty, você encontra as marchinhas, no Nordeste tem a literatura de cordel que canta a bebida. Esse contato com os produtores nos abriu os olhos para novas possibilidades”
A cada alambique, o casal se encantava mais pelo universo da bebida. Como jornalista, Giuliana se viu motivada pelos personagens e pelas peculiaridades de cada região.
PRÓXIMO PASSO: FIDELIZAR OS AMANTES DA CACHAÇA
Um clube de assinaturas foi o formato escolhido para o negócio, mas ele não poderia funcionar como os de cerveja ou vinho. Isso porque o consumo da cachaça tem suas peculiaridades. “No caso da cerveja, você consome duas ou três garrafas com os amigos em uma sentada; o vinho, você pode tomar sozinho, tranquilamente. Agora, qual é a melhor forma de apreciar uma ou duas garrafas grandes de cachaça por mês?”, se perguntavam os sócios. Para conquistar clientes que ainda não têm o paladar treinado ou não consomem uma variedade razoável de cachaça, eles optaram por criar o “Kit Cachacier”, composto por duas garrafas em tamanho long neck com uma versão prata e outra ouro.
O próximo passo foi convencer os produtores a se adequarem ao modelo de engarrafamento proposto por eles, além de reunir informações para a confecção de um livreto com as histórias de cada alambique, que passou a integrar o kit.
Enquanto a ideia tomava forma, Thiago e Giuliana se reuniram novamente em Campinas e passaram a se dedicar em tempo integral ao Quintal da Cachaça, nome escolhido exatamente por ser administrado em casa, “no nosso quintal”. O pai de Giuliana, Roque Wolf, que entrou como sócio e investidor, diz que o aporte inicial foi feito em “doses homeopáticas” ao longo dos primeiros seis meses de empresa. “Até hoje, investimos algo em torno de 100 mil reais”, diz.
Nesse montante inicial foram incluídos os custos das embalagens, caixas e do material gráfico. As primeiras cachaças eram trazidas pelo próprio casal. A cada viagem, voltavam com a mala cheia. “Voltamos do Nordeste com 50 ou 60 cachaças”, conta Thiago. Com o tempo, passaram a receber a mercadoria diretamente dos produtores, mas até hoje embalam as garrafas, uma a uma, que serão enviadas aos assinantes.
A mensalidade custa 59,90 reais e todo mês o site do Quintal apresenta a “dupla” de cachaças da vez. Se o assinante quiser outra variedade, pode pedir por e-mail e pagar uma mensalidade a mais pelo kit extra. “Na composição do valor tem a diferença de valor das bebidas, que costuma variar muito de região para região. São pouquíssimas marcas que têm uma política de preço clara. Então, definimos a mensalidade antes de tudo, para ser justo, nivelar essa diferença e manter o frete grátis”, diz Thiago. A margem de lucro, que os sócios preferem não divulgar, também já está embutida no preço final ao consumidor.
SEIS MESES INTENSOS DE PESQUISA E UMA NOVA CASA
Tempo de dedicação para os estudos também pode ser contabilizado como um investimento no negócio. O casal fez uma série de cursos: degustação, análise sensorial e produção. Do último, nasceu a parceria com Leandro Marelli, pós-doutor pela ESALQ/USP e especialista em tecnologia de bebidas. Para escolher uma boa “carta”, os sócios enviam uma pré-seleção a Leandro, que mora no Espírito Santo. “Ele faz uma análise, elabora uma ficha completa sobre as características de cada uma, com dicas de harmonização, composição e drinks. Da nossa parte, a seleção é bem empírica mesmo, porque nossa intenção é agradar dos experts aos curiosos”, diz Giuliana.
Apesar do nome, a empresa já saiu do quintal de casa. O casal aluga uma sala de escritório e em breve vai contratar seu primeiro funcionário, que vai cuidar do planejamento e da gestão digital da marca: campanhas para o site e redes sociais, Google e boo-box. Até o fim de 2015, o negócio espera somar 600 assinaturas e ainda deve lançar um e-commerce, como conta Thiago:
“O negócio está crescendo rápido e não queremos perder o cliente por falta de opção. O e-commerce vem para suprir isso”
Com o novo serviço, o Quintal diz que espera manter seu DNA: fazer uma curadoria cuidadosa de cachaça, negociar diretamente com os produtores, sem estoques, com foco em promoções.
CONQUISTAR OS PRODUTORES PARA LEVAR O CLIENTE AO ALAMBIQUE
Não foi por acaso que o Quintal resolveu apostar no “goró” mais brasileiro. Dados do Instituto Brasileiro da Cachaça apotam que existem cerca de 4 mil marcas distribuídas pelo País, fora as produzidas por microempreendedores informais. A bebida, segundo o Centro Brasileiro de Referência de Cachaça, é o terceiro destilado mais consumido no mundo, e cerca de 30% da produção é artesanal. Para os sócios do clube de assinaturas, esses dados foram essenciais para começar o trabalho de aproximação com os donos de alambiques.
O trabalho de visitar os produtores, descobrir as histórias de cada marca, a relação da bebida com a região e transformar tudo isso em um produto de storytelling é tarefa diária, e talvez a mais árdua, do Quintal, como afirma Giuliana.
“Muitos produtores ainda não estão familiarizados com a internet, venda online, então a ideia do clube é muito nova para eles. Explicamos pessoalmente como funciona, mostramos relatórios e resultados. Mas, eles têm que sentir o valor do nosso trabalho. Precisam confiar que vamos preservar a história e o valor emocional daquele produto”
Do lado do assinante, o cuidado com a tradição é percebido com o volume do conteúdo “lapidado” sobre cada bebida. Na página do Quintal, há vídeos com depoimentos dos próprios produtores, falando sobre suas cachaças em tom quase paternal. “Entrevistamos um produtor de São Luiz do Paraitinga, um senhor de 92 anos, que quase não sai do sítio dele. É uma história que você precisa ir lá pra ouvir. Então, o que a gente quer é conectar a história desse produtor com os nossos associados, ou com quem segue nossas páginas”, conta Thiago.
Ser “transportado” ao alambique através da cachaça é o maior objetivo do Quintal. Para isso, segundo os sócios, o serviço de assinatura caiu como luva. A constância, além de aguçar o paladar, aproxima quem bebe de quem produz, e essa relação pode ir além da compra mensal. “Recebemos muito feedback dos produtores. Uma das partes mais legais é quando eles recebem o reconhecimento dos nossos clientes, quando visitam o alambique, ou comentam que gostaram da cachaça”, conclui Thiago.
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