“Redescobri o gosto por sexo aos 60. Aprendi a me ver em cena – e a gostar do que estava vendo”

Isabel Dias - 11 jan 2016
Comecei a entender melhor o que eu queria. Fui me redescobrindo nos olhos de homens que me desejavam de uma forma como eu nem lembrava mais. Nunca me senti tão feliz, tão dona de mim, tão mulher, tão viva.
Isabel Dias - 11 jan 2016
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Por Isabel Dias

 

Quando é que uma mulher fica velha? Aos 40? Aos 50?

Quando é que uma mulher perde o interesse sexual, o desejo, o tesão? Aos 60? Aos 70? Quando ela deixa de causá-lo?

Como uma mulher faz para preservar sua autoestima feminina, de fêmea? Hormônios? Novas relações? Namorado (ou namorada) mais novos? Ou mais velhos?

Às vezes parece que toda mulher madura é filha de um tubo de ensaio. Um ser que se despegou de si mesmo e da imagem que tinha de si. Uma pessoa que não nutre mais afetos carnais. Nem tem mais direito a eles – porque não é mais jovem. Só lhe resta virar uma esposa assexuada. Ou a filha que assume a guarda dos pais. Ou a mãe beatificada que vive para o ninho, trancafiada nele.

Muitas de nós sentem, com uma ponta de desespero, que envelheceram, enrugaram e não chegaram a lugar algum. Ou ao menos não chegaram onde queriam. Não podemos mais ser meninas. O viço ficou para trás. E, no entanto, direcionamos nossa vida para sermos meninas, eternamente viçosas. A velhice para muitas mulheres é uma espécie de morte em vida.

Fui casada por 32 anos. Um belo dia, me descobri traída. Então aquele companheiro não apenas tinha perdido a forma e a graça e o interesse. Ele tinha também perdido o respeito por mim. A vida que eu sonhava talvez já fosse, ali, uma ilusão. Meu príncipe não existia. E já fazia muito que, de verdade, eu não era a sua princesa. Mas ali, com a descoberta da sua deslealdade, era como se ele tivesse jogado a nossa vida de vez no ralo, unilateralmente. Ele se suicidava à minha frente. E matava uma parte de mim. Sem apelação.

Curiosamente, renasci naquele momento.

Sim, uma porção importante de quem eu era havia morrido. Mas eu ainda respirava. E, se topasse me levantar, ainda haveria vida à minha frente. Uma vida nova. Em que eu precisaria ser outra pessoa. Tinham sido 32 anos de tutela masculina – eu não precisava pensar muito sobre onde ir e o que fazer. Era hora de eu retomar o leme da minha vida. Três décadas a reboque, à deriva… (Ah, se arrependimento matasse.)

De supetão, me vi tendo que decidir o que fazer comigo dali para a frente. Senti muito medo, muita insegurança. Aos poucos, no entanto, fui reaprendendo o gosto único de tomar decisões sozinhas, correndo riscos, escolhendo por um caminho ou por outro.

Eu poderia continuar vivendo na cidade do interior paulista em que morava, imersa numa sociedade mais fechada, onde ainda existem aqueles tipos que adoram tomar conta da vida dos outros e definir o que é bom e o que é ruim, sempre querendo te encaixar num modelo.

Eu tinha três filhos, todos adultos. Podia me escudar neles. Me pendurar neles. Podia me trancar em casa, no ir-e-vir do sofá para a cama, e engordar, e chorar, e sentir pena de mim, e me deprimir. E, quem sabe, me matar.

Em vez disso, resolvi abrir uma nova porta em minha vida, deixando para trás tudo aquilo que eu pensava que era, tudo o que sustentava aquele mundo – que era o único que eu conhecia. Decidi operar em mim mesma um parto reverso.

Vim para São Paulo, morar sozinha na cidade grande, quase aos 60 anos. Sem saber ao certo como seria. A dor, quando não nos paralisa, nos movimenta. Eu tinha vivido mais da metade da minha vida atrelada às vontades alheias – de um homem, de um marido, de um provedor. Meus filhos já estavam em São Paulo, crescidos, já não me impunham as suas vontades e necessidades como antes. Era hora de eu começar a pensar no que queria de fato para mim, para o tempo de vida que tivesse pela frente. Teria que decidir tudo por minha conta. Teria que voltar a aprender, depois de tanto ensinar. Em alguns momentos, tudo isso parecia impossível. A autoestima não ajudava. Mas fui pegando coragem. E gosto por mim mesma. Dava, sim, para encarar. Tinha que dar.

Não poucas vezes, confesso, na companhia da minha “amiga russa” – uma boa taça gelada de vodca à noite –, me sentia jogada numa cova que não era a minha. E me questionava, lá no fundo: será que teria sido melhor ter me calado, ter aceito tudo e continuar ao lado dele, como tantas fariam, como tantas me recomendaram fazer?

Nesses momentos de recaída, eu me sentia a última mulher do mundo. Só quem já passou por isso sabe do que estou falando. Ele tinha sido meu único homem. Eu conseguira reprimir algumas vontades ao longo da nossa vida juntos. Em respeito a ele. E a mim mesma. Será que ele pelo menos havia tentado? Desde quando ele mentia para mim? Com quantas outras mulheres de verdade se deitou? Que outras mentiras, em outras áreas da vida, eu havia comprado como verdades ao longo de mais de 30 anos?

De repente, como numa novela a que eu estivesse assistindo, a mocinha – ou a velhinha! – resolveu que o final da história tinha que ser feliz. Me olhei bem de perto no espelho. Não chorei. Decidi deixar de ter dó de mim. Olhei para o meu corpo. Eu estava viva. Olhei para o meu rosto. Eu tinha uma história, sentimentos, meu quinhão de beleza. Eu tinha valor. Eu merecia mais. Muito mais.

Eu tinha agora a minha mente livre. Não tinha nada a perder. Juridicamente, a separação não me foi ruim. Pela primeira vez consegui pensar dessa forma. Deixei de pensar como vítima. Eu não tinha mais nada a perder. Me economizar para quê? Para quem? Havia ainda vigor nos anos à frente que me fossem dados viver. Era pegar ou largar. E eu escolhi agarrar – a vida.

isabel

“A certa altura, já não se tratava mais de vingança. O que eu queria era transar, curtir, sentir prazer, dar vazão às minhas fantasias. E aprender, sobre os outros e sobre mim mesma. E conhecer gente boa – mas, principalmente, me conhecer, me reconhecer, me sentir viva.”

Já tinha lido sobre relacionamentos nas redes sociais. Resolvi brincar disso. Experimentar. Ali, ainda imperava um forte sentimento de raiva, um desejo sanguíneo de vingança. Do que não é capaz uma mulher traída? Bolei um plano: conhecer 32 homens – um para cada ano que havia ficado casada, em casa, sendo enganada. Com o tempo, a raiva passou. A fila andou, a vida também. A certa altura, já não se tratava mais de vingança. O que eu queria era transar, curtir, sentir prazer, dar vazão às minhas fantasias. E aprender, sobre os outros e sobre mim mesma. E conhecer gente boa – mas, principalmente, me conhecer, me reconhecer, me sentir viva.

Foi assim que comecei a revelar e a admitir desejos, e a assumir e a descobrir vontades que estavam reprimidas em mim ao longo de uma vida. Foi assim que começou: como uma diversão, uma espécie de terapia de soltura. Liberei uma mulher que existia dentro de mim, que eu mal conhecia, de quem eu talvez tivesse medo, ou vergonha. Alguém que nunca tinha saído para passear. Não posso dizer que me assustei porque sempre fora curiosa, uma leitura assídua de literatura erótica. Só que ali a protagonista era eu. E a fantasia passava a acontecer no mundo real, com gente de carne e osso. Passei a me sentir um personagem. Brincava mentalmente: “como seria se a Isabel fizesse isso? Como a Isabel escreveria uma cena como aquela?” E comecei a me divertir. Muito.

Os convites chegaram rápido. Nos primeiros, tinha certeza de não querer sair do mundo virtual. Logo abri espaço para o primeiro “E se?”. Aí não demorou muito para o primeiro encontro. Por precaução, descrevi a roupa errada. Fui até lá, o coração batia forte, a curiosidade não era pequena, nem a vontade, mas o medo foi maior. Pedi desculpas, inventei uma história e retrocedi. A postura dele, a insistência gentil, me transmitiu segurança. Criei as regras de proteção e remarquei o encontro. O local tinha que ser muito movimentado. Não sabia se avisava algum conhecido – uma espécie de regra de salvamento. Decidi seguir meu instinto – não dizem que o de uma mulher não falha? O meu haveria de não me abandonar aquela hora.

É impressionante a quantidade de gente como a gente que circula pelos sites de namoro. Pessoas vivendo vidas paralelas. Muitas vezes enquanto seguem levando suas vidas de fachada, seus planos A esfarrapados. Tive excelentes conversas, bons momentos, descobri várias pessoas interessantes.

Inicialmente, me peguei pensando sobre a questão de alguns serem casados. No entanto, tudo o que eu não queria e não precisava era discutir relações — principalmente a dos outros. Eu mal conseguia digerir a minha vida, não iria me meter na vida dos outros. Nada do que eu queria envolvia nenhum tipo de compromisso. Eu só queria uma pessoa emprestada, por algumas horas e para algumas boas sensações. Nunca quis nenhum homem para chamar de meu. Egoisticamente, queria apenas a parte boa. Nada muito real ou filosófico.

Só quem teve um único homem na vida até perto dos 60 consegue imaginar o receio que eu tinha de me mostrar nua diante de um novo parceiro.

Eu já tinha idade para ser avó, mas me comportava como uma virgem pudica, morrendo de vontade depois de tanta provocação pela internet, mas com igual carga de insegurança, medo, vergonha.

Será que meu ex-marido havia me deixado porque eu era ruim de cama? (Para mim, no entanto, sempre havíamos tido uma boa vida sexual.) Era eu de novo colocando aquele homem no centro da minha vida, como referência. Era eu de novo imaginando que a culpa pelos desaforos que ele me imputou fosse minha – e não dele.

A experiência foi me provando coisas sobre mim mesma que eu não sabia. Ou não admitia. Ou tinha decidido esquecer. Comecei a entender melhor o que eu queria. O que eu tinha curiosidade de experimentar. Do que eu não gostava. E fui me redescobrindo nos olhos de homens que me desejavam de uma forma como eu nem lembrava mais. Nada fez mais por minha autoestima. Tudo em ritmo de brincadeira, com leveza, carícias envoltas em ótimos jantares, grandes papos, profundas discussões filosóficas, bons vinhos. Nunca me senti tão feliz, tão dona de mim, tão mulher, tão viva.

Onde esse tesão todo, pela vida, pelo sexo, por mim mesma e pelos outros tinha se escondido ao longo de tantos anos?

Não era possível, eu não estava tomando nenhum remédio. Estava me sentindo aberta, pulsando, querendo viver mais dias coloridos e ensolarados. (Por que admitimos calados tantos dias cinzentos e chuvosos em nossas existências?)

Muita coisa mudou para nós, mulheres. Mas a grande maioria ainda sofre muito, em especial as mais velhas, trancafiadas em velhos padrões de comportamento autoimpostos – em especial aquelas que são vistas e que se acomodam em seus papeis de mãe, avó, esposa, como se perdessem o direito à própria felicidade, como se só pudessem ser felizes por meio da realização dos outros, como se só pudessem pensar no bobe no cabelo, na camisola de chambre. O homem, mesmo o velho, pode tudo. A mulher que deixa de ser menina já não pode nada. A característica mais comum às mulheres velhas é se tornarem invisíveis.

Eu me senti assim, inúmeras vezes, quando entrava num restaurante sozinha e demorava para ser atendida. Quando, no cinema, só não sentavam no meu colo porque hoje os lugares são marcados. Ninguém me enxergava.

Para mim, o momento de ruptura foi a separação – que eu senti como um fim trágico, mas que se mostraria, na verdade, a minha ressurreição. É fundamental se descobrir. Se redescobrir. Em qualquer idade. Mas especialmente na meia-idade, quando já não há mais tempo a perder. Em qualquer situação, mas especialmente numa relação cansada, frustrada, acabada – seja um casamento, seja uma carreira, qualquer condição que tenha cessado de lhe gerar alegria. É fundamental compreender o que você quer, o que não quer, o que lhe faz feliz, o que lhe entristece. E tomar boas decisões a partir disso.

No meu caso, reencontrei meu gosto por sexo. Assumi que gosto muito de romance, de namorar, de sentir e de dar prazer. Eu, que já tinha quase desistido de me realizar nessa área da vida tão importante para mim, e que me acomodara uma posição respeitosa, regulamentar, voltava a liberar meus desejos e minhas vontades. Fui gulosa. Decidi que queria tudo. Viver hoje como se fosse o último dia. Não foi um caminho fácil. Perdi amigos pelo caminho. Não me arrependo. Fiz coisas que habitam nosso lado mais escuro – e tive a coragem de acender o abajur. E me ver em cena. E gostar do que estava vendo.

Viver não é comer, dormir, respirar com a aprovação dos outros. Viver é fazer o que você gosta.

Se esse também for o seu caminho, saiba que não existe essa coisa de mulher velha ser mulher “seca”. Se você pensa isso de si mesma, reconsidere. Procure ajuda. Se você pensa isso da sua companheira, saiba que é besteira. A vida sexual na meia-idade, e depois dela, pode e deve ser cheia de boas surpresas. Afrodisíaco não é só um corpo durinho, nem um cabelo longo jogado de um lado para o outro. Não tem melhor afrodisíaco do que um bom papo. Do que um toque certo, do que uma palavra bem colocada, do que um jeito de olhar e encadear as ações num timing perfeito. Essa maestria só se adquire com o tempo. E é algo que ofusca completamente a eventual barriguinha ou aquela ponta de calvície. Lembre de renovar seu jeito de olhar na próxima vez em que cruzar com uma pessoa com mais de 60 anos…

Tenho falado em alguns grupos para maiores de 60. É impressionante como as pessoas se conformam com a solidão, principalmente quando não estão fisicamente sozinhas. Muitas mulheres, em especial, vêm me procurar para trocar experiências e me parabenizar pela coragem. Algumas se mostram arrasadas por terem sido traídas, com ódio do “companheiro”, mas petrificadas pelo medo de que longe dos seus homens, dos seus “donos”, a vida vá ser ainda pior. Outras elencam os filhos como a razão para ficar. Eu entendo todas elas. Eu passei por isso.

A todas eu digo apenas: tente ser feliz. Não se esconda dentro de si. Não se esconda de si mesma. Seja alguém, antes de ser mulher ou homem. Você se pertence. Faça consigo o que melhor lhe aprouver para enfrentar o mundo com mais coragem e respeito por si mesma, para viver sua vida com mais plenitude – ela não vai durar para sempre.

 

Isabel Dias é administradora e autora de 32 – um homem para cada ano que passei com você (Da Boa Prosa, 2015).

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