Toda quinta-feira depois do trabalho, o paulista Mauricio Jabur, 43, usa o fab lab da escola de engenharia do Instituto Insper, no bairro da Vila Olímpia em São Paulo. Fab lab é uma abreviação para “laboratório de fabricação” em inglês – um espaço em que pessoas de diversas áreas se reúnem para realizar projetos de fabricação digital de forma colaborativa. Quinta-feira é o dia da semana em que qualquer pessoa pode visitar o laboratório do Insper, mesmo que não seja vinculado à instituição.
Foi no Insper que Mauricio construiu um simulador de fliperama e uma máquina que move bolinhas de gude com a ajuda de uma manivela. “A máquina não serve para muita coisa, mas dá orgulho de ver funcionando”, diz ele. De vez em quando, ele também frequenta o Garagem Fab Lab, que fica no centro de São Paulo, perto de sua casa.
Mauricio conheceu o conceito de fab lab há pouco mais de um ano, quando frequentava um hackerspace em São Paulo. Ele trabalha como consultor de interatividade para museus como o MIS-RJ e, na época, queria aprender a mexer em máquinas como impressoras 3D e cortadoras a laser. “Tanto os hackerspaces quanto os fab labs são espaços colaborativos para a realização de projetos em diversas áreas, como drones e hardware”, diz Mauricio. “Acabei me interessando mais pelos fab labs porque eles são mais padronizados, têm um conjunto específico de máquinas, têm a possibilidade de membership e fazem parte de uma rede mundial. Os hackerspaces são mais anárquicos.”
A rede mundial a que Mauricio se refere foi criada há dez anos no Centro de Bits e Átomos do MIT. Hoje, fazem parte dela quase 450 laboratórios localizados em mais de 60 países. Para um fab lab ser considerado como tal, ele precisa seguir alguns princípios:
– Abrir as portas à comunidade pelo menos uma vez por semana sem cobrar nada,
– Compartilhar ferramentas e processos com os outros laboratórios do tipo,
– Participar ativamente da rede por meio de videoconferências e encontros presenciais.
Além disso, os fab labs precisam possuir cinco máquinas específicas: uma impressora 3D, uma cortadora a laser, uma cortadora de vinil, uma fresadora de pequeno formato e outra de grande formato. É comum que muitos laboratórios também tenham entre os equipamentos máquinas de furação e de costura. Também é necessário contratar um diretor, um fab manager (gerente) e alguns gurus (técnicos em máquinas, softwares e processos) para ajudar os frequentadores no que eles precisarem.
PADRÃO GLOBAL, NECESSIDADES LOCAIS
Existem três tipos de fab labs: os acadêmicos, os públicos e os profissionais. Os acadêmicos (o nome já diz) são sustentados por universidades ou escolas, enquanto os públicos podem ser sustentados por governos, institutos de desenvolvimento ou mesmo comunidades locais. Os profissionais são os únicos que precisam se preocupar com a viabilidade financeira e, geralmente, ganham dinheiro alugando espaço e máquinas para empresas e makers desenvolverem seus produtos. Esses fab labs costumam cobrar dos frequentadores uma taxa por horas, dias ou meses de uso.
A Fab Foundation é a organização americana que ajuda quem quer abrir um fab lab em qualquer lugar do mundo a colocar o plano em prática. No Brasil, a associação que faz isso é a Fab Lab Brasil Network, que tem como diretora executiva a mineira Heloisa Neves, de 35 anos. “Recentemente, os países começaram a criar suas próprias associações para ajudar a Fab Foundation a dar conta da demanda, que está crescendo muito”, diz ela. “Quem quer abrir ou já abriu um fab lab só precisa entrar em contato conosco para fazer parte da rede.”
Segundo Heloisa, o tipo de fab lab mais comum no mundo é o que fica dentro de universidades, mas o cenário é diferente no Brasil. “Aqui, como no Japão e na Holanda, a maior parte dos fab labs é profissional. Acredito que isso esteja relacionado ao caráter empreendedor do brasileiro”, afirma ela. Há 11 fab labs associados à Fab Lab Brasil Network – um em Brasília, um em Belém, um em Cuiabá, um em Porto Alegre, um em Recife, um em Florianópolis, um em Curitiba, um no Rio de Janeiro e três em São Paulo.
Heloisa ajudou a criar os três fab labs paulistanos – o Fab Lab SP (primeiro do Brasil, localizado na FAU-USP), o Garagem e o Insper Fab Lab. Formada em arquitetura pela Unesp e mestre em semiótica pela PUC-SP, ela estava fazendo um doutorado sanduíche em open design na Universidade de Sevilha, na Espanha, quando decidiu tirar um ano sabático e se mudar para Barcelona. “Um amigo peruano me indicou o curso de fabricação digital Fab Academy, coordenado por um professor do MIT, e decidi fazer”, diz Heloisa.
“No início, achei que não ia dar conta, tinha que fazer tudo sozinha e não sabia nem por onde começar. Acabei descobrindo que fabricação digital tem muito a ver com empoderamento e me apaixonei”
Hoje, Heloisa é coordenadora do fab lab do Insper (onde também é professora de design para engenharia), diretora executiva da Fab Lab Brasil Network e sócia-fundadora da We Fab, que presta consultoria para empresas que querem ter os próprios fab labs. Ela também está ajudando a Isvor, a universidade corporativa da Fiat, a implementar um desses laboratórios. “Vai ser o primeiro fab lab dentro de uma empresa no país, todos os funcionários da Fiat e a comunidade em geral poderão usá-lo”, diz ela. “Isso vai ser importante para a rede.”
UM LAB PUXA O OUTRO E A REDE VAI CRESCENDO
Há dois anos, Heloisa encarou um desafio parecido. Ela ajudou os sócios Eduardo Lopes, 41, e Marco Rossi, 28, na criação do Garagem, o primeiro fab lab profissional do país. Heloisa e Eduardo se conheceram em um workshop sobre fabricação digital na FAU-USP na época em que o Fab Lab SP estava sendo montado por lá. Ele também é arquiteto e exerceu a atividade durante 15 anos. “Sempre gostei de trabalhar com modelagem e fiquei maravilhado quando conheci as máquinas de fabricação digital”, conta ele.
Eduardo e Marco, que é designer de games, investiram cerca de 150 000 reais do próprio bolso para colocar o fab lab em pé. Ele fala sobre as expectativas de retorno:
“O modelo de negócio não é muito rentável e nem é para ser, mas se paga, paga os funcionários, paga a manutenção necessária”
Isso, no entanto, pode ser relativizado para que não se torne um problema. É o que eles fizeram. “Optamos por criar uma empresa sustentável, mas que tivesse preços acessíveis para atingir todos os tipos de público”, diz Marco. Para poder gerar lucro, os sócios criaram spin-offs do negócio – uma empresa que vende filamentos para impressoras 3D, outra que presta serviços de impressão 3D e ainda outra que imprime miniaturas de pessoas.
A maior parte do público do Garagem é composta por estudantes dos cursos de arquitetura, design e engenharia. Os outros frequentadores são recém-formados em busca de informações, empreendedores e hobbistas. “O dia em que o fab lab fica aberto ao público é quarta-feira, aí vem gente de todo o tipo, curiosos, pais com crianças”, diz Eduardo.
Outro laboratório profissional é o Brasília Fab Lab, fundado no começo deste ano pelo designer de produto Guilherme Vargas Garcia, 25, com outros quatro sócios. Em 2012, Guilherme fez um intercâmbio para a Parsons School of Design, em Nova York, onde conheceu alguns laboratórios de prototipagem. Ao voltar para a UnB, onde estava concluindo a graduação, percebeu que havia na cidade uma grande carência na área de fabricação digital.
A primeira ideia dos sócios era abrir um laboratório de prototipagem. “Foi quando conhecemos a Heloisa através do site da Fab Lab Brasil Network e resolvemos fazer um laboratório de fabricação. Queríamos criar algo fora da universidade, algo mais aberto à comunidade”, diz Guilherme.
O investimento inicial foi de cerca de 80 000 reais. Foram os próprios sócios que construíram a maior parte das máquinas hoje disponíveis no fab lab. “Achamos que esse seria um jeito legal de mostrar a importância de existir um laboratório como esse”, afirma Guilherme. Entre os frequentadores do Brasília Fab Lab há desde pessoas interessadas em montar barcos e colocá-los para navegar no lago Paranoá até empreendedores que querem criar protótipos de produtos. Sábado é o dia em que os visitantes não pagam nada.
Para Guilheme, o próximo desafio do Brasília Fab Lab é atrair um maior número de frequentadores. “Estamos organizando eventos gratuitos, como o Arduino Day, quando é comemorado o aniversário do Arduino, e agendando visitas de estudantes da UnB interessados na cultura maker”, diz ele.
Outras formas encontradas pelos fab labs para ganhar dinheiro são oferecer cursos (“Como construir uma impressora 3D” e “Como fazer robôs de papel cortados a laser” são dois dos workshops ministrados no Garagem) e alugar o espaço para eventos em geral (recentemente, o Insper locou seu fab lab para a Totvs realizar um processo seletivo para contratação de trainees).
Uma das preocupações atuais dos donos dos fab labs paulistanos é um edital da prefeitura para a implantação de 12 laboratórios de fabricação públicos na cidade. “A princípio, parece uma ideia incrível”, diz Heloisa. “Mas temos medo que o conceito de fab lab, que inclui um conjunto de máquinas específicas e uma rede mundial, acabe se distorcendo no meio do caminho.” No entanto, ela acredita que, se os princípios da rede foram seguidos à risca, o projeto pode dar certo e ajudar a tornar esses espaços mais populares. “Afinal, a ideia dos fab labs é essa mesmo, a de servir a comunidade.”
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