Se colocar no lugar do outro, ter empatia, é a habilidade fundamental dos novos tempos: para pessoas e marcas

Rita Almeida e Pedro Cruz - 25 dez 2015
Pedro Cruz e Rita Almeida (foto: Lucio Cunha).
Rita Almeida e Pedro Cruz - 25 dez 2015
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por Rita Almeida e Pedro Cruz

Perambulam pela Terra sete bilhões de pessoas cada vez mais conectadas e obcecadas pelo ambiente urbano. Elas estão, em maior ou menor grau, hipnotizadas por seus valores, ideais e estilo de vida. Sete bilhões de pessoas cada vez mais informadas e mais críticas, o que torna a comunicação entre nós cada vez mais complexa e desafiadora. Este mundo urbano ultraconectado, repleto de virtudes e fragilidades foi o nosso ponto de partida para investigarmos um assunto fundamental: a confiança.

Definir “confiança” já é um desafio em si. Ela não é uma coisa, não é um sentimento – nos pareceu se tratar de um processo. Por causa disso (e entendendo que nosso tema era conceitualmente líquido), pensamos em mudar nossa pergunta para “como se constrói confiança?”. Para respondê-la, recorremos a uma metodologia de estudo que tem fundamentos na neurociência e produz resultado pragmático: o mapeamento mental do seu processo de construção.

Este estudo foi concluído em 2012 e batizado de Trustparency – building natural brands (Trustparency – construindo marcas naturais). A ideia era mostrar como o processo de construção de confiança entre as pessoas pode gerar aprendizados para a relação entre marcas e pessoas – desde que as marcas entendam a dinâmica que rege a construção e a manutenção da confiança. Este estudo culminou em uma tentativa pragmática de aplicação através do entendimento de quatro pilares fundamentais:

– a imperfeição das pessoas;
– a imperfeição das empresas, produtos e serviços;
– a necessidade de entregar o que se promete;
– a necessidade de se estabelecer diálogo, custe o que custar (diálogo inclui responder as perguntas difíceis ou aquelas para as quais você não tem resposta imediata).

Uma de nossas descobertas iniciais foi uma das mais interessantes: “confiança” é o resultado de um processo contínuo de gestão de risco – ela não existe de forma definitiva. Nossa vida depende desse estado de alerta contínuo – como todos os animais, permanecer vivos é nossa tarefa primordial e para cumpri-la analisamos riscos incessantemente. Isso vale para quando escolhemos o(a) parceiro(a) de nossas vidas, a marca do carro novo, nossa profissão, nossas amizades, endereço, roupas e hábitos.

No mapeamento mental, fica claro que a construção e manutenção da confiança se divide em dois hemisférios distintos, um positivo e outro negativo (divididos no mapa abaixo pela fina linha amarela). O risco é a única ponte que une os dois mundos.

O risco é a única coisa que une o positivo e o negativo.

No mapeamento mental, à direita estão os aspectos negativos da construção da confiança, à esquerda, os positivos.

Analisando o lado esquerdo do mapa (o lado positivo), vemos que a empatia, assim como a liberdade e a segurança, é uma das três emoções positivas que fazem parte do processo de construção e manutenção da confiança (agora entendida como um processo contínuo de gestão de risco).

E foi exatamente por isso que nos interessamos pelo tema: porque é significativo para a sólida construção mental de noções de confiança e porque é um tema absolutamente civilizatório. Ou seja: A noção de que empatizar é civilizar e de que civilizar é empatizar é uma das mais contundentes de nosso estudo. A força desta ideia explica nosso envolvimento com o tema.

Imagine um mundo empático no qual as pessoas passam a lidar com as diferenças de forma mais saudável e perene. Imagine um mundo empático no qual as empresas entendam seu papel no capitalismo consciente que está nascendo. Imagine um mundo empático que lide melhor com a atual crise de refugiados no mundo. Imagine um mundo empático que seja capaz de equacionar a relação Israel x Palestina.

Por tudo isso, entendemos que empatia é, de fato, uma habilidade fundamental dos novos tempos:

“A empatia é o antídoto para o individualismo absorto que herdamos do século passado”

Esta frase é do Roman Krznaric, um dos fundadores da The School of Life (Londres) e também fundador do Museu da Empatia, uma das principais vozes atuais sobre esse assunto.

COMO ACONTECE A EMPATIA

A empatia é a capacidade de sair do seu “umbigo”, olhar para o outro e conseguir pensar como ele. Um processo muito profundo, que exige presença, coragem e doação. Nos dedicamos a estudar como isso acontece na vida das pessoas e como as marcas podem se colocar ao lado das pessoas nessa busca pela empatia.

Todos os dias temos a chance de escolher várias vezes entre ser ou não ser empáticos. Isso mesmo: a empatia começa na gente e não no outro

O primeiro passo é estar atentos. Se não estivermos presentes na situação nem vamos percebê-la. Ao entrar em contato com a situação, o próximo movimento é conseguir olhar para nossas próprias vulnerabilidades – pensar que aquela situação poderia acontecer com você e realmente acreditar nisso. Quando fazemos isso, automaticamente criamos uma narrativa pessoal (que evoca nossas crenças, medos, inseguranças e memórias) e, aí sim, como consequência, é despertada uma sensação real de amor, interesse e atenção pela outra pessoa ou pela situação.

Portanto, entendemos que viver uma conexão empática é um processo que precisa de atenção, entrega e generosidade e que nem sempre conseguir ter empatia significa partir para a ação. E nós também buscamos entender o que impulsiona – ou desmotiva – a ação. Os impeditivos principais são dois: o primeiro é a rotina puxada e a dificuldade em largar o que estamos fazendo para ir ajudar alguém (ligar para o escritório e dizer que vamos atrasar porque estamos indo ajudar uma pessoa que encontramos na rua não é uma situação necessariamente bem recebida); o segundo é a desconfiança e o medo da violência.

Mas vamos focar nos fatores que impulsionam nossa empatia, a começar pela memória e a experiência. Quando você já viveu uma situação parecida, essa experiência se transforma em empatia, como nos contou uma das pessoas que participaram do nosso estudo: “Quando vi a cena da mulher humilhando a outra, na hora me lembrei de quando eu estava naquela situação e não consegui ficar quieta”.

A segunda situação que costuma impulsionar a ação na empatia é um tipo de sensibilidade desenvolvida também através das nossas vivências pessoais: uma mulher grávida tende a se emocionar mais com situações empáticas que envolvam outras grávidas ou crianças. E, por fim, o sentimento que apelidamos de “karma”, a ideia de que ajudar o próximo é uma forma de se ajudar também.

Este último aspecto — o desejo que as pessoas têm de ajudar, mas não sabem como fazê-lo — é uma oportunidade aberta às marcas e utilizada, por exemplo, pelo Itaú e o Bradesco, com seus projetos de rechear alguns pontos das cidades com bicicletas para uso gratuito. Também o Pão de Açúcar e a Unilever são exemplos, com um consistente projeto de reciclagem e a crença de que reciclar o lixo doméstico é o básico de uma sociedade civilizada e empática. Parceiras, as duas marcas geram empatia em quem também não deseja maltratar o mundo.

EXISTEM MARCAS QUE JÁ CONSEGUEM PRATICAR A EMPATIA?

Sim, mas poucas. Ainda há muito a ser feito nesse sentido. A grande maioria das marcas ainda opera num mundo em que a marca é apenas uma distribuidora de produtos, serviços e posicionamentos. O caminho certamente não é esse, pois o mundo vem passando por transformações sem volta. Qual é o caminho ainda não sabemos, mas ele deve passar por algumas mudanças essenciais.

Nosso projeto levantou algumas provocações nas direções em que acreditamos estar essas transformações. Vamos a elas:

1) Sua marca se coloca no lugar do ser humano por trás do consumidor? Não apenas na hora de vender algo, mas na sua rotina, na sua história de vida?
2) Sua marca está ouvindo as pessoas com toda a atenção necessária e estabelecendo um diálogo verdadeiro?
3) Sua marca acolhe a vulnerabilidade das pessoas e demonstra sua própria vulnerabilidade?
4) Sua marca está disposta a abrir mão de algo em prol do bem maior da comunidade?
5) O propósito de existência da sua marca está diretamente conectado a um grande anseio social?
6) Sua marca defende alguma causa que possa ajudar a construir esse propósito?

Pelo que estudamos até aqui, as marcas são vistas de forma bem distante desses valores. E verificamos isso na fase quantitativa do projeto: medimos o grau de empatia do brasileiro em relação a 28 situações empáticas levantadas na fase qualitativa e chegamos ao patamar de 70%.

POR ONDE COMEÇAR?

O projeto desenhou as situações de maior empatia para as pessoas. Essas situações (28) foram medidas e agrupadas no decorrer de nossa análise. Chegamos a cinco grupos de reações empáticas, que vão de “vulnerabilidade extrema” até o que chamamos de “males do dia a dia”. No que se refere às marcas, sua maior oportunidade de ser empática com as pessoas é no grupo “males do dia a dia”. Veja o que pensa quem tanto tem nos ensinado nas últimas décadas, Philip Kotler (2014):

“Pense no consumidor não em termos de alguém que vai comprar seu produto, mas alguém que deseja que o mundo seja um lugar bom para viver. O que você está fazendo para mostrar a ele que se importa? ”

Como falamos, segundo o nosso estudo, a população brasileira apresenta uma empatia média de praticamente 70% (69,5%). Quando transferimos para as marcas, vimos que as pessoas acreditam que a empatia média das marcas é de 7%. Esse é um buraco enorme e merece grande investimento por parte das marcas nos próximos anos.

 

Rita Almeida, 54, é publicitária e sócia fundadora da CO.R Inovação. Trabalhou por mais de 20 anos em agências como Talent, Loducca e AlmapBBDO, tendo sido precursora do Planejamento Estratégico criativo no ambiente das agências.

Pedro Cruz, 50, é COO da agência FCB Brasil. Carioca, formado em Comunicação pela UFRJ, foi head de Planejamento em agências como Bates, Y&R, Grey, Africa, DraftFCB e FCB Brasil. Em 2011 venceu o Prêmio Caboré na categoria.

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