“Ser mãe é a maior escola para executivos que existe. Muitas vezes, nem dá tempo de sofrer”

Priscila Martins - 15 set 2016
Priscila Martins tem 30 anos, duas filhas gêmeas com menos de um ano de idade, e é diretora comercial de uma empresa familiar. Ela fala das cobranças, preconceitos sofridos e da jornada dupla que exerce.
Priscila Martins - 15 set 2016
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por Priscila Martins

Ter que começar tudo de novo deixa qualquer um com o maior frio na barriga, mas, para mim, a mera possibilidade de permanecer no mesmo lugar é algo um milhão de vezes mais assustador. Mudanças sempre fizeram parte da minha vida, tanto as físicas (quando, aos 17 anos, deixei o Paraná) quanto as mais simbólicas e estruturais (quando, em 2011, aos 25 anos, cheguei à gerência comercial de um dos maiores laboratórios veterinários do País).

As mudanças não pararam por aí. Quatro anos mais tarde, em meio ao turbilhão de responsabilidade de coordenar uma equipe com 40 pessoas espalhadas por todo o Brasil, me tornei mãe de gêmeas: Alice e Laura. Refletindo friamente hoje sobre isso, reconheço:

A gravidez, para mim, foi uma missão kamikaze e só não surtei porque tive apoio incondicional do meu marido e da minha mãe

Sinceramente, já não saberia dizer qual dessas missões têm me desafiado mais a cada dia.

Ao longo de uma década envolvida com os negócios de meus irmãos, tive a oportunidade de amadurecer como poucos na minha idade tiveram, e adianto que trabalhar com eles não aliviou em nada as cobranças, muito pelo contrário. As pressões sempre foram intensas — e não diminuíram depois de eu me tornar diretora comercial do laboratório Mundo Animal (a empresa familiar até então administrada pelos meus irmãos, Itamar e Edgar). Aliás, a partir daí, os desafios alcançaram outro patamar.

Sou apaixonada pela liberdade e trabalhar duro desde cedo sempre esteve em meus planos. Ao longo de minha infância e adolescência não morei com meus irmãos. Mesmo de longe, eu sabia de toda a trajetória dos dois nos negócios. Querendo ou não, acompanhar o crescimento profissional deles me fez estar em contato de forma muito saudável com o espírito competitivo, algo geralmente mais estimulado nos meninos.

A questão de gênero pesou muito mais tarde, quando precisei lidar com pessoas pouco abertas a aceitar uma mulher no comando

Mas essas dificuldades nem passavam pela minha cabeça de adolescente quando surgiu a proposta de trabalhar na área de faturamento da distribuidora do meu irmão Edgar, em Campinas (SP), aos 17 anos.

Aos poucos fui conquistando novas missões. Assim que completei a maioridade, já com carteira de motorista, passei a integrar a linha de frente de vendas. Eu era apaixonada pelo o que fazia, mas reconheço que que pagar contas, visitar clientes e se preocupar com o quadro de funcionários não se encaixava tão perfeitamente na rotina de uma jovem de 18 anos. Queria uma rotina mais tranquila, com menos estresse.

Mal sabia eu que meu desafio aumentaria logo depois, quando meu outro irmão, Itamar, apostou todas as suas fichas na aquisição de uma nova empresa. O Mundo Animal estava longe de seu melhor momento e precisava de mudanças profundas. Em 2007, quando ele deu esse salto, o Brasil já ostentava o posto de segundo maior mercado em consumo de produtos e serviços pet no mundo. Mas, antes de posicionar a empresa da família como um player competitivo o bastante para concorrer em pé de igualdade com gigantes nacionais e do exterior, era preciso colocar a casa em ordem.

Em 2011, fui convidada a assumir o departamento comercial da empresa, sendo responsável pela operação em todo o Brasil. Sempre fui muito pé no chão e deixei claro que não faria milagres, principalmente porque o negócio ainda não havia decolado. Apenas me comprometi a fazer o que tinha que ser feito e dar meu melhor.

O discurso estava muito bem ensaiado, mas por dentro eu me perguntava: “Onde estou me metendo?”

Eu tinha 25 anos e uma experiência restrita a uma operação comercial menor, apenas em São Paulo. A ansiedade e insegurança bateram forte. As pressões externas também eram intensas. Muitos questionavam minha capacidade, sugerindo que eu estava ali não por competência ou mérito, mas por indicação.

Ouvi não apenas uma vez que com o irmão que eu tinha, não teria como as coisas darem errado. Ou ainda, “quem é você? Olha a sua idade. Você ainda vai passar por muita coisa na vida”. Para não brigar o tempo todo, eu apenas sorria, concordava que eu era uma pessoa de sorte, mesmo tendo absoluta certeza de que era meu trabalho e esforço, e não meu DNA, que estava fazendo a diferença ali.

Hoje, felizmente, isso está superado. Aos poucos, tive a oportunidade de mostrar meu trabalho e os esforços foram dando resultado. Assim que recebi o convite para assumir o cargo, prometi apenas que faria o que eu conseguisse. A minha empresa sou eu, então me dedico e entrego resultados para preservar o meu capital pessoal, meu nome, e foi justamente isso que busquei.

Hoje, me orgulho de mostrar que o laboratório Mundo Animal está 130% maior do que em 2011, quando assumi. Tudo isso definitivamente não é por acaso. Ao lado dos meus sócios Luiz Fernando Albuquerque, Álvaro Sá e meu irmão Itamar, enho desenvolvido um trabalho focado em pessoas e não apenas em números. Não chego simplesmente e mando. A relação com meus colaboradores precisa ser de parceria. Nós fazemos juntos. Um problema nunca é só meu, eu o compartilho e também faço questão de ouvir.

É claro que muitas concessões e ajustes precisaram ser feitos, sobretudo com o nascimento das meninas, no ano passado. Foi um período insano, trabalhei até o final da gravidez e menos de um mês depois do parto, já estava em um evento para distribuidores.

Ser mãe e executiva em tempo integral é missão para os fortes e definitivamente estou longe de ser uma supermulher. Me lembro como se fosse ontem do pior dia da minha vida:

Na primeira viagem que precisei dormir fora de casa, entrei no avião e só conseguia chorar. Pensava: “Coloquei duas filhas no mundo para os outros criarem”

Conviver com esse tipo de cobrança não é fácil, porque faço questão de ser presente na vida das meninas, mas ao mesmo tempo, amo o que eu faço. Trabalho por prazer, não por obrigação. Administrar tudo isso e manter um casamento saudável não tem sido tarefa fácil e, às vezes, bate certo desespero, mas tenho a sorte de ter encontrado pessoas maravilhosas para me ajudar: com conselhos, com a criação das pequenas, com minha saúde.

Com a rotina atribulada que tenho, muitas vezes não dá nem tempo de sofrer, mas costumo dizer que a maternidade nos dá forças que até o cansaço desacredita. Mais do que isso, ser mãe é a maior escola para executivos que existe e, nessa disciplina, me dedico dia após dia para conseguir meu diploma.  

 

Priscila Martins, 30, é diretora comercial e sócia do Laboratório Veterinário Mundo Animal.

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