Social Docs, uma produtora especializada em contar a história de projetos sociais

João Prata - 17 jul 2017Marcelo e Henry têm cada um uma produtora, mas se associaram para criar a Social Docs, especializada em negócios não lucrativos.
Marcelo e Henry têm cada um uma produtora, mas se associaram para criar a Social Docs, especializada em clientes de instituições não lucrativas.
João Prata - 17 jul 2017
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Ariel é um garoto israelense e conta para a câmera que gostava de cantar músicas pejorativas aos árabes. Mohamed, árabe, e diz que não pensava em dar socos, mas tinha pensamentos errados em relação aos judeus. O vídeo continua, mostra os dois uniformizados, prontos para disputar uma partida de futebol promovida pela ONG israelense Gol da Igualdade. Os garotos voltam a falar depois de vestirem a camisa do projeto social. Ariel, agora, sonha com a união dos povos. Mohamed pede o fim das brigas por religião.

O registro dos garotos foi um dos primeiros trabalhos feitos pela produtora Social Docs, dos sócios Marcelo Douek e Henry Grazinoli, ambos com 38 anos e que se juntaram pelo mesmo ideal: contar histórias que ajudem a promover as ações sociais de seus clientes. O vídeo de quase quatro minutos contribuiu para a arrecadação de 35 mil reais para a ONG e confirmou que a parceria estava no caminho certo.

A produtora se especializou em contar histórias de projetos sem fins lucrativos.

A produtora se especializou em contar histórias de projetos sem fins lucrativos.

Marcelo, formado em propaganda e marketing, tinha uma produtora desde 2009, a Lukso, especializada em storytelling para marcas. Henry, graduado em cinema e roteiro, era um de seus freelancers. O trabalho para a Gol da Igualdade surgiu em 2016, quando a instituição israelense veio ao Brasil divulgar suas ações durante os Jogos Olímpicos do Rio.

Marcelo, que é judeu, foi procurado porque havia feito outro trabalho com a comunidade judaica. Há dois anos, ele criou uma websérie que explica a origem das festas hebraicas sob o ponto de vista das crianças, usando animação. Dessa vez, ele aceitou o convite para ajudar a promover a ONG com a condição de que pudesse realizar um vídeo. Neste ponto, ainda não era um business. Mas ele convidou Henry para participar do filme e, ali, os dois viram a possibilidade de criar uma nova produtora. Perceberam que ambos acreditam que o storytelling pode, e deve, ser usado como ferramenta de transformação social. Ao mesmo tempo, uma empresa e uma nova relação estavam nascendo. Marcelo fala do início da sociedade:

“Antes da empresa existir, quisemos testar como seria trabalhar como sócios. Tivemos o cuidado de entender essa dinâmica, ver o que funcionava ou não”

Os dois já haviam produzido com sucesso um vídeo social para o Arredondar. A campanha para acelerar as doações junto aos caixas de supermercados e lojas de moda teve como resultado um aumento de 40% na arrecadação dos pedidos no pós-campanha. “Começamos a discutir sobre a parceria e quando vimos que tinha um propósito parecido, passamos a pensar em um modelo para trabalhar com o setor social”, diz Henry.

Hoje o modelo está bem definido. Depois de alguns testes, e de um investimento inicial de cerca de 10 mil reais, a Social Docs saiu do papel e, ainda que o principal produto sejam os vídeos, optou por não ficar apenas neles. A especialidade, contam os sócios, é criar projetos de comunicação em todas as plataformas, incluindo material gráfico, mala direta, posts em redes sociais etc. Em resumo, a metodologia de trabalho deles tem três etapas: criar narrativas de impacto, garantir que estimulem a reação desejada (uma doação, por exemplo) e oferecer estratégias de distribuição.

COMO LIDAR COM O AMADORISMO EM INSTITUIÇÕES NÃO LUCRATIVAS

Na Social Docs, Henry é responsável pelo conteúdo e pela direção, enquanto Marcelo cuida da produção e captação dos vídeos. Ambos, no entanto, ainda tocam seus projetos paralelos. Henry tem uma produtora de documentários e Marcelo divide seu tempo com a Lukso. A Social Docs tem duas funcionárias fixas, uma no comercial e outra para o financeiro, e contrata colaboradores conforme a demanda de cada projeto.

Para fazer um vídeo de três minutos é necessário contratar de 10 a 15 pessoas, entre diretor, produtor, assistente, fotógrafo, técnico de som, montador, colorista e editor. Por isso, não é barato investir em comunicação profissional: a Social Docs cobra de 40 mil a 80 mil reais por projeto. Os sócios defendem que o trabalho profissional, de alta qualidade, é essencial, por exemplo, para gerar mais resultados numa campanha de arrecadação.

Atualmente, a produtora, que também pode ser chamada de agência, está com trabalhos para o Itaci (Instituto de Tratamento do Câncer Infantil), ISES (Instituto de Socioeconomia Solidária), Instituto Votorantim, CEAP (Centro Educacional Assistencial Profissionalizante) e mais outro que ainda não pode ter o nome revelado. Nem todos os clientes, porém, têm estruturas profissionais.

Frame de um vídeo da Social Docs para Instituto Votorantim.

Frame de um vídeo da Social Docs para Instituto Votorantim.

Os sócios dizem que é frequente se depararem com muito amadorismo na comunicação das instituições que visitam. “A gente começa as conversas e logo dizem: ‘tem um cara aqui que faz a comunicação. Ele nem é da área, é fisioterapeuta’. Claro que não se pode menosprezar a capacidade das pessoas, mas para realizar algo com a qualidade que a gente se compromete, existe um custo. Procuramos profissionais do mercado, experientes, e, principalmente, que têm relação emocional com as causas, com aquilo que a gente acredita. E isso faz uma diferença enorme”, conta Henry.

A Social Docs funciona oficialmente desde novembro de 2016 e conseguiu faturar cerca de 400 mil em pouco mais de sete meses. A meta para o final deste ano é bater 750 mil reais. No que depender da produção atual, o resultado tende a ser ainda maior. “Estamos com cinco clientes neste mês. Até paramos de prospectar no momento para não comprometer a qualidade”, diz Marcelo.

ELES TAMBÉM ENSINAM A PESCAR

Nem todos os projetos sociais, porém, têm verba para contratar os serviços profissionais da Social Docs. Cientes disso, os empreendedores pensaram numa alternativa: oferecer cursos e palestras sobre storytelling para essas instituições. É uma forma de passar um pouco do que eles sabem, mesmo que não seja pela venda dos serviços da produtora. No próximo dia 26, por exemplo, acontece o workshop Como contar histórias de impacto, na Unibes Cultural, em São Paulo. O programa terá duração de 8h e o pacote de ingressos para três pessoas sai por 1.540 reais. Caso a instituição queira levar apenas duas pessoas, o valor é 1.210 reais.

Marcelo e Henry contam que muitas das ONGs “falam, falam, falam, mas se esquecem de mostrar a transformação lá na ponta”. Não dão destaque para quem realmente se transforma com a ação. Marcelo diz, também, que há um certo pudor, ou vergonha, ou o que seja, que dificulta o trabalho de arrecadação dessas instituições:

“Pode parecer bobagem, mas no final de cada material produzido tem que haver o pedido claro para a doação. Nem sempre vemos isso”

Ele prossegue, com exemplos: “Se é um vídeo direcionado a grandes doadores, tem que estar lá: doe 50 mil reais e tal. Se é para clientes em geral, a mesma coisa: para doar 50 reais, faça isso. Tem sites que você demora uns 15 minutos até encontrar o local para doação. Isso quando encontra”.

Henry (de boné) em um dos workshops em que ensina storytelling a instituições que ainda não conseguem contratar a Social Docs.

Henry (de boné) em um dos workshops em que ensina storytelling a instituições que ainda não conseguem contratar a Social Docs.

Além de terem a função de transmitir conhecimento para potenciais futuros clientes, os  workshops da Social Docs também ajudam os sócios a conhecerem melhor o público com que trabalham. Henry notou, entre outras coisas, que os fundadores de algumas ONGs ficam tão enrolados nas questões burocráticas, como arrecadar dinheiro e todos os entraves que dificultam a vida de um projeto social, que acabam se esquecendo qual é sua verdadeira missão.

Ele fala: “Contar história tem a ver com isso. Conectar com aquilo que faz sentido, as narrativas mais sinceras. A gente acredita que essa é a chave para abrir aquela porta e acessar aquele propósito inicial novamente.”

Nesses sete meses de vida, a Social Docs sabe que ainda tem muito o que desbravar no Brasil, que ainda engatinha no quesito comunicação de projetos sociais. Tanto que, segundo os sócios, não há nenhuma outra empresa especializada em  storytelling nesse setor. Como comparativo, Marcelo conta que participou, no final do ano passado, de uma conferência em Chicago (EUA) sobre “Storytelling para Negócios Sem Fins Lucrativos” e ficou espantado com as especificidades de mercado que existem por lá.

“Foram umas 80 palestras. Tinha o especialista em contar história por sms, o que falava sobre rede social, a startup com aplicativo para facilitar a doação, tinha de tudo…. Em uma das palestras, o cara perguntou se havia algum latino americano na plateia. Meio com vergonha, levantei a mão. Fui o único. Na hora pensei: ‘ou eu sou muito esperto ou sou um tremendo idiota.” A performance inicial da Social Docs já deu uma pista.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Social Docs
  • O que faz: Vídeos e storytelling para projetos sociais
  • Sócio(s): Marcelo Douek e Henry Grazinoli
  • Funcionários: 4 (incluindo os sócios)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: novembro de 2016
  • Investimento inicial: R$ 10.000
  • Faturamento: R$ 400.000 (primeiros sete meses)
  • Contato: [email protected]
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