O contraste é gritante. Enquanto cerca de 870 milhões de pessoas não têm o que comer no planeta, um terço de toda a comida produzida no mundo – aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas – é desperdiçado anualmente, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). É um volume que daria para alimentar 900 milhões de pessoas.
Esta realidade revela desequilíbrio social e um grave problema humanitário, mas também expõe um prejuízo econômico: a conta anual desse desperdício bate em um trilhão de dólares (não perca a conta dos zeros: US$ 1.000.000.000.000)
“Essa é apenas a ponta do iceberg. Nosso consumo global já é uma vez e meia maior do que a capacidade da Terra. Nossa única escolha é fazer mais com menos. Precisamos mudar os padrões de produção e de consumo do nosso sistema econômico atual”, alerta o diretor executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e subsecretário geral da ONU, Achim Steiner.
Muitos fatores influenciam na perda de alimentos e envolvem todo o ciclo produtivo. Começam ainda no campo, passam pela distribuição e chegam ao consumidor final.
Para Antônio Gomes Soares, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos, o esforço para minimizar o desperdício envolve uma série de medidas. Ele cita a melhoria no tratamento pré e pós-colheita dos frutos e hortaliças, a adequação de embalagens ao tamanho e peso dos produtos, reeducação e treinamento de pessoal para aprimorar a manipulação de vegetais e adequação no transporte. Tudo isso para que o descarte de frutas, legumes e verduras na hora da compra seja cada vez menor.
DESPERDÍCIO EM CADEIA E FATOR APARÊNCIA
A cena se repete em todos os cantos do mundo: na hora de escolher legumes, frutas e verduras, o consumidor deixa de lado aqueles com deformações e pequenos defeitos na parte externa e seleciona apenas os perfeitos. Resultado: mesmo frescos, os vegetais que não seguem um padrão estético são descartados, numa espiral que cria gigantescos índices de desperdício de alimentos.
Diante de um cenário de escassez, a aparência deve ser prioridade? Quem não acredita nisso, promove iniciativas para mudar esse padrão cultural e incentivar a venda de alimentos que, apesar de nem sempre bonitos, são nutritivos e excelentes para o consumo.
A rede de supermercados francesa Intermarché, por exemplo, bolou a campanha “Frutas e Vegetais Inglórios”. O primeiro passo foi criar sucos e sopas preparados com alimentos “feios”, para mostrar que eles podem ser utilizados normalmente na culinária. A segunda etapa foi a venda de vegetais e frutas fora do padrão com 30% de desconto. As medidas tiraram das prateleiras, em dois dias, uma tonelada de frutas e vegetais “feios”, e ajudaram a conscientizar o consumidor sobre o desperdício.
Campanhas semelhantes vêm se popularizando, com resultados positivos. Porém há muito a ser feito para reduzir as perdas desde o início da cadeia produtiva, ainda no campo.
O PAPEL DA CIÊNCIA, DA INDÚSTRIA E DO GOVERNO
Diante deste cenário, governo e indústria têm investido em pesquisa a fim de criar alimentos cada vez mais atraentes e ricos em nutrientes, como afirma Marcos José Fonseca, pesquisador em fisiologia e tecnologia pós-colheita da Embrapa:
“As sementes híbridas, por exemplo, podem aumentar a produtividade, resistência a doenças e estresses externos, contribuindo com a redução de perdas que ocorrem no campo e com o volume de produção final”
Um bom exemplo da tecnologia aplicada à produção agrícola é o trabalho da Seminis, marca de sementes de hortaliças da Monsanto, que há anos investe no melhoramento convencional e no cruzamento das plantas da mesma espécie. O objetivo é obter híbridos com potencial produtivo e resistência a pragas, sem perder de vista características como qualidade, durabilidade, sabor, cor e teor nutricional.
Os brócolis Beneforté são exemplos de conquistas alcançadas nesse trabalho. Resultado de dez anos de polinização cruzada e seleção, eles combinam qualidades dos brócolis comerciais com uma variedade de brócolis selvagem encontrada no sul da Itália.
O Beneforté chega a conter até três vezes a quantidade de glucoraphanin, um dos principais nutrientes da planta, do que as variedades comuns. Ao ser consumido, o composto eleva os níveis de enzimas antioxidantes no organismo, ajudando na manutenção dos processos celulares e reforçando suas defesas.
SEMINIS
A Seminis fornece sementes para agricultores convencionais e orgânicos. São 18 espécies de hortaliças, entre legumes e verduras, sendo 130 variedades, com foco em alface, abobrinha, brócolis, cenoura, cebola, couve-flor, melancia, melão, pepino, pimentão, tomate e milho doce.
Suas duas estações de pesquisa no Brasil, em Uberlândia (MG) e em Carandaí (MG), apresentam características de clima e solo distintas, o que favorece o melhoramento genético para obtenção de sementes mais resistentes a doenças e pragas.
Os resultados das pesquisas incluem, por exemplo, o melão Melorange – com peso médio de 900 gramas, ele é boa opção para quem procura pela fruta em tamanho menor. Há ainda os minitomatinhos e minipepinos sem sementes, que são uma sugestão para deixar o lanche mais nutritivo. Do cruzamento da alface americana com a crespa surge a alface Crespa Crocante, em tom verde mais escuro e rica em vitamina A.
Esse investimento em pesquisa e desenvolvimento é um jogo de “ganha e ganha”: produtores reduzem as perdas, os consumidores recebem produtos mais duráveis e nutritivos e o planeta diminui o desperdício e avança rumo ao melhor aproveitamento dos recursos naturais.