O urbanista gaúcho Ricardo Corrêa, 36, coleciona histórias de aventuras sobre duas rodas. Aos 13, foi escondido dos pais para a casa de um amigo usando a bicicleta. Até aí tudo bem, tirando o fato que a distância era de 40 quilômetros e ele pedalou uma tarde inteira. Com 20 e poucos anos, ele percorreu mais de 1 000 quilômetros numa viagem de São Paulo (onde já morava) a Porto Alegre, um percurso que durou 11 dias.
A bicicleta também esteve presente em momentos de romance. Sempre oferecia carona na garupa para as meninas, e usou a tática até no próprio casamento: foi para a cerimônia pedalando e saiu com a noiva na garupa da bike que ele mesmo preparou, pintada de azul e branco e com latinhas de alumínio amarradas na traseira.
“Pedalar é usufruir de uma boa dose de liberdade e qualidade de vida”, afirma. No caso dele, a vida no ritmo dos pedais fez ainda mais, ao mostrar de perto as diferenças sociais das metrópoles. “Isso me despertou o sonho de ser urbanista”, conta ele, que se tornou um urbanista e empreendedor: em 2007, criou a TC Urbes, uma empresa com a missão de “planejar o espaço urbano para trazer mais harmonia para as cidades”.
A TC Urbes faz planos e projetos de mobilidade urbana com ênfase em ciclovias, pistas para pedestres, bicicletários e praças públicas. Este ano, o faturamento deve chegar a 850 000 reais – mais que o dobro do atingido no ano passado.
Os principais clientes de Ricardo são governos municipais e estaduais e companhias de engenharia e arquitetura, que contratam a TC Urbes para participar de projetos de urbanismo e transporte. A empresa assina planos cicloviários em Porto Alegre, em Rio Branco e Salvador. Em São Paulo, foi responsável pela ciclovia da região da Avenida Faria Lima, em Pinheiros.
DOIS EMPREGOS ANTES DE ACHAR O IDEAL
Por muito pouco Ricardo quase não criou a TC Urbes. Em 2002, já formado em arquitetura e urbanismo pela Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap), ele não conseguiu emprego na área de planejamento urbano e foi trabalhar em um escritório de arquitetura especializado em restaurantes. “Eu era responsável por facilitar a circulação dentro dos estabelecimentos, definir a disposição das mesas e os corredores em que os garçons poderiam andar”, diz.
Ele também trabalhou com projetos de decoração residencial. Uma das tarefas era acompanhar clientes em visitas a lojas de material de construção e produtos para casa. Ricardo costumava ir aos encontros pedalando. Um dia, uma cliente disse que tinha vergonha de andar ao lado de uma pessoa “suada” por causa da bicicleta. “Foi aí que tive a certeza de que trabalhar nesse mercado não era comigo”, diz ele, que abandonou o projeto em seguida.
Nessa época, ele também trabalhava como voluntário em um grupo de estudos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “Tentava conciliar a vida no escritório com trabalhos ligados a urbanismo”, diz.
Sem perspectiva de ganhar dinheiro com o que mais gostava da profissão, Ricardo planejou com um amigo uma viagem de bicicleta que duraria cinco anos e passaria pelos cinco continentes do mundo. “Tínhamos firmado uma parceria com uma revista especializada em ciclismo que nos ajudaria a arcar com os custos da viagem”, diz ele.
A dois meses da partida, Ricardo se apaixonou por uma das alunas do grupo de estudos da USP, a também urbanista Juliana Campos, de 31 anos, que viria a ser sua esposa e sócia na TC Urbes. Na mesma época, ele foi convidado para participar do plano diretor cicloviário de Porto Alegre — o fato de ter feito, anos antes, um intercâmbio de estudos em urbanismo na Europa somou pontos para ele ser escolhido para o trabalho na capital gaúcha.
Era o início da operação da TC Urbes, fundada em meados de 2007.
Entre 2008 e 2009, a empresa foi contratada pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente para compilar todos os projetos cicloviários que existiam em São Paulo. Eram propostas dispersas, criadas por subprefeituras e empresas públicas. “Nossa missão foi juntar todos e transformar em um só sistema”, conta o empreendedor-urbanista. A organização serviu de diretriz para as ciclofaixas implantas nos últimos anos, mas hoje Ricardo não participa mais do projeto, pois considerou que algumas vias não eram totalmente seguras e precisavam ser requalificadas. “Não quis continuar como planejador urbano, mas apoio as ciclovias como ciclista, pois é melhor isso do que nada”, afirma.
QUE TAL CRIAR A SUA PRÓPRIA BIKE?
Amante das bicicletas, uma vez Ricardo comprou um modelo alemão para rodar em São Paulo. A bike não aguentou o nosso asfalto e quebrou em poucos meses. O caso levou o empreendedor a desenvolver uma bicicleta sob medida. Em 2012, ele lançava a Urbana, empresa spin-off da TC Urbes que faz bicicletas artesanais projetadas especialmente para cidades brasileiras. “Queria um modelo robusto e confortável”, diz ele, que teve ajuda de um amigo engenheiro para escolher os materiais e outras questões técnicas, e assina sozinho o design.
As bicicletas são vendidas por encomenda e variam de 1 790 a 3 490 reais – dependendo da quantidade de marchas. Uma fábrica terceirizada, na zona norte de São Paulo, é responsável pela produção. Em dois anos de Urbana, ele já vendeu 100 unidades e a empresa prepara o lançamento de outro modelo em 2015.
Depois de um começo um tanto intuitivo, nos últimos anos Ricardo está investindo na profissionalização do negócio. A TC Urbes deu entrada num processo para receber o selo B Corporation – certificado que avalia os impactos da empresa na comunidade, no meio ambiente e na relação com funcionários e clientes para atestar se o negócio oferece benefícios sociais relevantes.
SAUDÁVEL É ESTAR SEMPRE EM MOVIMENTO
Ricardo também contratou uma consultoria para ajudar nas finanças, na precificação dos serviços e no controle das despesas. A empresa também contratou: aumentou o quadro de funcionários, que passou de quatro para dez pessoas. Assim, foi possível dividir a equipe em departamentos, como o de Prospecção, fundamental para o ramo de atuação da TC Urbes, que monitora a abertura de editais e licitações públicas. Ele vê o próprio crescimento e avalia que há quinze anos uma empresa como a TC Urbes seria inviável economicamente.
“O movimento cicloativista brasileiro é recente e somente agora começa a existir uma demanda para integrar as bicicletas no planejamento viário”
A cidade de São Paulo, por exemplo, tinha somente 35 quilômetros de ciclovias em 2010, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Hoje, a rede cicloviária tem mais de 100 quilômetros e a meta é chegar a 400 até dezembro do ano que vem.
Para Ricardo, o aumento no número das vias para bicicletas não tem nada de revolucionário. É apenas uma atitude necessária e condizente com as demandas da sociedade. “A pressão popular levou os gestores públicos a começar a considerar outras configurações de espaços públicos”, diz.
Uma pesquisa do Ibope afirma que nove em cada dez paulistanos são favoráveis à construção e à ampliação de ciclovias na cidade. Em 2014, a quantidade de pessoas que usam a bicicleta como meio de transporte cresceu 50% em relação ao ano anterior – o número de ciclistas na cidade subiu para 260 000 pessoas.
Na visão do urbanista, Ricardo considera que infraestrutura e sinalização que garantam segurança aos ciclistas podem ser um estímulo ao uso da bicicleta. “O que pode demorar mais para crescer é o respeito pleno ao ciclista, que depende de uma mudança cultural na sociedade. Essa é a parte mais difícil”, diz ele. E segue pedalando.
Em vez de rios canalizados que transbordam a cada enchente, por que não parques alagáveis? Saiba como José Bueno e Luiz de Campos Jr., do projeto Rios e Ruas, querem despertar a consciência ambiental e uma nova visão de cidade.
Bicicletas, scooters e motos elétricas já podem ser carregadas em tomadas comuns, têm mais tempo de autonomia, custam cerca de R$ 0,30 o quilômetro rodado, e aparecem cada vez mais nas ruas brasileiras.
A Urbia, que ganhou a concessão para administrar seis parques paulistanos, aposta em um modelo de distribuição de valores chamado Robin Hood, que transfere parte da remuneração dos grandes para os menores.