Um dia na vida de um agricultor brasileiro

Bruno Leuzinger - 7 out 2015
Morador de Uberlândia, Luciano Lara administra três fazendas que produzem soja, milho e cana de açúcar
Bruno Leuzinger - 7 out 2015
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“Rotina é uma coisa que não existe na profissão do agricultor”, diz Luciano Marcussi Lara, de 34 anos. Ele sabe do que está falando: ligado à agricultura desde menino, administra três fazendas que, juntas, somam 4 000 hectares que produzem soja, milho e cana-de-açúcar. De certa forma, porém, a vida dele talvez se pareça bastante com a sua. Como milhões de outros brasileiros, Luciano mora em um apartamento, num grande centro urbano: Uberlândia, cidade de 650 mil habitantes, a segunda maior de Minas Gerais, onde vive desde 2007. Ele acorda por volta de 6h15, antes da mulher e do filho recém-nascido. Faz café, busca o pão e, enquanto se arruma, aproveita para se inteirar do noticiário. Lê o Valor Econômico no tablet, acompanha as chamadas do Bom Dia Brasil toma banho ouvindo a rádio Jovem Pan pelo aplicativo do celular.

Aí, é hora de sair para o trabalho. Às segundas-feiras, ele passa a manhã no escritório, organizando a parte financeira, cotando insumos e fazendo autorizações de pagamento pela internet. Luciano se programa para visitar cada uma das fazendas (todas em um raio de 50 km) duas vezes por semana e mantém um checklist para não deixar pendências. A agenda é feita dia a dia, conforme as necessidades de cada propriedade – às vezes, um trator quebrado pode mudar tudo. Em meio a esse vaivém, ele acompanha pelo celular a cotação do dólar e o sobe-e-desce da bolsa de Chicago, que serve de baliza para a formação de preços das commodities de agricultura. Uma vez por semana, fica entretido com os afazeres da Associação dos Produtores de Cana da Usina Vale do Tijuco, com sede em Uberaba, da qual é presidente.

COM UM PÉ NA ROÇA

Luciano nasceu e cresceu em Orlândia, norte de São Paulo. O avô tinha uma fazenda em Ipuã, a uns 40 km dali, para onde ele – aos 10, 12 anos – escapulia quando podia, de carona com o tio, disposto a ajudar nas tarefas. Mais tarde, a família adquiriu uma propriedade em Tupaciguara (MG), na região de Uberlândia. Luciano já tinha 18 anos e uma carteira de habilitação. Mesmo ainda terminando o colegial, assumiu o compromisso de ir todo fim de semana à fazenda, por conta própria. Levava alguma peça de trator ou documentos, cheques para os funcionários… Chegando lá, descarregava e logo saía para rodar no campo e ver como estava a lavoura, o desenvolvimento do plantio. “Eu era os olhos do meu tio”, diz. “De volta a Orlândia, eu relatava: ‘olha, aquela cerca precisa arrumar, aquele talhão precisa fazer o manejo’. Às vezes eu organizava a vacina de febre aftosa, pesagem do gado e tudo mais. Sempre vivi o dia a dia da fazenda.”

Pensou em estudar Agronomia. O pai e o tio achavam que na faculdade ele só iria aprimorar o que já sabia na prática – e, por sugestão deles, Luciano foi estudar Direito em Ribeirão Preto. Frequentava as aulas à noite e chegou a arrumar estágio e emprego no departamento jurídico de uma usina de açúcar e álcool. Quando se formou, no fim de 2003, sabia que queria era mexer com a terra. Fez sociedade com o pai, veterinário, para tocar a fazenda dele em Uberlândia e comprou maquinário financiado para produzir soja e milho. Nesse meio tempo, a avó pediu que Luciano assumisse a propriedade dela, em Uberaba, depois que os antigos arrendatários perderam a lavoura por conta de uma praga. E, em 2007, ele arrendou um terceiro terreno, no município de Prata (MG), onde também plantou soja e milho. Naquele ano, fechou um acordo com a usina de Uberaba e, em 2011, montou uma prestadora de mecanização agrícola para plantio e colheita de cana.

O CAMPO, ONTEM E HOJE

A tecnologia revolucionou as comunicações e também o trabalho no campo. Luciano ainda se lembra bem da “época pré-histórica” do rádio amador, com sinal precário, que você só conseguia sintonizar em determinados horários e locais – às vezes, de cima de um morro ou em algum outro ponto elevado. Toda cozinha de fazenda tinha um aparelho desses. De manhã, sempre com hora marcada, uma funcionária no escritório em Orlândia ou mesmo Luciano, ainda menino, ficava encarregado de passar um rádio para cada propriedade, a fim de saber se tinha chovido, como é que estava o plantio e a colheita. Hoje, para acompanhar simultaneamente o cotidiano em três fazendas, o agricultor faz uso de uma ferramenta que você muito provavelmente também tem no seu celular.

“Um dia, há uns três anos, eu estava viajando e o meu gerente me mandou um vídeo”, diz Luciano. “Eu não sabia que ele tinha WhatsApp. Era um vídeo do trator fazendo preparo de solo, e eu pensei ‘não acredito que isso está acontecendo’. E agora todo mundo tem WhatsApp”.

Para quem trabalha no campo, outra diferença hoje em dia é o suporte das multinacionais do setor, que fornecem de boletins meteorológicos a pesquisas de mercado – além de profissionais que dão todo o apoio preciso. “Já tem dois anos que a Monsanto disponibilizou para nós um agrônomo de pesquisa de ervas daninhas”, diz Luciano. “Ele mora aqui em Uberlândia. Passa uma vez a cada 15 dias e está sempre mandando material, sempre ligando. Na semana passada passamos uma manhã inteira juntos”.

Os sites de empresas como Monsanto, Bayer, Syngenta e Dupont têm ferramentas que auxiliam na tomada de decisões. E há todo um intercâmbio de informações disponíveis em congressos e palestras sobre tecnologias novas ou tendências de mercado, por exemplo. O calendário é intenso. Em junho, Luciano compareceu ao Congresso Brasileiro de Soja, em Florianópolis. Em julho, esteve em um evento em Piracicaba, promovido pela ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, ligada à USP). Em agosto, assistiu a uma palestra com um funcionário da ADM, uma das maiores esmagadoras de grãos do mundo, sobre as expectativas da empresa para o mercado de soja e milho.

AGRO EMPRESÁRIO

“Na época do meu avô era muito mais simples”, diz Luciano. “Ele plantava, colhia, entregava os produtos, punha o cheque no bolso, pagava a turma e acabou. Hoje você é mais um empresário, um administrador, do que um trabalhador braçal. Se eu for pegar uma plantadeira para trabalhar na época do plantio, eu perco várias coisas que estão acontecendo ao redor porque estou em cima de um trator”. Isso, porém, não quer dizer que ele não acompanhe tudo de perto – e não só por WhatsApp. Costuma dizer que para saber cobrar um trabalho bem feito, você precisa saber fazer. Na época da colheita, entre fevereiro e abril, Luciano arregaça as mangas e opera pessoalmente uma das colheitadeiras. Somadas, as três fazendas produzem 70 mil sacas de soja, 100 mil sacas de milho e 180 mil toneladas de cana.

No fim da tarde, começo da noite, o empresário do agronegócio ainda encontra tempo para manter a forma. Corre sempre às segundas, quartas e sextas, vai para a academia às terças e quintas. Luciano chega em casa por volta de 19h30. Curte a companhia da família, janta ou apenas faz um lanche, mas nunca consegue se desconectar por completo do que acontece no mundo. Emenda o Jornal da Band com o Jornal Nacional, espia os sites de notícias no tablet, lê algum texto na página da AG Rural ou do Valor Econômico, assiste ao Jornal das Dez, da Globonews. Luciano só vai dar um descanso para o cérebro quando o relógio já se aproxima de 23h. Hora de dormir. Amanhã tem mais um dia de trabalho.

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