por Rafael Urbach
Trabalhei cerca de 15 anos na indústria de comunicação, e cheguei a ocupar cargos de liderança em áreas de planejamento estratégico e criação de agências de propaganda e serviços de marketing. Nesse tempo, me relacionei com algumas das maiores empresas do Brasil nas áreas de petróleo e gás, bens de consumo, fabricantes de veículos, instituições de saúde, prestadores de serviços etc. Tive ótimo clientes tanto pessoa física como jurídica — e alguns péssimos também.
Nos clientes, fiz alguns amigos que levarei para muitas outras áreas da vida. Aprendi bastante, me diverti e durante bastante tempo me senti feliz. Até que, um belo dia, percebi que já não sentia toda a felicidade que vivi no passado. Já não tinha aquele tesão frente a um novo desafio. Ainda bem que o diagnóstico foi rápido, pois ignorar o que estava acontecendo seria ruim para mim e para a empresa onde eu trabalhava.
Analisei o que queria da maneira mais fria e racional que pude. Esperei para ver se era algo momentâneo (não era) e então cheguei à conclusão de que minhas respostas estavam em começar algo novo, com a minha marca, um novo negócio.
Iniciei uma startup. Sem a pretensão de construir um unicórnio
Estou empreendendo em uma área que, de certa forma, é distante do cotidiano das pessoas, mas que elas com certeza vão precisar em algum momento: conhecimento, informação e melhores processos na realização de exames diagnósticos. (Aliás, ponto para um dos meus ex-clientes, pois se eu não tivesse mergulhado nessa área para resolver os problemas dele, jamais iria considerar fazer qualquer coisa nesse segmento.)
Como cofundador de uma startup em early stage, e prestes a viver novas e diferentes situações profissionais, eu me peguei listando tudo o que vivi no mundo corporativo e não quero — mesmo! — herdar no meu negócio.
Essa reflexão é interessante. Por um lado, seria muito mais fácil fazer um texto completamente oposto a este, elencando tudo que seria bacana eu levar, como lição positiva. Mas não foi o que me puxou mais. Claro que o que vem a seguir não é nenhum convite para que pessoas ou empresas que eu conheci “vistam a carapuça” das situações descritas.
Apenas, e sem qualquer pretensão, é a reunião das características que eu definitivamente não quero que meu negócio absorva. São elas:
1) “O medo de errar é maior que a vontade de acertar”
Em várias situações, ideias e oportunidades de negócios não avançam por ser inéditas, não possuir referências anteriores ou o onipresente “benchmark” para deixar o dono da caneta de aprovação mais tranquilo ou com a confiança de saber que alguém “já pensou naquilo e também chancelou a decisão dele”.
Ter medo é OK, necessário, e nos coloca no trilho do bom senso. Porém, não pode ser a razão para perdermos o timing ou a chance de realizar algo de grande potencial. Essa é uma referência que não quero levar para a minha empresa.
2) “É mais importante descobrir de quem é a culpa do que corrigir o que está errado”
Confesso que sou fã da cultura de valorização do “fail fast” (o “falhe rápido”, do Vale do Silício). Muito do que existe de realmente novo no mundo veio do erro percebido e corrigido de alguém que, realmente, arriscou-se a pensar e, principalmente, fazer diferente.
O universo corporativo infelizmente ainda não absorveu muitas dessas lições, então muitas vezes em vez de se orientar pela solução, pela correção de rota, o que passa a ser discutido primeiro é quem é o dono do erro, quem é que vai personalizar a “vergonha do equívoco”.
Essas situações acontecem tanto de dentro para fora quanto de dentro para dentro, com muitos clientes tentando achar culpados internos ou externos em seus fornecedores. Não quero.
3) “Não quero ter tanto a perder”
A frase acima descreve algo que não é uma característica negativa em si, mas quando seu negócio realmente fica grande, muitas decisões se tornam mais complicadas. E o motivo é simples: você representa uma empresa consolidada e precisa se preocupar com a causa e efeito em tudo que está fazendo. Eu quero ter um negócio grande? Sim, mas desde que ele não perca a essência curiosa, desafiadora e questionadora dos primeiros dias. Se o crescimento representar a perda dessas características, talvez eu não seja a pessoa adequada para continuar caminhando com ele.
4) “As glórias do passado são nosso único Norte”
Sou fã e consumidor voraz de cases. Gosto muito de ver as pessoas contando como resolveram um problema complicado, qual foi o plano, como colocaram em prática e quais foram os resultados.
Ter exemplos de sucesso do passado é ótimo, mas achar que eles criam uma fórmula mágica que pode ser aplicada em tudo é péssimo. Ignorar que o mercado muda, o consumidor muda e seus concorrentes também, é um ótimo jeito de ter resultados pífios.
5) “As relações com as pessoas são descartáveis”
Essa declaração acima é forte e, que fique claro, não a vejo como regra no mundo corporativo. Mas vivenciei situações onde o histórico da relação, o bom senso, o respeito, a consideração foram reduzidos a pó.
Não quero me colocar como vítima. Ocasiões em que fui a parte fraca, felizmente, foram raras. Mas testemunhei muito desrespeito ao outro
Acredito, por mais que possa parecer ingênuo, que muitas dessas atitudes sejam motivadas apenas por um pensamento imediatista — daquele que esquece tudo que já precisou ou do quanto foi ajudado no passado.
Não deixa de ser triste, que aquela pessoa ou fornecedor que dá a vida para resolver o seu problema hoje, trabalhando em horários ingratos, lutando para cumprir prazos irreais ou praticando preços de “pai para filho” como investimento, amanhã seja completamente esquecida, subestimada ou tratada de forma desleal.
6) “O status quo é tudo”
Eu não quero ser refém do status quo. Conheci clientes apaixonados pela sua empresa e por suas funções, mas eles foram exceção. A regra é ver pessoas que vivem suas atividades como mais um emprego ou, pior ainda, como um fardo pesado e necessário.
Quando resolvi mudar radicalmente minha vida profissional, muitos amigos perguntaram se eu estava louco
Esse tipo de pensamento, que aliás demonstra o carinho e preocupação de quem teve coragem de externar, infelizmente também trava as pessoas na busca por sua realização pessoal e profissional.
Muitos profissionais se escondem em uma rotina robotizada, fria, sem graça e apoiada apenas pelo salário do dia 5, pelo final da tarde de sexta-feira ou pelo cargo no cartão de visita e no LinkedIn. E tem uma hora que isso se torna cada vez mais irreversível, já que a pessoa vai ficando mais velha, menos tolerante a riscos e os crescentes compromissos da vida diminuem sua liberdade de escolha. Não quero isso para mim.
7) “Nem todo o trabalho é valorizado”
Essa característica é mais particular da minha antiga indústria (a da mídia, marketing e publicidade). Preciso fazer um trabalho? Chamo uma concorrência, coloco o máximo possível de empresas pensando no meu problema, pego emprestadas a inteligência e a habilidade dessas pessoas e, depois de um processo bem desgastante, escolho um vencedor. Aí, faço um Frankenstein com o que gostei de outras empresas e ainda coloco minha área de compras para apertar o vencedor até o seu limite. Não parece correto, não é mesmo? E não está certo.
O pior: fazer isso não ajuda em nada a própria empresa que conduz um processo dessa forma. Pode até dar certo uma ou duas vezes, mas rapidamente, quem vive de sua inteligência e habilidades específicas, irá perceber que aquele cliente não vale o tempo gasto, passando a apresentar trabalhos medíocres ou mesmo declinando de disputar as concorrências.
Quero poucos e bons parceiros. Quero estar aberto a conhecer novas ideias, novas formas de pensar, mas da forma certa, com regras claras, pagando o justo
Pagar o que é justo não implica em abrir mão de negociar, mas quero deixar meus critérios de decisão e motivos de escolha acessíveis para qualquer um que se interesse em conhecê-los. E também farei questão de agradecer a toda empresa que tenha dedicado o tempo da sua equipe a resolver um problema que é meu, apenas meu.
Não sei o que será do meu empreendimento, da minha nova vida. Quando se muda o futuro a incerteza faz parte da bagagem que se leva. Mas, se eu não levar os itens acima, viajarei muito mais leve. É o que quero.
Rafael Urbach, 36, é sócio-fundador da Mundo dos Exames. Viciado em conhecimento, ainda adora o mercado de comunicação, mas agora trilha o sonho de transformar o mercado de saúde no Brasil, começando pelos exames diagnósticos.
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