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“Você pode ter tudo na vida. Mas não dá para ter tudo, na intensidade máxima, o tempo todo”

Marina Audi - 23 ago 2016 Aline Santos, VP de Marketing Global da Unilever, fala sobre a vida em família, o trabalho na multinacional e sobre a luta pela igualdade de gêneros e pelo fim dos estereótipos na Publicidade.
Aline Santos, VP de Marketing Global da Unilever, fala sobre a vida em família, o trabalho na multinacional e sobre a luta pela igualdade de gêneros e pelo fim dos estereótipos na Publicidade.
Marina Audi - 23 ago 2016
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Chego para a entrevista com 10 minutos de antecedência porque a pessoa com quem conversaria pela próxima uma hora e meia tem o tempo mais escasso que os demais, pois divide-se entre Brasil e Inglaterra, e atrasar seria de péssimo tom. Entro na sala de Aline Santos, Vice-presidente Executiva de Marketing Global da Unilever, das marcas OMO, Dove, Seda, Kibon e tantas outras. Aline me cumprimenta efusivamente, puxa uma cadeira para eu me sentar e oferece café. Para minha surpresa, ela mesma serve uma xícara, mesmo quando sua assistente está a dois passos dali. De queixo caído pela simplicidade dessa mulher hiperpoderosa, inicio a conversa, que foi cheia de risadas e boas histórias… Mas a entrevista só começa depois de eu responder sobre meus filhos e meu sobrenome, homônimo da marca de automóveis!

Aline é formada em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas. Entrou na Unilever em 1989, como trainee no marketing e, desde então, construiu uma carreira de sucesso, dentro e fora do país. Fez parte do time global de marketing de Dove, responsável pela campanha “Real Beleza”, e, como SVP (sênior VP) Global de Laundry, liderou a campanha “Porque se sujar faz bem”, que levou OMO a ser a maior marca de sabão para lavar roupas do mundo.

Mas vamos falar mais de seus superpoderes. Em outubro de 2015, Aline assumiu seu cargo atual. Ela lidera o Marketing Global da multinacional dos bens de consumo, o que inclui: transformação digital, excelência em comunicaçãol, a marca corporativa Unilever, inovação e a Foundry, uma plataforma de relacionamento com startups (faz eventos, oferece mentoria e dá acesso a investimento). Por essas e por outras, Aline é uma das seis homenageadas do Women To Watch 2016, evento no qual o Grupo Meio & Mensagem faz justiça ao talento e à dedicação das mulheres do mercado de comunicação e marketing. A premiação acontece dia 29. Antes disso, leia os principais trechos da entrevista.

Qual é a sua principal missão na posição que ocupa hoje?
Sou responsável por toda a área de capabilities de Marketing (processos de integração de conhecimentos coletivos, competências e recursos empresariais de acordo com as necessidades de mercado), ou seja, sou responsável pela maneira que a gente faz marketing na Unilever. Meu maior desafio é ter excelência em marketing na era digital. As coisas mudaram.

Se formos pensar no Customer Journey (a jornada do cliente, que inclui todas as experiências que ele tem com uma marca, desde o primeiro contato até o pós-compra) de hoje, ele não tem nada a ver com o do passado! É radicalmente diferente e exponencialmente maior em termos de possibilidades de touch points (pontos de interação). Essa mudança digital não é uma mudança só de mídia. É uma mudança de hábitos de compra, de relacionamento com marcas… 

Essa transformação envolve alguma ação ou preparação específica dentro da Unilever?
Estamos fazendo uma grande revolução de conhecimento dentro da empresa. Temos promovido treinamentos.

Quem quer permanecer na empresa tem de entender do mundo digital melhor do que qualquer agência digital. Temos de retomar a estratégia para as nossas mãos

Temos de definir o que queremos das nossas marcas e temos de entender como isso será feito. Haverá uma série de mudanças estruturais que começarão a ser implementadas no ano que vem, porque não adianta só treinar as pessoas e continuar operando da forma que se operava antigamente! Complementando a resposta anterior… Recentemente, me deram um outro cargo de RH em que sou a responsável globalmente por Diversidade e Inclusão.

Cuidar de diversidade e inclusão veio por conta do seu interesse sobre empoderamento feminino?
Exatamente. Eles sabem que há mais de 12 anos eu participo de ONGs e associações que atuam nessa área tanto aqui, com o Grupo Mulheres do Brasil, quanto lá fora com Women Corporate Directors. Temos promovido uma série de ações, então, meu conhecimento nessa área é grande.

Antes de falarmos das suas atividades paralelas, gostaria de saber como funciona a plataforma Foundry, de relacionamento com startups. O que você faz lá?
A Foundry foi criada há dois anos. Através dela divulgamos briefings para atrair startups que tragam soluções para os problemas da Unilever. Começamos muito focados na área de tecnologia aplicada a comunicação e marketing.

Até agora, foram 50 startups aceleradas para trabalharem com marcas da Unilever. Em ocasiões especiais, como no Festival de Cannes deste ano, selecionamos e premiamos com uma viagem e a oportunidade de um pitching no Palais – inclusive a brasileira a Bliive. Foi um sucesso. Foundry não para de crescer! Também fomos a Israel, onde há uma concentração muito grande de startups.

Em Israel, o que chamou mais a atenção é que os CEOs dessas startups têm 15 anos! É assustador, né?

Hoje, há startups trabalhando com a gente em 50 países e faturando milhões. 

Pode dar um exemplo?
A Olapic é uma delas. Ela identifica UGC – User Generated Content (conteúdo espontâneo gerado pelo consumidor, em websites, blogs, redes sociais) —, avalia se tem potencial de mais engajamento, entra em contato com a pessoa que criou aquilo (por exemplo, uma foto do sorvete Magnum no Instagram) e propõe de usar o material em troca de um determinado pagamento. Com isso, a Unilever não precisa nem falar com o autor da foto.

Como é sua rotina? Quantas horas por dia você trabalha?
Meu dia a dia é, basicamente, acordar muito cedo porque no trabalho Global, o mundo começa cedo. Quando estou no Brasil, muitas vezes, tenho reunião às 6h da manhã. Às 7h, quase todos os dias. Quando estou na Inglaterra, faço as reuniões que estão pré-agendadas e já sei de antemão quais são as datas críticas em que tenho de estar lá fisicamente. Estar na função de hoje é mais fácil, em termos de localização, porque o foco é em Londres e Nova York. Antes, quando eu cuidava de Omo, eu tinha 60 países e era muito mais complicado, pois tinha de ir a vários lugares do mundo, todos os anos.

Como equilibrar trabalho e vida pessoal passando duas semanas no Brasil, onde mora sua família, e duas semanas fora?
Tenho muita tranquilidade! Não que seja fácil, mas me sinto bem. Logo no começo da minha carreira, entendi que aquele conceito de Mulher Maravilha, a que pode fazer tudo, era mais ou menos verdade.

Você pode ter tudo na vida, mas não dá para ter tudo, na intensidade máxima, o tempo todo

Eu tenho um relacionamento familiar, que é a coisa mais importante para mim, extremamente bacana. Depois, em segundo lugar, a família estendida: os amigos, as pessoas mais próximas. Em 2000, precisei me organizar melhor, pois vivia viajando e precisava de alguém de confiança na minha casa. Então, eu contratei uma esposa para mim… A gente definiu claramente quais eram os limites porque eu não queria que ela se tornasse a mãe dos meninos e nem a mulher do meu marido! (risos) Hoje, ela está na minha casa como uma espécie de governanta. Isso me deu estrutura para ter uma vida no escritório muito mas fácil.

A campanha de OMO "Por que se sujar faz bem" é um sucesso mundial, ao questionar a ditadura da limpeza.

A campanha de OMO “Por que se sujar faz bem” é um sucesso mundial, ao questionar a ditadura da limpeza.

Meus filhos nasceram e cresceram com isso. Tudo foi sempre muito claro e conversado. Eu dizia: “mamãe vai trabalhar e o trabalho da mamãe na semana que vem é em Londres”. Além disso, eu faço um calendário anual. Começo montar minha agenda a partir das coisas que são mais importantes para mim, como a vida escolar dos meus filhos, aniversário de familiares, datas em que eu faço questão absoluta de estar no Brasil. A partir daí, preencho o calendário com as coisas importantes da Unilever.  

Você sempre foi assim tão organizada?
Não. Essa não é a minha natureza… A necessidade me forçou a ficar assim. Comecei a ser organizada a partir do trabalho Global porque eu queria muito ter essa responsabilidade. Cuidar só do Brasil passou a ser pouco interessante para mim dentro dessa companhia que tem tantas possibilidades.

O que foi mais marcante para você na campanha “Real Beleza” de Dove?
As campanhas que são um marco e que a gente valoriza, a marca tem uma conexão forte com a ideia. Em 2003, quando começamos a trabalhar o relançamento da marca Dove, a Silvia Lagnado (líder global da marca), eu e representantes de outras regiões tentamos entender a gênese da marca e quais eram as tensões da sociedade atual que poderíamos ajudar a resolver? Pensando na mulher, a maior tensão é que a beleza foi estereotipada e isso coloca um peso nas nossas costas. Os estudos provaram que a forte influência da mídia mostrando modelos de beleza que não existem torna impossível a mulher se sentir bonita. Então, beleza era algo negativo. Como a marca Dove sempre teve uma autenticidade muito grande, pensamos em trazer pessoas reais para falar de beleza. Daí começamos essa história. Vou te dizer que foi extremamente difícil! Foram muitos debates internos na Unilever porque havia medo de provocar a mídia. Mas não existe nenhum país no mundo onde essa campanha não vá bem.

Qual é a história mais recente de Dove?
É o filme da Índia “Let’s break the rules of beauty” , que foi para Cannes. Para esse filme fizemos um teste de elenco completamente diferente. Na Índia, 70% dos casamentos são arranjados via anúncios de jornal. Eles definem exatamente o perfil físico que querem, religião etc. Então, criaram um anúncio como se fosse um homem procurando uma mulher, só que a descrição falava de uma mulher inteligente, de atitude, amorosa e deixava a parte física em aberto. Quando as mulheres ligavam, nós explicávamos que se tratava de um teste para o comercial da marca Dove. E daí recebemos 1000 mulheres! O filme é lindo e surpreendente para o mercado indiano. As mulheres se identificam e é um sucesso.

As coisas estão melhorando no mundo todo quanto aos estereótipos. Vemos isso pelas pesquisas, mas ainda estamos longe do nível ideal

A mulher e a sociedade estão muito ligadas a esse estereótipo e na Unilever brigamos contra isso.

Como ?
Este ano, também em Cannes, lançamos a campanha #unstereotype convidando toda a indústria da propaganda (criativos, planejadores e clientes) a tratarem as pessoas com mais respeito, sejam homens ou mulheres, dando dicas de como evitar os estereótipos quando se cria ou pensa nas marcas. Estereótipo é uma coisa que limita a vida e diminui as pessoas.

Sigourney Weaver, a Ellen Ripleu de Alien o Oitavo Passageiro, serviu de insight para Aline perceber o poder da mulher.

Sigourney Weaver, a tenente Ellen Ripley de Alien o Oitavo Passageiro, serviu de insight para Aline perceber o poder da mulher.

E como surgiu a campanha #unsteroetype?
Começou porque fiquei pensando num fato da minha vida. Quando eu tinha 12 anos, no lançamento traduziram o filme “Alien, o 8º Passageiro” como “Aline” e eu sofri bullying na escola até não poder mais! Diziam que eu era o monstro… (risos) Assistir ao filme teve um impacto muito grande na minha vida porque mostrava uma mulher heroína. A Sigourney Weaver que matava o monstro no final. Pensei: “é uma mulher e ela pode tudo!”. Realmente penso que quando a gente vê algo, começa a acreditar na possibilidade mais tangível daquilo, mesmo que seja um filme, e tive um insight: “eu posso mais, eu posso tudo na minha vida, eu posso ser o que eu quiser!”. Acho que a gente deve usar os bilhões da Unilever (7,5 bi de euros) para fazer algo aspiracional capaz de expandir o universo de possibilidades das pessoas. Quando contei essa história em Cannes fui procurada pelo agente do Ridley Scott, o diretor do filme, e agora vou conhecê-lo!

A campanha #unstereotype já chegou ao Brasil?
Ainda não fiz um lançamento para a imprensa daqui, mas tem coisas superbacanas que todos podem usar. A campanha #unstereotype é para inspirar as nossas 400 marcas e outras pessoas também! É uma diretriz da Unilever com a nossa proposta de reduzir a zero o número de campanhas que ainda tenham estereótipos. Isso não vai acontecer da noite para o dia. Essas coisas são difíceis.

Ao mesmo tempo que se quer tirar o estereótipo da mulher, não queremos criar um para o homem. Não basta trocar um pelo outro

Um exemplo do que estou falando é o último filme de Axe: “Find your Magic”. É o que melhor representa o que queremos fazer. Axe sempre foi a marca que o homem usava para ficar irresistível e atrair todas as mulheres. Era o estereótipo da masculinidade e da mulher frívola. Acabamos com isso! O novo posicionamento de Axe é muito mais bacana. A campanha, feita pela agência holandesa 72andSunny, fala de formas do homem de verdade achar a sua masculinidade e quebra paradigmas. Obviamente o target da marca são homens, mas quem mais amou foram as mulheres! Elas invadiram as nossas mídias digitais para falar bem de Axe e ajudaram os homens a confiarem que Axe é a marca legal para eles.  

A campanha de Omo “Porque se sujar faz bem” traz uma ideia disrutpiva em relação às roupas das crianças. Mas a mulher ainda aparece no papel de mãe que lava as roupas da família. Quando uma campanha de Omo vai mostrar um homem no comando da máquina de lavar?
A campanha foi outra guerra interna, pois quebra o paradigma de que as roupas têm de estar sempre limpas. Quando começamos, a marca valia 350 milhões de euros, hoje vale quase 4 bilhões. Foi impressionante a transformação! Dito isto, quero lembrar que Omo está em mais de 60 países (com outros nomes) e já temos vários filmes do cara lavando a roupa, mas a gente não acha que essa seja a solução. Não queremos tirar um estereótipo e colocar outro no lugar: “é tão fácil que agora o homem é que tem de fazer isso”. O que se verá de mudança nas campanhas de Omo, e das outras marcas de limpeza, é que elas estarão mais focadas no benefício que elas podem trazer, independente de você ser homem ou mulher. Vamos focar mais em contar a história dos atributos e diferenciais que esses produtos têm, em vez de focar em quem está fazendo a limpeza.

Quem faz a limpeza é uma escolha de cada casa! Não tem nada errado nisso. Errado é a mulher só ser retratada assim e não ter uma vida

A realidade é que, na maior parte das casas, a mulher faz a limpeza e tem uma vida. E, em cada vez mais casas, o homem também está fazendo a limpeza, o que é muito legal também! Já existem filmes de Omo com o homem fazendo a limpeza, mas a mudança não é por aí.

O que já mudou, dentro das empresas, em relação aos principais “desafios da liderança feminina”? O que falta mudar?
Há coisas a serem feitas de A a Z. Se eu fosse escolher a mais importante, seria lutar pela igualdade de gêneros começando do topo. Não dá para começar por baixo. Segundo o Fórum Econômico Mundial, vai demorar 110 anos se deixarmos as coisas acontecerem organicamente. Não quero esperar, quero acelerar isso.

Não se pode mais ter um board monolítico: todo mundo se vestindo, pensando e liderando igual

Então, a primeira coisa é ter um CEO que entenda a necessidade de ter um board mais equilibrado, de ter diversidade de pensamento, de ter no mínimo 30% de massa crítica de mulheres, senão as coisas não vão mudar. Esse é o número, definido por vários estudos, para que as mulheres se sintam apoiadas ao estarem lá, para que haja um ambiente em que elas realmente sejam mulheres e não mulheres-vestidas-de-homem. Assim, muda-se a dinâmica do board e isso começa a descer para os demais níveis hierárquicos da empresa. Um board que pensa, age e valoriza características diferentes mostra para os níveis mais baixos que eles também podem agir dessa forma e surge um ambiente para que outras mulheres assumam posições abaixo.

Onde você quer estar daqui a 10 anos?
Com os CEOs de 15 anos é desesperador, né? (risos) O que é muito legal da Foundry é que eu trabalho com jovens de 19 anos, gente que ainda não se formou na faculdade, gente que decidiu não fazer faculdade… Quando me sento com eles e vejo as ideias que surgem, me sinto jovem, volto 20 anos atrás. Esse trabalho está me rejuvenescendo a mente, graças a Deus. O corpo não (risos)!

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