Em maio de 2011, Cris Correa era editora executiva da revista Exame, na Editora Abril. Cuidava de negócios e gestão na mais influente revista do Brasil voltada ao público executivo. Num almoço com um amigo, ele lhe perguntou como iam as coisas. E Cris teve uma crise de pânico. Ela estava infeliz com o trabalho. E ali, naquele momento, isso ficou evidente. O que ela estava negando lhe apareceu pela frente com uma clareza que lhe cegou – e que, ao mesmo tempo, lhe permitiu ver tudo.
“Eu estava exausta. Trabalhava em redação já havia mais de dez anos. Adoro John Pizzarelli e tinha acabado de desistir de ir a um show dele em São Paulo por estafa, por sensaboria”, diz Cris. Na volta daquele almoço, Cris pediu demissão. Que, claro, foi prontamente negada. Ao invés disso, ganhou uma licença de dois meses para pensar na vida.
Cris, que acaba de completar 44 anos, se formou em Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo, em 1991. Trabalhou seis anos em assessoria em imprensa – chegou a montar a sua própria empresa nessa área. Aí, em 1998, tirou um sabático e foi para Londres. Na volta, trabalhou na IstoÉ, da Editora Três. Mas no réveillon do milênio já estava a bordo da Exame. (Eu lembro porque também estava lá. Fomos colegas durante alguns meses.)
A licença não aliviou suas angústias profissionais. “É um limbo desgraçado, em que você fica sem rotina, numa contagem regressiva para resolver o seu problema. Que nem sempre pode ser resolvido dessa forma e nesse tempo”, diz.
Na volta à Exame, Cris disse a um colega que tinha vontade de escrever sobre Jorge Paulo Lemann. “A ideia era de 2007 e tinha surgido numa conversa com Marcel [Telles, sócio de Jorge Paulo, junto com Beto Sicupira, na empresa de investimentos 3G Capital]. Eu já tinha feito muita matéria sobre eles desde a época do GP Investimentos”, diz Cris. “Jorge Paulo já havia mandado dizer que não falaria. Mas me recebeu para um café. E confirmou que não falaria – embora não se opusesse a que eu escrevesse o livro”.
Cris chegou a aprender tênis para se aproximar de Jorge Paulo – tênis é uma das grandes paixões dele. “Depois de quatro anos de insistência, período em que me aproximei também de Beto, reclamei com Jorge Paulo do tempo que estava levando para convencê-lo a falar comigo para o livro. Aí ele sorriu e me disse que havia levado 20 anos para comprar a Anheuser-Busch [cervejaria americana, a terceira maior do mundo, adquirida pela InBev, empresa controlada por José Paulo, em 2008]…”, diz.
Em setembro de 2011, ainda tentando restabelecer suas rotinas na Exame, ficou claro para Cris que seu coração não estava mais ali. E ela negociou sua saída em definitivo da revista para janeiro de 2012. Em paralelo, acertou com a editora Sextante, cujo dono, Marcos Pereira da Veiga, ela conhecia. Ele era sócio de Helio Sussekind na Primeira Pessoa, um selo da Sextante dedicado a biografias e livros de negócio. Helio também conhecia Cris de sua época de assessoria de imprensa.
Um ano depois, em janeiro de 2013, Cris entregava os originais de “Sonho Grande – Como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira revolucionaram o capitalismo brasileiro e conquistaram o mundo”, que seria lançado em abril. O contrato era para escrever o livro em 18 meses – Cris usou só dois terços desse tempo.
E como foi a vida nesse ano sem salário? “Eu tinha um adiantamento da editora equivalente a dois meses do salário que eu ganhava. Eu sei gastar quando tenho dinheiro. E sei viver comedidamente quando a grana é curta”, diz ela. “E eu tinha uma poupança equivalente a 36 meses de salário. Sabia que o mercado editorial paga trimestralmente, e às vezes semestralmente”. Cris estava preparada para o salto.
“Sonho Grande” chegou ao mercado com 15 mil exemplares – a tiragem média no mercado brasileiro é de 3 mil livros. A editora estava apostando no lançamento – a primeira biografia de negócios de Jorge Paulo Lemann. “A meta era vender 50 mil livros. Em seis meses, vendemos 100 mil. Em agosto de 2014, o livro bateu em 200 mil exemplares vendidos. E hoje está na casa dos 250 mil”, diz Cris. “Já tivemos cerca de 10 reimpressões e continuamos vendendo 1 200 exemplares por semana. O livro está há mais de 80 semanas na lista dos mais vendidos de não-ficção da Veja”.
Segundo Cris, “Sonho Grande” está vendendo muito bem em inglês – aqui no Brasil. Lá fora, o livro só existe, por enquanto, em versão e-book. Em 2015, ele será lançado em chinês.
Estrear com um livro de negócios na lista dos mais vendidos abriu para Cris as portas do mercado de palestras. “Dois dias depois do lançamento, fui chamada para falar. Montei uma apresentação e a testei com o Salibi [José Salibi Neto], da HSM Educação”, diz ela. “Cheguei a ligar para faculdades e oferecer a palestra de graça. Para aprender. E para divulgar o livro, para tê-lo adotado como bibliografia”.
Cris já falou em mais de 20 faculdades – da Anhanguera ao ITA. E chegou a vender 100 exemplares do seu livro em uma única apresentação, para 200 pessoas, em Belo Horizonte. “O Laurentino [Gomes, autor dos best-sellers 1808 e 1822 e, como Cris, ex-jornalista da Abril], com quem eu fui me aconselhar, me disse – ‘lança o livro e põe o pé na estrada’”, diz ela.
Cris também fez muita ronda em livrarias para ver se “Sonho Grande” estava bem exposto. “Uma vendedora da livraria La Selva, em Congonhas, já me conhecia e a gente comentava sobre as vendas do livro toda vez que eu entrava na loja para conferir a exposição”, diz ela. “Livro não é diferente de uma margarina na prateleira do supermercado”.
Ao todo, Cris já deu mais de 60 palestras – 80% dos convites chegam pelo seu site, os outros 20% chegam pela Palestrarte, que a agencia. E hoje Cris cobra pelas apresentações. “Eu sempre adapto a palestra às demandas do contratante. Em média, dou duas palestras por mês. Mas no primeiro semestre desse ano, cheguei a dar cinco palestras em vários meses”, diz ela.
O sonho grande de qualquer candidato a escritor é emplacar um best-seller. E Cris acertou o pote de ouro em sua primeira tacada. O desafio dela agora, como autora estreante bem-sucedida, é se manter no topo – e emplacar o segundo livro, que já tem tema: Abílio Diniz e sua história à frente do Grupo Pão Açúcar. O próximo livro de Cris também já tem data para chegar às livrarias: abril de 2015.
“O caminho para mim é escrever. Até porque o cargo que eu ocupava quando era empregada não existe mais. Eu achei o meu caminho, que é fazer o que eu acho que faço bem. Não sei o que virá. Mas sei que darei conta. Aprendi isso. Já não tenho esse tipo de ansiedade”
“Defini esse projeto em setembro de 2013. Abílio resolvia sua questão com os franceses do Casino e eu lhe enviei um e-mail, que ele respondeu. Combinamos que ele me daria as entrevistas, mas que não teria controle sobre o produto final – essa negociação tomou quatro reuniões com ele”, diz Cris. “Quis fazer uma biografia do homem de negócios, capturar o estilo Abílio, encontrar as fundações da sua resiliência – ele já apanhou muito na vida. O conteúdo já está todo apurado. Agora estou escrevendo. Preciso entregar os originais em janeiro.”
Cris sabe que precisa lançar um livro bem-sucedido a cada dois anos, a partir de agora, para seguir sendo uma escritora profissional. Até aqui, à beira de fechar três anos dedicada a essa nova carreira, ela afirma que, na média, tem conseguido ganhar o equivalente ao que ganhava como editora executiva da Exame. “Uso o carro automático mais barato que tem, consegui preservar minha poupança e me dedico hoje a escrever 5 mil caracteres por dia”, diz ela, que já recebeu de Jorge Gerdau o conselho (talvez o pedido) de não escrever livros com mais de 250 páginas. (“Sonho Grande” tem 264. Cris não quer que o livro sobre Abílio tenha mais de 300.)
A ousadia de Cris, que lhe permitiu esse salto para a carreira literária, já podia ser vista em sua atuação como jornalista. Certa vez, pagou do próprio bolso os custos de uma viagem para entrevistar Jim Collins, consultor americano, guru dos negócios, autor de best-sellers como “Empresas Feitas para Vencer”, de 2001. O investimento acabou se pagando – Jim assina o prefácio de “Sonho Grande”.
Cris recebeu dois conselhos de Jim Collins, de escritor para escritor. O primeiro: tenha uma estrutura na cabeça, mas escreva livremente, mesmo que fora da ordem estabelecida para o livro, acompanhando o desejo e o humor do dia. Depois você costura a obra. O segundo conselho: ame cada livro como se fosse o único, sem compará-lo com o anterior, como a um filho – que nem Cris nem Jim têm ou pretendem ter.
Na contracapa de “Sonho Grande”, outro fruto do empreendedorismo de Cris – uma recomendação do livro escrita por Warren Buffett, o terceiro homem mais rico do mundo. “Consegui o e-mail da secretária dele e enviei uma mensagem. Ele me respondeu o e-mail no mesmo dia. Um dos maiores homens de negócio da história – e aqui no Brasil a gente não consegue acessar um gerente médio, que dá uma canseira no interlocutor, porque se recusa a responder e-mails”, diz Cris. Em maio deste ano ela esteve em Omaha, no Nebraska, sede da empresa de Warren, a Berkshire Hathaway, e a convite dele vendeu 300 exemplares de “Sonho Grande” aos executivos da companhia, numa convenção.
“O caminho para mim é escrever. Até porque o cargo que eu ocupava quando era empregada não existe mais. A cada novo livro o autor está zerado, tem que começar tudo de novo. Mas eu achei o meu caminho. Que é fazer o que eu acho que faço bem. Não sei o que virá. Mas sei que darei conta. Aprendi isso. Já não tenho esse tipo de ansiedade”, diz Cris, inspirando um monte de gente, antes mesmo de colocar um ponto final em seu novo manuscrito.
Leia um trecho de "A República dos Editores - As histórias de uma década vertiginosa na Editora Abril", livro de Adriano Silva, Publisher do Projeto Draft, que revela os bastidores de publicações como Superinteressante, Exame e Capricho.