Por mais que uma empresa planeje suas vendas, é quase inevitável ter sobras nas vitrines das padarias e cafeterias ou produtos próximos ao vencimento nas gôndolas dos supermercados.
O mais comum, nesses casos, é simplesmente jogar o alimento no lixo. Em um país onde 33 milhões de pessoas passam fome, segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, é mais do que triste pensar em descartar comida que ainda está boa para o consumo.
Foi pensando nesse cenário que Lucas Infante, Murilo Ambrogi, Guido Bruzadin e Fernando Henrique dos Reis criaram a Food to Save, um marketplace que conecta o consumidor a padarias, hortifrutis, restaurantes e cafeterias com excedente de produtos próximos à data de vencimento.
“Não faz sentido o discurso de que é melhor sobrar do que faltar, sendo que o que mais acontece é faltar um prato de comida na mesa do brasileiro. A grande provocação e o grande desafio da Food to Save não é só vender esse excedente, mas ajudar a mudar o mindset das empresas e do consumidor”, diz Lucas Infante, CEO da Food to Save.
As vendas são feitas por meio do aplicativo da Food to Save com descontos que chegam a 70%. Um ovo de Páscoa da Dengo Chocolates que custava R$ 120, por exemplo, foi vendido por R$ 30,99 na plataforma. Foram 7 mil ovos vendidos em cinco dias.
Os produtos são oferecidos em sacolas surpresas que podem ser doces ou salgadas. Em média, são disponibilizados de 3 a 5 produtos por sacola e é o próprio estabelecimento que monta e coloca as sacolas na plataforma.
A ideia da sacola surpresa foi inspirada na startup dinamarquesa To Good to Go e tem a intenção de garantir às empresas mais flexibilidade para lidar com a imprevisibilidade de não saber exatamente o que terá disponível naquele dia, além de chamar a atenção para o tema do desperdício. “O conceito surpresa é para realmente convocar as pessoas a se permitirem a experiência de salvar esse alimento”, diz Lucas.
O modelo de negócios prevê que o estabelecimento fique com uma porcentagem sobre cada sacola vendida e o restante fica com a Food to Save, que se responsabiliza por todo o processo de venda, delivery e pós-venda. Aqui, a preocupação é deixar claro para o consumidor que são produtos perfeitos para o consumo, porém próximos ao vencimento.
“A expectativa do consumidor tem que ser gerada em cima disso. Por isso toda a experiência e todo o contato com a Food to Save deixa claro que a proposta, o modelo de negócios é combater o desperdício”, explica Lucas
QUAL É A MELHOR IMAGEM PARA UMA MARCA?
Há um ano em operação, a startup já tem 700 estabelecimentos cadastrados, incluindo players como Dengo Chocolates, Grupo Rei do Mate e Manai Gastronomia, rede com mais de 10 restaurantes na Grande São Paulo.
Uma das principais preocupações das marcas é como vai ficar sua imagem no mercado ao vender produtos próximo ao vencimento. Mostrar a elas que é possível fazer isso com respeito e empatia ao consumidor e sem perder valor no mercado é o grande desafio da Food to Save.
“Ainda escutamos que é melhor jogar fora do que ter dor de cabeça. Nós sempre provocamos o empresário dizendo que a dor de cabeça deveria ser deitar no travesseiro depois de jogar fora comida boa.”
Apesar da resistência e do medo, Infante conta que os resultados palpáveis da Food to Save têm ajudado a mostrar que é possível fazer esse trabalho de uma forma séria, transparente e com ganhos para todos os lados: marcas, consumidores e meio ambiente.
“Chamamos nosso modelo de negócios de triple win, que é um ganha-ganha-ganha. O estabelecimento acaba tendo uma receita incremental ao vender aqueles produtos; o consumidor consegue acessar algo de qualidade com desconto; e evitamos o descarte incorreto de alimentos, o que impacta na redução da emissão de gases de efeito estufa”, conta ele. “Hoje, 10% de todo o CO2 emitido é proveniente do desperdício de alimentos.”
Em um ano de operação, a Food to Save já evitou que 175 toneladas de alimentos fossem para o lixo, o que equivale a 125 mil sacolas, e gerou uma receita incremental de R$ 1,2 milhões para os estabelecimentos.
A maior parte dos 200 mil usuários cadastrados na plataforma faz parte da Classe C e chega até a Food to Save pelo preço. Ainda assim, a startup colabora com as metas e estratégias ESG das empresas ao ajudar a reduzir o lixo e, na visão de Lucas, permitir mais acesso a alimentos.
“O ESG vem embutido na sacola, mas vem depois do preço. Esse público é atraído por um desconto de quase 70% e também pela experiência de provar um produto que, talvez, nunca tivesse acesso. Ou seja, ajudamos a reduzir de uma maneira bem significativa o nível de desigualdade social de acesso aos alimentos.”
Uma das preocupações da Food to Save, e também das marcas parceiras, é com a qualidade do que é colocado dentro das sacolas surpresa. Afinal, não é porque tem desconto que não precisa ser bom.
Segundo Lucas, essa garantia de qualidade começa com o treinamento oferecido a todos os estabelecimentos que entram na plataforma. Além de respeitar a legislação e as normas da Vigilância Sanitária, é preciso se engajar na causa do combate ao desperdício.
“A palavra que simplifica tudo é empatia. Hoje, a primeira orientação para o estabelecimento montar a sacola é: você consumiria esses produtos? Porque, independentemente se pagou barato ou não, a pessoa quer consumir um alimento de qualidade”, explica o CEO.
Pesquisas de satisfação com os clientes e a metodologia do cliente oculto – quando uma pessoa consome o serviço como um cliente comum, porém para avaliá-lo – também são usadas para mensurar se o que está sendo oferecido está em condições de consumo.
Investimento de olho nas grandes redes
Em maio deste ano, a Food to Save concluiu uma rodada de investimento com a CapTable e levantou R$ 1,3 milhão. O recurso vai ser usado para impulsionar o crescimento da startup, consolidar a participação no Rio de Janeiro e em São Paulo, ampliar o time de tecnologia e melhorar a experiência do usuário e a visibilidade do negócio.
A ideia também é expandir e, inclusive, levar para dentro da plataforma as maiores redes de supermercados e cafeterias das duas capitais, como Carrefour e Starbucks. O desafio é grande porque essas negociações são mais complexas. Mas, na visão de Lucas, é absolutamente possível que isso aconteça.
“A proposta da Food to Save não é ser só um discurso bonito e uma experiência legal, mas sim revolucionar o cenário do desperdício e provocar a sociedade brasileira a olhar para o consumo de alimentos de uma forma mais humana.”
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