Em dezembro de 2019, um dos maiores hubs de startups de turismo do mundo chegou ao Brasil. Presente em 150 países e parceiro da Organização Mundial de Turismo (OMT), o Wakalua vem para fomentar no país um setor que não para de crescer: o das traveltechs.
Segundo estimativa do Salecycle, o mercado que combina tecnologia e turismo deve faturar 818 bilhões de dólares em 2020. Só o ecossistema do Wakalua engloba 3 mil startups. Na visão de Monica Samia, CEO da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa):
“Há muitas startups surgindo para alavancar o setor de um modo geral, com soluções para dinamizar o mercado. Falar em venda de commodity hoje é fácil, [o necessário] é ter inteligência por trás para vender as viagens”
Da gigante Airbnb, com valor de mercado estimado em 29 bilhões de dólares, à plataforma de compartilhamento de caronas BlaBlaCar (criada na França em 2006, presente no Brasil desde 2015 e estimada hoje em 1,6 bilhão de dólares), as traveltechs estão modificando um dos maiores setores da economia mundial.
Em 2018 o turismo gerou diretamente 1,7 trilhões de dólares, segundo a OMT. Em relatório divulgado no ano passado, o secretário-geral Zurab Pololikashvili atribuiu o crescimento de 5% (pelo nono ano consecutivo) a “avanços tecnológicos, novos modelos de negócios e custos de viagem mais acessíveis”.
Hoje, o turismo já cresce mais rápido do que a venda de mercadorias. A lógica por trás das traveltechs é dar ao usuário as ferramentas necessárias para que ele viaje mais — seja enxugando os custos, seja personalizando a viagem ao máximo ou facilitando o acesso a luxos antes (ainda mais) restritos.
A TECNOLOGIA PODE SER O EMPURRÃO NECESSÁRIO PARA O SETOR CRESCER NO BRASIL
No Brasil, o potencial do mercado é grande. O turismo representa 8,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega 7 milhões de pessoas, segundo o Ministério do Turismo.
Mesmo assim, o setor ainda é subestimado. “De fora para dentro, nosso turismo é irrisório. Recebemos menos gente que o Louvre”, diz Daniel Cabrera, 28, fundador da Vivalá, startup brasileira de volunturismo.
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Um dos motivos é a carência de modernização. Há uma demanda urgente por unir, de um lado, as novas tecnologias, e de outro o enorme contingente de agências de viagem — hoje são cerca de 20 mil no país. Nas palavras de Monica, da Braztoa:
“Vivemos hoje com uma grande defasagem, trabalhamos de um jeito muito manual. Há muito sendo desenvolvido, mas não chega a nós, precisamos conectar as duas pontas”
Não quer dizer que não haja inovação por aqui. Fundada em 2017, a mineira Buser, de fretamento coletivo de ônibus, é um exemplo de como a tecnologia pode ser usada para incentivar as pessoas a viajar mais (em seu site, a empresa afirma proporcionar “até 60% de economia” a cada trajeto).
VIAGENS COM DESTINO-SURPRESA E COMPANHIAS PINÇADAS POR ALGORITMO
Segundo uma pesquisa da Adobe, 90% dos viajantes do planeta consideram que o modelo tradicional de viagem é insuficiente. Quanto mais “nichada” e única for a experiência, melhor.
“Experiência” é palavra-chave. Fundada em 2017, a paulistana Instaviagem leva tão a sério o conceito que vive de organizar viagens “personalizadas” a destinos surpresa (ou quase).
Munida de informações como a cidade de origem e o tempo que o turista está disposto a gastar em deslocamentos, a agência online monta o roteiro — revelado apenas dois dias antes do embarque.
Doideira? A Domo Invest discorda e fez um aporte de 2 milhões de reais na startup em 2019.
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Outra plataforma disposta a fisgar viajantes ousados é a Pinguim. Lançado no fim de 2019, o aplicativo da empresa faz um match entre viajantes solitários em busca de companhia (sim, tipo um “Tinder do turismo”…).
A fundadora, Renata Franco, 44 anos, atua há 25 no setor. Vem, portanto, acompanhando de perto suas transformações:
“Cada vez mais as pessoas querem compartilhar, seja um transfer, um quarto de hotel, um passeio ou até mesmo um momento. Então vi que existia uma abertura enorme para unir pessoas que estão sozinhas, mas querem viajar”
A Pinguim fechou 2019 com cerca de 10 mil usuários ativos. O usuário cria um perfil, escolhe o destino e a inteligência artificial o conecta a potenciais companheiros de viagem (levando em conta, por exemplo, gênero, idade e interesses específicos).
Não sabe para onde quer viajar? Sem problemas: a plataforma sugere roteiros que tenham a ver com o seu perfil.
EXPERIÊNCIAS INUSITADAS OU EXCLUSIVAS SÃO CADA VEZ MAIS O FOCO
No filão “experiências inusitadas”, outro destaque do mercado brasileiro de traveltechs é a Worldpackers.
Aqui também rola “matchmaking”: o algoritmo desenvolvido pelo trio de sócios brasileiros conecta anfitriões e viajantes dispostos a trocar horas de trabalho por hospedagem (num hostel mesmo ou numa fazenda, por exemplo).
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Presente em 150 países, a startup fundada em 2014 faturou 4 milhões de reais em 2019. Hoje são 2 milhões de usuários (a assinatura anual custa 50 dólares) e 7 milhões de anfitriões, que passam por uma checagem da equipe da Worldpackers.
A labuta para pagar pelo teto e a cama onde se dorme em viagem varia caso a caso. Os trabalhos vão desde dar aulas de idioma a colaborar com a manutenção do local. Segundo Ricardo Luis Pereira de Lima, o Riq, de 32 anos e um dos sócios-fundadores:
“É preciso fazer uma desconstrução mental na sociedade, de [que é possível] realizar o sonho de viajar de um jeito que isso não seja um produto, mas um processo”
Embora envolva trabalho voluntário, a Worldpackers não se define como uma startup de volunturismo, em que o viajante embarca com o propósito específico de fazer voluntariado.
Riq, aliás, engrossa o coro dos críticos a esse tipo de turismo. Uma das queixas se refere à falta de continuidade dos projetos, que acabariam “deixando as coisas pior do que estavam antes”.
NA VIVALÁ, VOLUNTURISTAS AJUDAM A TIRAR MICRONEGÓCIOS DO PAPEL
Ser ou não ser volunturista? Ciente das críticas, e decidido a desmistificar o conceito, Daniel Cabrera criou a Vivalá em 2015.
O objetivo era não só levar os turistas para fazerem voluntariado — mas capacitar essas pessoas para construir um turismo de base comunitária.
Antes do embarque, a Vivalá treina os volunturistas (presencialmente e online) para que entendam o contexto da comunidade que estão prestes a visitar e ajudem os moradores a tirar seus próprios negócios do papel, fazendo girar a economia local.
Durante a viagem, turista-voluntário e morador elaboram juntos um plano com até cinco ações fundamentais para o negócio; a próxima leva de viajantes cuida de acompanhar o andamento.
“Construímos um modelo que segue a máxima de ‘ensinar a pescar’ e foge do assistencialismo, com um impacto maior a longo prazo”, diz Daniel. “Nenhuma mudança profunda acontece em pouco tempo.”
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Volunturistas da Vivalá já atuaram em cinco comunidades de quatro estados (Amazonas, Pará, Maranhão e Goiás), contribuindo para a criação de 150 micronegócios e injetando mais de meio milhão de reais nas economias locais.
No caso da startup, a tecnologia não está no core, mas é o que possibilita a escala:
“A tecnologia permite o acesso a pessoas do Brasil inteiro e o contato contínuo com o outro lado. Se trabalhássemos em outra época, não conseguiríamos ter o alcance que temos hoje”
A empresa faturou 750 mil reais e cresceu 30% em 2019. Em geral, cada viagem dura cinco dias; entre 25% e 30% do valor pago à Vivalá vai para a comunidade. Para 2020, há 23 expedições agendadas, que devem engajar 700 viajantes.
Existe também o plano trazer mais volunturistas estrangeiros. Em dezembro de 2019, um projeto com a Universidade de Chicago levou estudantes da Harris School of Public Policy para ajudar na construção de lixeiras de coleta seletiva e barracas de quermesse na comunidade do Lago do Acajatuba — o trajeto de barco saindo de Manaus leva cerca de 2 horas.
“O turismo acontece desde que o mundo é mundo, viajar está no DNA do ser humano”, diz Daniel. “Mas é bacana que agora a gente possa alugar um quarto e eventualmente jantar com o anfitrião, ou ir até uma comunidade ribeirinha.”
Até os 6 anos, Sioduhi se comunicava apenas em tukano, língua falada por seu povo, os piratapuya. Hoje, o estilista se baseia nas tradições indígenas para produzir roupas com fibras da Amazônia e um corante têxtil à base da casca da mandioca.
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Anna Laura Wolff visitou dezenas de países como jornalista de turismo e blogueira de viagens. Ela fala sobre os prazeres e perrengues dessa vida, e seu mais novo projeto: a Holmy, uma plataforma de curadoria de aluguel por temporada.