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Verbete Draft: o que é Vegan Washing

Isabela Mena - 11 mar 2020 Uma das formas de combater o Vegan Washing é privilegiar os pequenos produtores ou fabricar os próprios produtos (foto: happyheartyherbivore/Reprodução).
Uma das formas de combater o Vegan Washing é privilegiar os pequenos produtores (foto: happyheartyherbivore/Reprodução).
Isabela Mena - 11 mar 2020
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

VEGAN WASHING

O que acham que é: Linha de produtos de limpeza veganos.

O que realmente é: Vegan Washing é a utilização do movimento vegano e de suas demandas, principalmente as de consumo, sem compromisso com os reais valores do veganismo — os objetivos são escusos ou pouco nobres. É praticado majoritariamente por empresas em busca de melhora da imagem pública, acobertamento de práticas condenáveis em relação aos animais e obtenção de lucro.

Segundo Natasha Mauerberg, advogada animalista, o Vegan Washing pode ser entendido como um fenômeno econômico que cria uma falsa impressão de preocupação com animais não humanos e também com o meio ambiente. “De um modo estratégico, essas empresas criam um selo, ‘certificando’ que determinado produto é vegano embora tenham histórico e prática contínua de exploração”, diz.

O termo Vegan Washing é mais um entre vários neologismos formados a partir da palavra “washing” para apontar práticas incorretas advindas de apropriação de movimentos sociais. O sentido, nesse contexto, pode ser traduzido como “maquiar”, dando a ideia de algo encoberto, disfarçado.

Aqui no Draft já falamos de greenwashing (área de sustentabilidade e ecologia), sharewashing (negócios da economia compartilhada) e artwashing (universo das galerias de arte e museus), mas há ainda whitewashing (racismo), pinkwashing (relacionado à população LGBT), redwashing (relacionado à população indígena).

Na literalidade: Veganismo, nem todo mundo sabe, não é sinônimo de dieta vegana (sem carnes e alimentos derivados de animais).

O termo, criado em 1944, define um estilo de vida que exclui quaisquer produtos de origem animal, tanto por meio da alimentação vegana — também conhecida como vegetariana estrita—, como ainda do vestuário (sem materiais como couro, lã, pérolas etc.) e do uso de cosméticos e outros produtos (como de limpeza da casa, por exemplo), feitos com ingredientes de origem animal ou testados em animais. Veganos também não frequentam circos, touradas, zoológicos, e outros eventos do tipo.

O princípio base do veganismo é combater (ou, ao menos, não contribuir com) a exploração e o sofrimento de animais não humanos e pôr fim ao especismo (crença ou ideia de que a espécie humana é moralmente superior às demais espécies podendo, por isso, dispor de sua existência). Mas para parte de seus adeptos engloba também as causas do aquecimento global e da defesa de direitos humanos. Neste caso, o entendimento é de que o veganismo é uma pauta política. Havendo a necessidade de classificação, este seria veganismo político.

A ele, há um contraponto, ao menos no que diz respeito ao Vegan Washing: o veganismo estratégico, também chamado de veganismo estratégico liberal ou veganismo de mercado. Falamos do modelo mais abaixo, no item “Na outra ponta”.

Na prática: É cada vez mais comum que grandes companhias cujo core business é a venda de produtos de origem animal criem um produto ou até mesmo toda uma linha vegana. Geralmente, há um forte trabalho de marketing reforçando o que seria uma postura “socialmente responsável” ainda que — e isso obviamente não é dito — a grande maioria de sua produção seja testada em animais ou os use como matéria prima.

Alguns exemplos em que ativistas veganos apontam Vegan Washing são a Unilever, por meio da linha de cosméticos Love Beauty and Planet e da da Hellmann’s, que lançou uma maionese vegana. E também JBS, que lançou uma produtos 100% vegetais da marca Seara.

Vegana militante e dona perfil @virandovegana, Bruna Matos diz que as empresas que usam o veganismo como fachada não têm compromisso em rever seu modelo de produção e de participação na exploração animal.

“A intenção é aumentar os lucros tendo em vista que o interesse pela alimentação vegana está crescendo e que existe demanda de produtos”, afirma. “Além disso, o produto fruto do Vegan Washing geralmente acaba sendo mais caro do que as versões tradicionais, pelo selo de vegano.”

Outro selo ligado ao veganismo, o “cruelty free” (indicação de que o produto não é testado em animais), também pode sofrer Vegan Washing. Um caso clássico é o de empresas de chocolates que utilizam cacau colhido por crianças, e em situação análoga à escravidão, em países africanos como Gana e Costa do Marfim. Não há crueldade com animais, mas há trabalho infantil e escravo. Matéria ano passado do Washington Post (link no item “Para saber mais”) cita as marcas  Mars, Nestlé e Hersheys. A BBC inglesa tem mais de um documentário sobre o tema.

Já uma marca israelense de cosméticos, a Ahava, é acusada de fazer Vegan Washing porque, a despeito do selo “cruelty free”, tem uma fábrica em território palestino e retira de lá parte dos minerais do Mar Morto que vão na composição de seus cremes. E o faz sem dar contrapartida financeira aos palestinos. Há alguns anos, houve um movimento grande de boicote à marca.

Na outra ponta: O veganismo estratégico é um movimento que prioriza a relação entre a oferta de produtos veganos no mercado e a diminuição do consumo de carne e da exploração animal em detrimento dos males apontados pelo Vegan Washing.

De acordo com Mauerberg, o veganismo estratégico propaga a ideia de que, estimulando a demanda por produtos, mais pessoas se tornarão veganas. “Isso não acontece. E mais: quando uma pessoa se torna vegana pensando nos produtos que irão lhe satisfazer, ocasionalmente, ao se deparar com sua falta, seu veganismo irá para o limbo já que sua razão de ser vegana é a disponibilidade do mercado”, fala.

Na mesma linha, Matos diz que o problema do veganismo estratégico é fazer com que as pessoas pensem que precisam de produtos para se tornarem veganas ou reduzir o veganismo a uma dieta. “A mercantilização de carne e de produtos de origem animal é uma questão cultural, fruto do capitalismo e não podemos acreditar que esse mesmo capitalismo que lucra com a exploração animal é que vai salvá-los.”

Em partes: A questão do Vegan Washing é claramente complexa e para alguns de seus críticos pode haver benefícios no veganismo estratégico, como a possibilidade de encontrar produtos veganos na prateleira do supermercado. A simplificação para a dieta vegetariana estrita, neste caso, seria um primeiro passo para a consciência de um veganismo mais político.

Segundo Matos, grande parte dos veganos não decide deixar de consumir produtos de origem animal da noite para o dia. “O consumo de carne e derivados está enraizado na nossa cultura e uma mudança que envolve hábitos de longa data nem sempre é fácil”, diz. “Mas acredito que a transformação venha mesmo da compreensão de que a exploração animal não está separada da exploração humana e ambiental”, afirma.

Em suas mãos: É o consumidor que tem o poder de combater o Vegan Washing. A melhor forma, segundo Mauerberg, é o boicote. “Empresas com essa prática querem abraçar todas as fatias de mercado e os consumidores são seus maiores patrocinadores”, diz.

Para Matos, cabe ao consumidor favorecer pequenos produtores e empresas que realmente estejam comprometidas com a causa animal e humana. “Precisamos também fomentar a informação e o debate para construirmos uma consciência coletiva de combate aos grandes interesses do capital.”

Em Israel: O país é considerado o mais vegan-friendly do mundo, assim como Tel Aviv, sua segunda maior cidade, é conhecida “capital vegana do mundo”.

De acordo com o jornal inglês The Guardian (link no item “Para saber mais”), os veganos  israelenses se autodeclaram 5% da população do país (em 2018), porcentagem maior do que em qualquer outro lugar do mundo. Soldados veganos têm garantidos pelo governo alimentação vegetariana estrita e direito a botas de couro sintético e vestimenta de lã também sintética.

Mas o mesmo governo é acusado por ativistas veganos de praticar fortemente Vegan Washing para, por meio do discurso do veganismo e de defesa dos animais, encobrir crimes contra o povo palestino, dentre os quais violações de direitos humanos.

Segundo a ativista vegana Sandra Guimarães, que promove tours político-veganos em Paris e nos territórios ocupados na Palestina, há esforço genuíno de muitos militantes veganos no crescimento do movimento. “O problema é quando o governo começa a cooptar o veganismo para fazer com que o mundo associe Israel a causas progressistas e esqueça o que está acontecendo do outro lado da linha verde, na Palestina”. Sua fala está no vídeo “Como cooptaram o veganismo?” (Link no item “Para saber mais”).

Para Mauerberg, é uma falácia acreditar que Israel se preocupa com os animais. “Para esconder toda atrocidade cometida contra o povo palestino, Israel cria uma imagem de ‘bom moço’ por meio do Vegan Washing”, diz.

Para saber mais:
1) Assista, no canal Tese Onze, no YouTube, ao vídeo Como cooptaram o veganismo? com Sandra Guimarães.
2) Leia, no The Guardian, ‘There is no kosher meat’: the Israelis full of zeal for going vegan.
3) Leia, no Washington Post, Cocoa’s child laborers – Washington Post.
4) Leia, no site do Peta, Here’s Why Israel Is the Vegan Capital of the World.
5) Leia, na BBC, Veganism: Why are vegan diets on the rise?

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