Quase sem divisórias, o ambiente de 300 m² e decoração em estilo industrial tem frases motivacionais em inglês estampadas em algumas paredes. Por exemplo: “Nothing is a mistake. There’s no win and no fail. There’s only make”.
Poderia ser um coworking moderninho ou o escritório de uma startup, mas é a sede do Açolab, projeto de inovação aberta da ArcelorMittal, multinacional líder de mercado no setor de aço e mineração. Localizado em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, o espaço foi inaugurado em julho de 2018.
Quem está à frente da iniciativa é Paula Harraca, diretora de Pessoas, Comunicação, Investimento Social e Inovação. Na ArcellorMittal há 17 anos, ela começou sua trajetória na empresa trabalhando na Argentina, onde nasceu.
Formada em administração, Paula passou ainda por Canadá, Trinidad e Tobago, Espanha e Luxemburgo antes de vir para o Brasil.
UMA VISITA AO VALE DO SILÍCIO FOI O GATILHO PARA A CRIAÇÃO DO AÇOLAB
Paula conta que uma visita ao Vale do Silício foi fundamental para impulsionar a ideia. Uma comitiva de executivos esteve lá conhecendo de perto gigantes como Amazon e Microsoft.
“Para conseguir dar um salto não só nas soluções, mas na forma de trabalhar e de inovar, é preciso dedicar tempo, espaço e dinheiro e sinalizar para a organização a importância disso. Decidimos criar não só um time e uma estratégia, mas um espaço para materializar essa visão e esse novo olhar”
A ideia começou a ser desenhada no fim de 2017, enquanto a empresa negociava a fusão com a Votorantim Siderurgia — o processo foi concluído em fevereiro de 2019, depois da aprovação pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
“Estávamos em um bom momento financeiro, éramos líderes de mercado no Brasil e não havia motivação para mudar”, diz Paula. “Mas sabíamos que para continuar sendo líderes tínhamos que ousar e fazer algo novo. E foi isso que nos motivou.”
A “TWO-PIZZA RULE”, DA AMAZON, INSPIRA A FORMAÇÃO DE EQUIPES PEQUENAS
Com capacidade para 80 pessoas, o Açolab é um hub de conexões para encontrar soluções inovadoras em processos, serviços e produtos para a cadeia do aço. Liderado por Paula, um time de oito funcionários é responsável por fazer os projetos acontecerem.
O hub trabalha com a metodologia “two-pizza rule”. Criada pela Amazon, a regrinha estabelece que cada equipe interna deve ser pequena o suficiente para que possa ser alimentada com no máximo duas pizzas.
“Existem diferentes abordagens em função da dor ou da iniciativa que vem para o Açolab. Elas são conduzidas por estes funcionários, que fazem a conexão com a área do negócio e criam um ‘two-pizza team’, para que as iniciativas sejam criadas e testadas rapidamente”
O Açolab tem várias formas de conexão como desafios, pitches, eventos, contato direto com a equipe e benchmarking. Todas estas frentes atuam com o intuito de ajudar a melhorar e modernizar a cadeia do aço. Até o momento, já foram mais de 1,3 mil conexões e, segundo Paula, alguns trabalhos estão em andamento.
UM DOS PROJETOS VISA REDUZIR PERDAS NA PRODUÇÃO DE CARVÃO
Um desses trabalhos é o desafio “Finos de Carvão Vegetal”, que busca soluções para reduzir as perdas que acontecem durante a produção do carvão usado pela empresa nos altos-fornos (fornalhas usadas para produzir ferro).
Na fase de carbonização da madeira são geradas partículas muito finas (os “Finos de Carvão)” que se perdem e não podem ser aproveitadas. Hoje, essa perda é de 30%.
A chamada foi lançada em setembro de 2018, recebendo 56 ideias inscrições. Oito foram selecionadas para a primeira fase, que incluiu mentorias e testes em laboratório. Agora, sete empresas vão participar dos testes em escala industrial, ou seja, dentro da ArcelorMittal. A previsão é que esta fase dure até o final de 2020.
Quando terminar, as soluções que de fato funcionarem serão patenteadas e aplicadas nos processo da empresa. Aprovadas, elas estarão disponíveis para aquisição no mercado, sendo a propriedade intelectual compartilhada entre as startups e a ArcelorMittal.
“Tem outros colegas com expectativa de ver o que vai acontecer com os testes em escala industrial, porque isso vai gerar ganhos para toda a indústria, não apenas para a ArcelorMital”, diz Paula. Por questões estratégicas, a ArcelorMittal não divulga o nome das empresas que participam do desafio.
A diretora diz que já foram investidos quase 2 milhões de reais neste desafio. Deste montante, o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) injetou 1,2 milhão de reais. A ArcelorMittal investiu 760 mil reais — e tinha a expectativa (pelo menos antes de estourar a pandemia do coronavírus) de investir até 800 mil em 2020.
“SÓ CONHECER O EDITAL NÃO ADIANTA, TEM QUE SABER A OPORTUNIDADE INTERNA”
Buscar recursos externos é, também, uma das funções do Açolab. Paula conta que existe muita oportunidade quando se olha para os mecanismos de financiamento — e que isso é importante para que a indústria se modernize.
Esse trabalho é facilitado pelo aplicativo MEI Tools, disponibilizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), que mostra todos os editais disponíveis. Internamente, um analista de fomento checa quais são as possibilidades de um projeto ser financiado com os recursos de fomento à inovação que existem.
“A grande sabedoria é olhar para o que existe, ficar atento às oportunidades e conectar os desafios que temos internamente. Só conhecer o edital não adianta, tem que saber a oportunidade interna”.
PROGRAMAS AJUDAM A CONSOLIDAR A INOVAÇÃO NO DIA A DIA DA EMPRESA
Além do trabalho de inovação aberta, o Açolab é responsável pelo desenvolvimento da cultura de inovação dentro da empresa. Ou seja: não basta trazer pessoas de fora, é preciso fomentar a inovação internamente para quebrar qualquer resistência entre os colaboradores. Ainda mais em uma empresa com 17 mil funcionários.
Uma forma de fazer isso é por meio do programa Embaixadores da Inovação. Nele, 80 funcionários de cada segmento participam de uma imersão na cultura de inovação — para que possam repercutir os aprendizados, influenciar colegas e ajudar a empresa inteira a pensar e alavancar o tema no dia a dia.
Outro programa atende por DNA Inovador. Funcionários com nível superior são convidados a apresentar ideias em categorias como segurança do trabalho, processos, redução de riscos, produto, atendimento ao cliente entre outras.
No nível operacional foi criado ainda o programa InovAção, que recebe sugestões dos funcionários. Segundo Paula, essas ideias já resultaram numa economia de 2,7 milhões de reais na área industrial.
ENVOLVER A ALTA LIDERANÇA É FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO DOS PROJETOS
Esse trabalho de cultura da inovação orquestrado pelo Açolab inclui levar para dentro desse novo ecossistema áreas tradicionalmente mais resistes à inovação, como jurídico, financeiro e o RH. Por isso, a diretora jurídica e o diretor financeiro fazem parte do conselho do Açolab, assim como o RH, que está sob a batuta da própria Paula.
“Fizemos isso para que eles pudessem conhecer, dentro de uma perspectiva mais estratégica, o porquê de alguns projetos mais ousados, entender que estamos assumindo riscos, mas que são riscos calculados, com um ganho potencial maior”, diz Paula.
O CEO foi convidado a conhecer de perto, a participar de eventos para entender melhor esse novo ecossistema.
“É importante o líder da empresa se envolver, se dedicar, dar valor, investir e colocar isso na agenda dele e da alta direção da empresa. Senão, os projetos não saem do papel”
Em 2019, o Açolab recebeu o prêmio de melhor “Open Corp” (companhia de inovação aberta) durante a Open Innovation Week, em São Paulo. Segundo Paula, o projeto despertou o interesse de organizações como BASF, Andrade Gutierrez, Fiat, Vale e Nissan, que foram conhecer o Açolab.
“Esse movimento foi bem importante, porque nós também nos inspiramos em outras empresas. Isso é o ‘co’ de colaborar, compartilhar e co-criar. É criar uma nova forma de trabalhar que acreditamos ser o futuro.”
Há cada vez menos motoristas de caminhão no mercado. A Votorantim Cimentos criou uma startup para digitalizar a jornada desses fornecedores autônomos, tornar a atividade mais lucrativa – e ajudar a evitar um colapso no transporte de carga.
O caminho para um capitalismo mais justo e um futuro mais verde passa pela inovação aberta. Referência em compensação de carbono, a Natura aposta em seu programa de aceleração de startups para ajudar a descarbonizar de vez sua operação.
A crise climática afeta as culturas de café e cacau, e esse é só um dos desafios da Nestlé. A diretora de inovação Priscila Freitas fala sobre projetos em andamento e como a empresa vê a relação com seus fornecedores e consumidores.