(Reportagem publicada originalmente em novembro de 2018.)
Ser médico geralmente é um diferencial positivo em rodas de conversa, exceto nas relacionadas a empreendedorismo. Nesse mundo, ainda há poucos representantes com formação em Medicina.
Mesmo se sentindo peixes fora d’água, Bruno Lagoeiro, 31, Eduardo Moura, 29, e Pedro Gemal, 30, residentes de Clínica Médica da Universidade Federal Fluminense, peitaram o desafio de abrir o próprio negócio e fundaram a PEBMED, uma healthtech que provê ferramentas e conteúdo para médicos por meio do aplicativo Whitebook e do portal de notícias PEBMED.
Bruno, o CEO, fala sobre a missão do negócio:
“Acima de tudo, queremos elevar a rotina dos médicos para um patamar de mais segurança, praticidade e qualidade na tomada de decisão”
O principal produto da startup, responsável por 97% da receita, é o Whitebook, cujo nome remete diretamente à centenária prática de estudantes e profissionais de medicina levarem, no bolso do jaleco, um caderno de anotações.
“A ideia é que esse produto substitua as folhas de papel pela tecnologia mobile e seja um guia que auxilia o médico nos próximos passos. Nosso sonho é que ele seja tão importante para o médico quanto o estetoscópio”, diz o fundador.
Ao contrário de um livrinho físico, o app é atualizado periodicamente e traz informações objetivas sobre protocolos de procedimentos, alertas e indicações de medicamentos (tudo com base em bibliografias nacionais e internacionais) a serem usados na beira do leito, tanto para diagnóstico quanto para tratamento.
Assim, o Whitebook abastece os médicos com informações para eles tomarem decisões rápida e acertadamente, em especial, durante os atendimentos de emergência.
“O conteúdo é voltado para o regionalismo brasileiro e escrito inteiramente em português. O objetivo é olhar para a prática do médico local e isso faz toda a diferença na tomada de decisão”, diz Bruno.
O maior número de usuários está no Brasil (mais de 1 000 cidades, em todos os estados do país), mas a empresa já tem clientes em países como Angola, Argentina, Bolívia e Paraguai.
O CEO conta ainda que o app traz mais de 6 mil temas de 28 especialidades médicas, produzidos e organizados por uma curadoria formada por 25 médicos e duas farmacêuticas.
O modelo de negócios do Whitebook é o freemium (disponibiliza conteúdos gratuitos como forma de atrair usuários para um pacote pago e completo). Há mais de 300 mil cadastros do app e a PEBMED registra 160 mil usuários ativos por mês. Para ter acesso a todas as funcionalidades, 52 mil clientes pagam uma assinatura mensal no valor de 42,90 reais.
O outro produto da empresa, o portal PEBMED, é um site de notícias médicas com acesso livre e gratuito. Ele gera receita com venda de mídia e patrocínio. Os conteúdos são redigidos com vocabulário técnico para profissionais da área da saúde (quer dizer, não basta assistir aos seriados ambientados em hospitais para entender tudo que está ali!).
O objetivo nem é ter um público tão amplo, mas, sim, reunir papers, estudos científicos e novas diretrizes em 36 especialidades médicas para manter o profissional da saúde atualizado.
Segundo os fundadores, o portal bate 1 milhão de pageviews mensais e tem quase 400 mil usuários únicos acessando os 160 novos conteúdos mensais. Para abastecer o site, 70 médicos colaboram de forma voluntária e sempre com o apoio da curadoria interna.
UMA STARTUP CRIADA POR MÉDICOS PARA AJUDAR MÉDICOS
Possivelmente, um dos fatores que explicam a boa adesão ao produto é o fato da empresa ter sido fundada por três médicos. Tudo começou com Pedro, CTO, em 2012. No último ano da faculdade, ele era monitor da matéria de Semiologia (meio e modo de se examinar um doente e de verificar os sinais e sintomas).
Para ajudar os alunos, ele decidiu aprender programação — sempre gostou de tecnologia e foi autodidata — para colocar em um aplicativo simples o conteúdo das aulas. O app foi baixado por 1 000 pessoas logo no primeiro mês e esse fato acendeu a primeira lâmpada empreendedora.
Pedro chamou o colega de turma “mais inteligente e aplicado”, Eduardo, CCO, para trocar ideias. Juntos, pensaram em disponibilizar também para os colegas as anotações e resumos de Eduardo de outras matérias e cobrar por isso.
De imediato, perceberam que precisariam de ajuda para divulgar essa iniciativa entre os estudantes. Aí acionaram Bruno. Os três entraram juntos na residência médica e, ao longo do tempo, disponibilizaram conteúdos de forma não-estruturada em múltiplos apps. Bruno conta como funcionava o esquema do trio na época:
“A gente trabalhava nessa ideia nos horários alternativos às 60 horas da residência médica: de madrugada, fim de semana, feriado etc”
Ele continua: “O Pedro focava em programação, o Edu no conteúdo e eu na divulgação e distribuição”. Ao final de 2014, a PEBMED era proprietária de 20 apps e se tornava o player com mais aplicativos médicos do Brasil. Mas apenas cinco deles eram financeiramente viáveis.
O custo de operação era baixo — tempo e conhecimento dos sócios. Cada um dos empreendedores tirava mensalmente 7 mil reais com essa “brincadeira ou hobby”, como os familiares costumavam dizer.
Por sinal, nenhum deles vislumbrava deixar de lado a faculdade em que tinham investido tantos anos. Até então, os aplicativos eram uma fonte de renda paralela, na qual tinham investido muito pouco dinheiro, apenas 100 dólares, correspondentes à anuidade de desenvolvedor da Apple.
“Naquela época fazíamos os apps porque ficávamos satisfeitos em ajudar os nossos colegas. Não era uma estrutura de empresa. Não era escalável”, diz o CEO.
NADA COMO UM BOM MENTOR PARA TRANSFORMAR UM HOBBY EM NEGÓCIO
Ainda no mesmo ano, em um evento da FAPESP, os sócios conheceram Rafael Moraes, um investidor de Brasília (atual mentor da startup). Eles ficaram próximos e Rafael começou a bater na tecla de que a startup exigia dedicação integral dos fundadores para florescer. Só que pairava uma dúvida entre os sócios: eles ainda sonhavam ser médicos.
Mesmo assim, Rafael aproximou a PEBMED da aceleradora carioca 21212 e, como os sócios haviam terminando a primeira residência, aceitaram tirar um ano sabático para ver onde poderia chegar a empresa, com dedicação total dos donos. A ideia era emendar uma segunda residência médica em 2016, mas os planos foram se transformando:
“Quando participamos da aceleração, nossa vida mudou completamente. Foi quando entendemos o que era ter um negócio e quais os processos para a validação de algo escalável”
Bruno fala do período inicial no programa de aceleração com bom humor. Descreve como os três médicos se sentiam inadequados no meio de engenheiros, cientistas da computação e administradores. Até o fuso horário era diferente.
“A gente chegava pra trabalhar às sete da manhã, junto com o pessoal da limpeza, como se ainda estivéssemos na residência. Os empreendedores só chegavam lá pelas 10 horas!”
O convívio no ecossistema trouxe aos médicos a compreensão de que não fazia sentido ter 20 aplicativos no ar, mas um único produto com modelo de receita que pudesse ser escalável por assinatura e que causasse impacto na área em que atuavam. Bruno diz:
“Brinco que antes de chegarmos ao nosso produto, fizemos 20 MVPs. Criávamos as coisas da nossa cabeça, sem testar nada, achando que já sabíamos tudo”
Após esse aprendizado, foram contratados os primeiros funcionários: um desenvolvedor, um designer e um estagiário de marketing. Em outubro de 2015, eles lançaram o produto carro-chefe da startup: o Whitebook.
Segundo Bruno, hoje, um em cada quatro profissionais de medicina — entre médicos e estudantes de medicina — usam o app no dia a dia.
“Esse é um produto que auxilia o médico, em especial os mais jovens (até 40 anos de idade) no momento das decisões mais críticas, muitas vezes, em cenários caóticos.”
A TRANSIÇÃO: DO CONSULTÓRIO PARA O ESCRITÓRIO
Hoje, as famílias dos três empreendedores veem a decisão deles com orgulho, porque está claro para todos o que a PEBMED faz. Outro fator que facilitou isso foi a lenta transição do consultório para o escritório. Bruno só deixou de atender como médico, no hospital, no começo deste ano. Pedro deixou o jaleco no início de 2017 e Eduardo, no final do mesmo ano. “Isso aconteceu à medida que a empresa cresceu”, afirma Bruno.
Ele continua:
“Nos aproveitamos muito do fato de darmos assistência médica para aprendermos sobre as necessidades do usuário final”
Por ser uma empresa formada por médicos, o propósito da PEBMED é melhorar a saúde no Brasil ao impactar no comportamento do profissional, trazendo condutas médicas baseadas nos conteúdos do Whitebook e do portal.
Assim, a oferta do produto está passando, naturalmente, do B2C (venda direta para o consumidor final) para B2B (venda para grandes instituições da área da saúde como hospitais, universidades e planos de saúde, que oferecem os serviços a seus colaboradores). A previsão para este ano é de que a startup fature 12,4 milhões de reais.
Bruno conta que o argumento de venda é simples: maior segurança no atendimento médico diante de um caso difícil ou raro, mais qualidade no desfecho e redução de custo do sistema de saúde. Não à toa, a startup negocia com um hospital, um sindicato médico e com uma instituição de educação para que elas adotem o Whitebook. O valor das propostas varia de acordo com o número de usuários, formato de uso e necessidades.
De tudo pelo que passaram até aqui, Bruno, Eduardo e Pedro tiraram uma grande lição com os pares do empreendedorismo:
“Viemos de uma profissão em que não se pode errar e na qual o paciente espera resposta para tudo. Entendemos que empreendendo, não íamos acertar sempre”
Eles também assimilaram que é possível aprender com os fracassos, que as críticas fazem parte do jogo e que é preciso saber lidar com elas. O caminho está aberto e, certamente, outros médicos empreendedores surgirão. Em breve, ser médico e empreender não será tão raro assim.
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