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A “operação de guerra” que uniu a Enebras, o Albert Einstein e a Embraer no combate à contaminação hospitalar

Bruno Leuzinger - 29 abr 2020
Fabio Sousa, da Enebras: em meio à crise, reinvenção como uma startup contra a Covid-19.
Bruno Leuzinger - 29 abr 2020
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Imagine entrar em um quarto sem circulação de ar ocupado há dias por um paciente contaminado com o novo coronavírus.  

“O profissional de saúde que entra ali está numa zona muito contagiosa, numa ‘nuvem de corona’”, diz José Claudio Terra, diretor de Inovação e Transformação Digital do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Qualquer vacilo ele se contamina.”

Para reduzir as chances de que médicos, enfermeiros e outros pacientes sejam infectados por doenças pulmonares contagiosas, hospitais costumam dispor de alguns quartos de isolamento respiratório, equipados com sistemas de pressão negativa do ar. Assim, evita-se que o vírus saia “passeando” pelos corredores.

O problema é que esse tipo de solução demanda projetos de engenharia, implementados durante a construção do prédio ou em uma reforma. Segundo Cláudio:

“No caso da Covid-19, não dava tempo de quebrar parede, fazer uma tubulação específica… A beleza desse [novo] equipamento é que basta você plugar na tomada, colocar a tubulação para fora da janela e ele começa a funcionar”

O equipamento em questão é o ATMUS, um sistema portátil de exaustão e filtragem do ar que vem sendo usado pelo Einstein para evitar ou diminuir a propagação do coronavírus dentro do ambiente hospitalar.

A solução surgiu a partir de um contato entre a gerência de manutenção do hospital e sua fornecedora de ar-condicionado, a Enebras — uma empresa até então “tradicional” que vem sendo transformada por essa inovação.

SEMANAS ATRÁS, O APARELHO NEM EXISTIA. HOJE, HÁ UMAS 200 UNIDADES INSTALADAS

Na ativa desde 2007, a Enebras sempre teve como foco serviços de instalação e manutenção de sistemas de ar-condicionado na rede hospitalar. 

“Atuamos em diversos hospitais de grande porte no estado de São Paulo, executando obras desde pequenas até as grandes”, diz Fabio José de Sousa, o fundador.

Fabio é engenheiro mecânico de formação. Antes de empreender, trabalhou por quase nove anos no Einstein. Ele conta que, lá atrás, em 2002, a equipe de manutenção do hospital tentara desenvolver uma solução similar ao que viria a ser o ATMUS. “Porém, na época a tecnologia disponível não possibilitava um baixo nível de ruído e tamanho adequado.”

Um dos trunfos do ATMUS é justamente sua portabilidade, que simplifica a instalação — o aparelho é basicamente um cubo com 80 centímetros de lado. Fabio explica o funcionamento:

“O sistema faz a exaustão controlada do ambiente contaminado, descartando o ar ao ambiente externo esterilizado por ação de um filtro HEPA e de uma luz ultravioleta. Pode ser ajustado conforme com o tamanho do local, o que reduz o consumo elétrico e de filtros”

Semanas atrás, esse aparelho nem sequer existia. Hoje, já há cerca de 200 unidades instaladas no hospital, no Morumbi, e em dois hospitais municipais gerenciados pelo Einstein: o Dr. Moysés Deutsch (M’Boi Mirim) e o Vila Santa Catarina, ambos na Zona Sul da capital paulista.

O EINSTEIN ENTROU COM APOIO LOGÍSTICO, CONTATOS E PEDIDOS DE COMPRAS

A partir dessa demanda do Einstein, a Enebras se pôs a desenvolver o protótipo do ATMUS, o que levou 15 dias.

Nesse período, fizemos testes para montar um atenuador de ruído, avaliar o melhor formato do equipamento e como fazer algo simples a ser adaptado na janela, possibilitando o descarte do ar com o mínimo de intervenção na estrutura dos leitos”, diz Fabio.

Leia também: A Eretz.Bio encorpou seu ecossistema, criou startups e já impacta a adoção de soluções no Hospital Albert Einstein

Claudio, diretor de Inovação do Einstein, se envolveu com o projeto na primeira semana de março. O protótipo já estava pronto: o desafio passou a ser serializar a produção desse aparelho — o que exigiu uma “operação de guerra”, nas suas palavras:

“Foi um processo em tempo recorde, de quatro ou cinco semanas. Envolveu todo um redesenho, uma mudança de local físico para a criação de uma planta de produção seriada, estabelecer toda a cadeia de suprimentos…”

O Einstein entrou com apoio logístico, contato com fornecedores, emprestando um “olhar de cliente” para o desenvolvimento do produto e ajudando a organizar a linha de produção e os processos internos da Enebras — além de dar uma força para o capital de giro, por meio dos pedidos de compras.

A QUARENTENA DIFICULTOU O ACESSO A ALGUNS COMPONENTES DO APARELHO

Entre março e abril, a Enebras mergulhou numa metamorfose-relâmpago. 

“Nossa experiência anterior era bem diferente de uma linha de produção”, diz Fabio. “A montagem de componentes, logística de entregas, formas de faturamento e diversidade de materiais exigem uma série de novos processos administrativos.”

Para abrigar a produção seriada, a empresa arranjou um galpão na Lapa, Zona Oeste de São Paulo. “Corremos para montar uma estrutura mínima e isso nos deu mais facilidade de armazenagem e espaço para a montagem.”

Matéria-prima foi um problema. Foi preciso diversificar, improvisar nas compras (apelando até a lojas de varejo) e encontrar novos fornecedores de motores, lâmpadas UV e de acústica.

“Recorremos a vários fornecedores na cadeia para conseguir atender a demanda inicial gerada. A própria quarentena dificultou o acesso a alguns componentes e tivemos de fazer ajustes no projeto inicial” 

Claudio entrou em campo e fez a ponte com o pessoal da Embraer, que embarcou no projeto e deu suporte na elaboração de desenhos, na avaliação do conceito do ATMUS e também no desenvolvimento de novos fornecedores nacionais para alguns componentes. “A Embraer está nos auxiliando em busca de alternativas de prazo e custo”, diz Fabio. 

O EMPREENDEDOR LICENCIA A TECNOLOGIA A CUSTO ZERO DURANTE A PANDEMIA

Hoje, a capacidade de produção da Enebras é de 15 aparelhos por dia, a um custo unitário aproximado de 14 mil reais. Além das vendas para o Einstein, há negociações em andamento com outros hospitais. “Estamos também avaliando o uso deste sistema em áreas administrativas de escritórios, visando melhorar a qualidade de filtragem.”

A inovação gerou um pedido de patente internacional (com apoio do Einstein, por meio do seu escritório de advocacia). Gerou, também, uma mostra de generosidade do fundador da Enebras. 

Claudio Terra, do Einstein: cerca de 200 aparelhos instalados na unidade do Morumbi e em dois hospitais municipais.

“O Fabio é uma pessoa com uma consciência coletiva muito grande”, diz Claudio, do Einstein. “Como empreendedor, ele precisa sobreviver à crise. Mesmo assim, anunciou uma transferência de tecnologia sem custo para qualquer empresa do Brasil que queira produzir o equipamento durante a pandemia.”

O empreendedor explica a decisão: “Não temos a capacidade de atender o país inteiro no prazo necessário. Em regiões como Norte e Nordeste, muitas cidades têm carência de salas de isolamento. Nosso sistema pode ser feito lá por quem queira entender e produzir.”

No site da Enebras, um botão (“Saiba como produzir”) convida ao contato com a empresa; um “asterisco” avisa que a tecnologia é protegida por patente, mas pode ser licenciada a custo zero durante a crise da Covid-19. 

Por enquanto não houve procura. “Acredito que o mercado ainda está assimilando a necessidade.”

REPOSICIONADA COMO STARTUP, A ENEBRAS AGORA É INCUBADA PELO EINSTEIN

O ATMUS não é, ainda, responsável pelo principal volume de faturamento da empresa, mas Fabio diz que sua ideia é criar uma divisão específica relacionada à solução. Hoje, dos cerca de 80 funcionários, uns 20 estão envolvidos com o projeto.

A jornada de reinvenção da fabricante de ar-condicionado está só começando: ela acaba de se incorporar ao portfólio da Eretz.Bio, a incubadora de startups do Einstein. “A Enebras tem agora essa vertente de empresa de base tecnológica que pode crescer muito e ajudar o Brasil”, explica Claudio. 

Fabio, o empreendedor à frente da Enebras, vê essa guinada de forma positiva. 

“Queremos inovar em outras soluções para isolamento com produtos derivados do ATMUS. Num ambiente como uma incubadora, facilita — até pelo contato com outras empresas voltadas à inovação na área de saúde”

Ele diz que, desde a fundação, o crescimento foi “gradual, mas lento”. A ideia agora é deslanchar:

Nossa expectativa é aprender novos conceitos de administração para crescer ainda mais e a empresa ser reconhecida como uma das melhores no mercado de sistemas de climatização hospitalar.” 

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