por Maria Rita Spina Bueno
Investidores de startups estão acostumados a lidar com a imprecisão. Em cada negócio que analisamos, fazemos a construção de cenários prováveis e buscamos entender o desenvolvimento futuro do projeto. É o nosso dia a dia lidar com a incerteza . Ela está na base do conceito do que é uma startup.
A crise causada pelo coronavírus, no entanto, elevou o grau de incerteza a um nível tão alto que tornou difícil fazer análise de cenários
Quando vislumbramos o tamanho da pandemia que vinha se desenhando, começamos a nos perguntar: “Haverá impacto nos investimentos em startups por conta da Covid-19? O investimento-anjo vai aumentar ou vai acabar? O que acontecerá com as startups e com os investidores?”
Em meio a muitas dúvidas, temos, sim, algumas certezas que nos ajudam a responder essas questões.
A primeira certeza é que o investimento em startups continuará relevante e fundamental para o desenvolvimento dos negócios inovadores. A segunda é que haverá um impacto no volume de aporte neste ano.
E a última certeza é que não sabemos o tamanho desse impacto — e nem quando voltaremos ao movimento de crescimento em que estávamos.
Entender o impacto em cada momento da crise, entender suas causas e estar próximo dos investidores e empreendedores, obtendo dados objetivos, são mais importante para nós, hoje, do que adivinhar o futuro, que sabermos ser imprevisível
Desde o início da crise, na primeira quinzena de março — que agora nos parece tão distante –, estamos entendendo como os investidores-anjo vêm reagindo. Temos conversado diariamente com eles e com os líderes das 20 redes de investidores-anjo parceiras da Anjos do Brasil.
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Vemos que não há uma resposta única e que cada momento tem uma realidade diversa. No começo, no meio e no fim do dia, tudo gira em torno de pessoas — esse é um dos nossos mantras e reflete nossa visão do ecossistema de investimento em inovação e startups –, e pessoas agem dentro de uma trajetória, baseadas no conhecimento e informações que têm a cada momento.
Não é possível afirmar uma verdade absoluta em um cenário de incerteza. O que sabemos é que somos bons em lidar com a incerteza!
No primeiro momento, os investidores-anjo, que são pessoas físicas investindo capital próprio, sentiram fortemente o baque em suas finanças e aplicações em renda variável com a queda abrupta dos ativos, o impacto do isolamento social e o necessário ajuste na rotina de suas famílias e empresas.
É natural esperar um momento de cautela frente às adversidades provocadas pelo coronavírus. E, diante desse quadro, os investidores praticamente pararam, o que se refletiu nos números da pesquisa que rodamos em 23 de março.
Segundo esse levantamento, 64% dos investidores disseram estar menos propensos a investir em startups; e 51% concordavam plenamente que os empreendedores teriam mais dificuldade para conseguir investimento-anjo e/ou de Venture Capital.
Tínhamos em torno de 18 startups em processo de negociação. Algumas mais adiantadas, enquanto outras haviam acabado de fazer o pitch para os investidores e estavam começando o contato. Praticamente todas as conexões silenciaram. Tanto investidores quanto empreendedores estavam organizando seus planos de contingência e decidindo como agir.
Por acreditarmos fortemente no espírito colaborativo do ecossistema de investimento em startups, nos voltamos para nossos parceiros, tanto no Brasil quanto em Israel, Europa e Estados Unidos, que efetuaram pesquisas similares. Trocamos informações de como estavam nossas redes de investidores-anjo, conversamos sobre o que fazer e fomos traçando uma estratégia de ativação da rede.
Ao mesmo tempo em que esses dados e a pausa de atividades em nossos grupos nos traziam um elemento de atenção e alerta, vimos dois movimentos que nos mostraram a importância do investimento-anjo e a capacidade dos empreendedores de startups.
Entramos em contato com os fundadores, oferecemos ajuda e perguntamos sobre seus planos de crise. As respostas nos surpreenderam pelo grau de maturidade e rapidez com que eles estavam agindo.
Também vimos os investidores se voltarem para as startups investidas, oferecendo apoio neste momento de turbulência, procurando novos caminhos, traduzindo a legislação. Um relacionamento saudável e maduro com alinhamento de interesses
Criamos canais com os investidores da rede da Anjos do Brasil, entre eles o “Conversas na sala de estar”, e semanalmente trocamos experiências, estimulamos os investidores a apoiar e investir em startups. Construímos novos materiais para ajudar os empreendedores a apresentar seus negócios, considerando a crise. Retomamos os “Encontros de Investidores”, com apresentação de pitches no formato online.
Vimos o mesmo acontecer nas melhores redes de investidores-anjo brasileiras. As semanas foram passando e, no meio de abril, percebemos os investimentos que estavam em negociação final se concretizarem e os grupos de negociação retomarem.
Há mudanças, claro. O tempo de negociação está um pouco mais longo, alguns aportes estão sendo efetuados em duas ou três parcelas para facilitar o fluxo de caixa dos investidores; empreendedores estão revisando o total de captação. Mas o fundamental do investimento-anjo está acontecendo: capital e valor agregado unidos em sinergia e a favor da startup
Qual será o tamanho do impacto no investimento em startups em 2020? Não sabemos… Os dados que temos hoje mostram que o total do investimento será menor — mas este é apenas um ano de uma longa jornada pela frente.
Capital para modelos de negócio sustentáveis e com uma proposta de valor real sempre estará disponível. O que percebemos é que os investidores estão mais seletivos em relação à análise do projeto, do perfil dos empreendedores e do uso desse capital.
Modelos de negócios inovadores com empreendedores incríveis certamente conseguirão investimento. Nenhum investidor deixa de considerar a realidade atual, claro. Mas tampouco olha apenas para os próximos seis meses na hora de investir.
Maria Rita Spina Bueno é diretora-executiva da Anjos do Brasil e fundadora do MIA – Mulheres Investidoras Anjo.
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