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Em poucas semanas, o Orgânico Solidário articulou uma rede (cada vez maior) de doações de alimentos para comunidades periféricas

Dani Rosolen - 4 jun 2020 O Orgânico Solidário atende 70 comunidades em três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
O projeto atende (por enquanto) 71 comunidades em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Dani Rosolen - 4 jun 2020
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Durante a entrevista, via Zoom, Aziz Camali Constantino apertou várias vezes a tecla F5 do seu computador. A cada atualização, os números na sua tela aumentavam. 

Sinal de que ainda há esperança — e gente disposta a doar seu dinheiro para alimentar quem precisa.

Aziz é o coidealizador do Orgânico Solidário, projeto social que está levando orgânicos frescos para comunidades periféricas em meio à pandemia. Os alimentos são fornecidos a preço de custo e bancados por meio de doações recorrentes.

Cofundador da DZN e da SKEP, ele narrou sua trajetória aqui num Lifehackers, em maio de 2019. Seu projeto mais recente tem, por ora, cunho puramente filantrópico. E surgiu depois que o empreendedor recebeu a notícia da morte de um cliente “muito próximo”, diagnosticado com a Covid-19. 

Chocado pela perda, Aziz arregaçou as mangas. E provou que “tomar uma atitude” pode começar com algo tão prosaico como criar um grupo de WhatsApp.

NÃO UMA CAMPANHA DE ARRECADAÇÃO, E SIM UM PROJETO “NOS MOLDES DE STARTUP”

Foi assim, por WhatsApp, que ele convidou outros empreendedores: Cesar Pinela (gestor de recursos na DOMO Invest), David Frenkel (cofundador da SKEP), Luis Magalhães (fundador da o2eco), Rodrigo Medeiros (cofundador do Clube Orgânico) e Thiago Andrade (fundador da Gold Star). 

Enquanto esboçavam o que seria o Orgânico Solidário, algumas questões ficaram claras. Primeiro: mesmo sendo um trabalho pro bono, a dedicação não poderia se limitar aos fins de semana. 

Além disso, era preciso estruturar o projeto com um olhar de negócio, “nos moldes de uma startup”. Não apenas uma campanha de arrecadação, mas o embrião de uma empresa. Segundo Aziz:

“Os projetos sociais precisam ser feitos para se perpetuarem, com modelos que se sustentem. É semelhante ao cultivo da terra: você planta, cuida, colhe — e planta outra vez” 

Decidiram que o caminho era estruturar um mecanismo de doação de alimentos orgânicos para comunidades de baixa renda, dando uma força inclusive para os pequenos produtores, baqueados pela crise. 

AO NEGOCIAR COM FORNECEDORES, ELES GARANTIRAM CESTAS A PREÇO DE CUSTO

Os cabeças do Orgânico Solidário afinaram sua proposta: entregar cestas de 6 quilos, com 10 a 12 itens (dependendo da generosidade da safra), entre verduras, legumes e frutas em quantidade para o consumo de uma semana por uma família com quatro pessoas. 

O grupo foi atrás de dez fornecedores de orgânicos e descobriu que o valor médio de uma cesta como essa descrita acima seria de 100 a 150 reais. O preço de custo, porém, ficaria em 45 reais — e foi essa a quantia que o pessoal do Orgânico Solidário se propôs a pagar.

Houve resistência quanto ao preço. E esse não foi o único obstáculo, diz Aziz:

“Teve ainda uma discussão de gente falando que isso não alimenta… Depende da forma como se cozinha. Até o nosso modelo mental da fruta, legume e verdura precisou ser desfeito para podermos oferecer uma cesta que tem nutrientes e proporciona pratos ricos e coloridos”

Os produtores, por fim, toparam fornecer os alimentos pelo preço de custo, entendendo que seriam pedidos recorrentes, em grande quantidade e com pagamento à vista. 

AS DOAÇÕES MAIS DO QUE TRIPLICARAM DA PRIMEIRA PARA A SEGUNDA SEMANA

Quem doa pode contribuir com qualquer valor. A cada 45 reais, uma cesta é montada e o doador escolhe para qual comunidade listada no site destiná-la.

O pontapé inicial do projeto (batizado então de “Sabor de Solidariedade”) se deu na segunda quinzena de março, com um site apresentando a proposta e uma campanha pelo WhatsApp. 

Na primeira semana, foram 150 cestas arrecadadas para comunidades do Rio de Janeiro.

“Doamos para gente que não tinha o que comer e que fez a mágica de olhar aqueles itens e pensar em um cardápio completo, aproveitando até as cascas [de legumes e frutas] para bolo. Tem essa lógica de olhar a abundância na escassez”

Na segunda semana de operação, o número de doações mais que triplicou: foram 500 entregas em cinco comunidades diferentes, de Rio e São Paulo. 

Naquela semana, os cofundadores do projeto entenderam a importância de destacar que, sim, os produtos são orgânicos — e era essa proposta de valor ‘diferenciada” que chamava a atenção dos doadores. Daí a mudança de nome para Orgânico Solidário.

PARA CHEGAR ÀS COMUNIDADES, O PROJETO CONTA COM O APOIO DE 25 ONGS

Enquanto expandiam para a capital paulista, os empreendedores se debruçaram sobre um desafio: incrementar a capilaridade do projeto.

A saída, explica Aziz, foi bolar um “modelo de intermediação” envolvendo produtores, associações de bairro e ONGs. 

“Sozinhos não iríamos dar conta. Então nos conectamos com o Instituto Phi, que faz um trabalho de transparência e conscientização de como organizar as fontes de receitas de projetos de doação”

Para cadastrar as ONGs (que fazem a ponte com as comunidades e ficam responsáveis pela distribuição das cestas), o Orgânico Solidário buscou a Causei e o Atados, que trabalham com curadoria de instituições. Hoje são 25 organizações parceiras, como Criola e PerifaConnection.

Para o meio-de-campo com os produtores, o apoio veio de meia dúzia de empresas operadoras de orgânicos: A Boa Terra, Acolhida na Colônia, Caixa da Amora, Clube Orgânico, Sta Julieta Bio e Orgânicos in Box, que totalizam 43 pequenos produtores em sua rede.

O GRUPO DECIDIU NÃO FICAR “REFÉM” DA CONTRIBUIÇÃO DAS MARCAS

Lá pela quinta semana, o projeto já tinha atendido mais de 7 mil famílias (ou seja, 7 mil cestas) no Rio de Janeiro, em São Paulo e Santa Catarina. “Optamos por atuar nesses estados, pois são onde os cofundadores estão presentes. Precisava ter alguém engajado [no local] para fazer acontecer.”

Num momento, diz Aziz, em que campanhas apostam na contribuição das marcas, o grupo entendeu que não poderia ficar “refém” dessa fonte.

“Estamos trabalhando do pequeno para o pequeno. Quando colocamos no site o logo de empresas, as pessoas pensam que se doarem [apenas] 45 reais, não estarão ajudando. Mas quando se fala de impacto social, uma doação — ou seja, uma família — importa muito”

Não significa que o apoio empresarial não seja bem-vindo. Hoje, 14 marcas são parceiras da iniciativa. Aziz cita a PagSeguro, que ofereceu taxas reduzidas para o pagamento das doações pelo site, e a Klabin, que colabora doando caixas em que os alimentos são distribuídos.

A IMPORTÂNCIA DA RECORRÊNCIA E DE POTENCIALIZAR A MICROCAPTAÇÃO

Para impactar de verdade, é preciso que as contribuições sejam constantes. Assim, na segunda quinzena de maio, quando a iniciativa já se encaminhava para a décima semana, o Orgânico Solidário estabeleceu um modelo de recorrência: além das doações avulsas, agora é possível contribuir com uma assinatura mensal.

Esse modelo recorrente beneficia hoje 12 comunidades. Também houve distribuição de cestas entre artistas independentes e de rua, por meio do projeto MUDA Outras Economias, que procurou o Orgânico Solidário para pedir assistência a esses profissionais com atividades prejudicadas pelo coronavírus. 

Aziz Camali Constantino, um dos idealizadores do Orgânico Solidário.

Outra medida para ampliar a atuação foi potencializar microcaptações. Começou com uma moça, a Michele, que entrou em contato com o grupo porque estava arrecadando dinheiro e comprando cestas por conta própria.

“Criamos então um link da “Rifa da Michele” para que ela só se preocupe em promover as captações e escolher a instituição de apoio — ou selecionar uma das listadas no nosso site. Do resto, comprar e doar, a gente cuida. Hoje, já estamos com 30 rifas, batendo 1 500 reais cada.”

É PRECISO TOMAR CUIDADO PARA NÃO DAR “UM PASSO MAIOR DO QUE A PERNA”

Por falar em números, lembra daqueles lá do começo do texto? As doações, na tela do Aziz? Felizmente elas seguem crescendo. 

Até hoje, 4 de junho, já foram arrecadados mais de 775 mil reais, o que resultou na produção e distribuição de 78 toneladas de alimentos, com mais de 13 mil famílias atendidas (ou seja, 13 mil cestas distribuídas) em 71 comunidades nos três estados.

Manter o engajamento e a sustentabilidade do projeto num momento em que tantas causas disputam doações exige cuidados para não dar “um passo maior do que a perna”.

“Não adianta querer acelerar [demais]. É como ‘colocar agrotóxico’ na plantação, vai dar problema. Não estamos com a ‘cultura da pandemia’; se for preciso desacelerar as doações recorrentes para manter o projeto, entendemos que faz parte do ciclo”

Ao divulgar todo o processo (da coleta à distribuição) por meio de fotos, vídeos e depoimentos, o Orgânico Solidário reforça a conexão entre produtores, doadores e as comunidades. “O produtor começa a ver que está alimentando quem precisa.”

PLANOS FUTUROS: UM SELO ORGÂNICO E CULTIVO NAS PRÓPRIAS COMUNIDADES

Agora, existe a ideia de desenvolver um marketplace para conectar os produtores e seus clientes (inclusive aqueles doadores que até então não tinham o hábito de consumir orgânicos, mas que passaram a demonstrar interesse em introduzi-los na sua alimentação).

Há também a intenção de levar o projeto para mais três estados: Ceará, Espírito Santo e Paraná. A questão é que nem todos os agricultores mapeados têm a certificação oficial de produtor orgânico; segundo Aziz, o trâmite burocrático acaba se tornando um empecilho.

“A gente estuda criar um selo ‘Orgânico Solidário’, menos restritivo, que ajude a profissionalizar e democratizar esse processo”

Outra meta é estimular a própria população da periferia a produzir seus orgânicos em espaços ociosos nas comunidades. O Orgânico Solidário enviaria, com as cestas doadas, sementes de frutas, verduras e legumes para abastecer esse cultivo.

“Temos a oportunidade de fomentar um espírito de empreendedorismo social, e precisamos começar inspirando as pessoas”, diz Aziz. “Imagina sairmos da pandemia com um mercado de orgânicos 1% maior. Já seria maravilhoso!”

 

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