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“Obrigada pela oportunidade, mas estou me demitindo. Vou empreender no ramo do sexo”

Nathalia Ziemkiewicz - 20 jul 2020
athalia conta como percebeu que falar de sexo era mais importante, e urgente, para as mulheres e para ela mesma (foto: Daniela Toviansky).
Nathalia Ziemkiewicz - 20 jul 2020
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por Nathalia Ziemkiewicz

“Obrigada pela oportunidade, mas estou me demitindo. Vou empreender no ramo do sexo”, eu disse. O diretor de redação me olhou incrédulo. A expressão no rosto de alguns colegas de trabalho parecia dizer “você não precisa disso…”, como se estivessem prestes a me encontrar decotada em alguma esquina paulistana. Outros riram, certos de que não passava de uma piada. Em 2013, eu somava sete anos como repórter de comportamento, assinando matérias de capa em revistas como Época e Istoé — além de publicações em alguns dos veículos mais relevantes do país. “Pedi pra sair” duas vezes em menos de um ano. Por que abriria mão de uma carreira potencialmente promissora, de um salário generoso para os padrões jornalísticos e da estabilidade de grandes empresas para empreender num universo tão cheio de tabus?

Ainda me pergunto. Especialmente quando checo meu extrato bancário. Então lembro que abri mão porque fui me decepcionando com a profissão que antes me enchia os olhos e a alma, com o modus operandi dos bastidores, com lideranças tão mal preparadas para lidar com gente, com o assédio moral naturalizado. Vai ver eu era mesmo “sensível” e “imatura” demais para um ambiente desses. Ou não voltaria para casa chorando com uma frequência que levou à depressão, não é mesmo? Depois, porque percebi que agarrar-se ao emprego já em tempos de “passaralho” (cortes em massa) não era exatamente uma atitude inteligente. Cedo ou tarde, precisaria me reinventar. E, finalmente, porque tenho tesão por desafio. Será que eu poderia ser levada a sério, da mesma forma que setoristas de economia e política, escrevendo sobre sexo?

Embora estivesse profundamente convicta do rumo que queria dar a minha vida profissional, cometi erros amadores. Incontáveis. Falarei deles adiante. Talvez o maior acerto tenha sido me matricular numa pós-graduação em educação sexual, cujo diploma espero alcançar em dezembro. Sabia que me especializar seria um diferencial. Tive como colega de sala minha mãe. Sim, você não leu errado. Ela é psicóloga e, nos últimos vinte anos, atua num programa de aconselhamento a portadores de doenças sexualmente transmissíveis. É responsável, entre outras coisas, por dar a notícia a quem se infectou pelo vírus da Aids. Cresci enxergando sexo como questão de saúde pública. Aprendi em casa como colocar uma camisinha. Contei para os meus pais quando perdi a virgindade (ãhã, para ele também). E porque o tema era tratado com naturalidade por lá, não como pecado ou baixaria, escrevo e falo dele como quem troca receitas de bolo.

Pena que alguns amigos e parentes não entendam assim. Acham que eu deveria me envergonhar do que faço. Sorte que não pagam minhas contas. Por que me importaria com a opinião alheia se até meu marido, que pagou tantas desde que passei a empreender, tem orgulho e me apoia incondicionalmente? Devo muito a ele, em todos os sentidos.

Há quem imagine que, para empreender, basta uma boa ideia, coragem e perseverança. Bobagem. Você precisa de capital.

Esse foi o maior equívoco que cometi quando decidi jogar tudo pro alto e lançar o Pimentaria, uma marca de informação sobre sexualidade. Desorganizada financeiramente e presunçosa (ou otimista?), guardei o suficiente para apenas três meses. Contava que os bicos de reportagem apareceriam aos montes e o blog logo teria patrocínio. Demorei a me perdoar por tamanha imbecilidade.

Foi a poupança do meu marido-investidor, às custas de anos de trabalho e economia, que realmente me permitiu escrever este texto. Foram dois anos muito difíceis. Eu costumava ganhar mais que ele, tinha uma rotina repleta de prazos e convívio social. De repente estava sozinha em casa, no limite do limite do cheque especial, lutando para sair do esquema pijama-notebook-no-colo, sem ninguém para cobrar o que eu deveria fazer. Postava no blog, chorava, tocava meia dúzia de frilas, chorava, mandava emails prospectando reuniões, chorava, pensava em pedir meu emprego de volta. A apreensão da família nos almoços de domingo, o socorro $$$ ao meu pai. Os conhecidos perguntando sem parar se eu já tinha novidades (leia-se sustento). Então um texto do Pimentaria, Carta a Fran, a menina massacrada por um vídeo de celular, teve um milhão de visualizações e viralizou nas redes sociais. Quinze mil seguidores pá-pum. No mês seguinte, outro, Heberson, eu sinto muito, bateu a mesma audiência. Fiquei eufórica: “Hum, agora vai! E o dinheiro vem”. Nada.

O paradoxo é que nunca me senti tão realizada escrevendo para informar com bom humor, quebrar tabus, provocar reflexões. Sem blábláblá científico. Sem pornografia. Levantando bandeiras como empoderamento feminino, igualdade de gêneros e respeito à diversidade sexual. Minha caixa de emails lotada com depoimentos, dúvidas íntimas, desabafos e agradecimentos.

À medida que homens e mulheres de todas as idades se sentiam confortáveis para se abrir comigo (“nunca tive um orgasmo”, “minha filha é gay”, “tenho ejaculação precoce”, “sofri abuso na infância” etc), se consolidava em mim a importância desse trabalho. Encontrei o meu ativismo.

Mas não era suficiente para continuar. Seis meses depois de iniciar a empreitada, prestes a desistir e reconhecer meu fracasso, a ideia veio numa das madrugadas insone. Não adiantava esperar que o blog fosse minha única renda – inclusive porque o faturamento era zero (risos).

E se eu palestrasse em escolas, empresas, chás de lingerie? Divulguei a proposta e as leitoras começaram a pedir orçamentos para animar os tais eventos com noivas. Logo no primeiro, enquanto eu mostrava alguns sex toys durante a apresentação, perguntaram aonde eu vendia. Óbvio que, a partir do segundo, lá estava eu com uma mala de produtos. Mais de cinquenta chás de lingerie depois e com a agenda cheia de reservas, hoje tenho vários fornecedores e até máquina de cartão (olha que progresso!). De jornalista à sacoleira do prazer (olha que progresso?). Vibradores fazendo minha conta bancária vibrar de emoção ao sair do vermelho aos poucos… Quem me assistia indicava para outras pessoas, que me chamavam e comentavam com amigas e conhecidas. Vieram os convites para palestrar em empresas e em nome delas. Uma indústria farmacêutica, por exemplo, me contratou para palestrar para 500 adolescentes da rede pública de ensino. Foi lindo.

Debates, entrevistas, contrato com editora de livros, projeto piloto de programa de televisão, colunas para sites, patrocínio de duas marcas do mercado. Dois meses atrás, aluguei uma baia numa agência para ter companhia e aumentar a produtividade. A demanda offline tem sido grande, o que tem me impedido de manter o blog atualizado como gostaria. Minha próxima meta é contratar alguém para me ajudar a abastecer o conteúdo online. Oremos. Até o final de 2015, prestes a completar dois anos como empreendedora, minha renda mensal vai se equiparar ao meu último salário como repórter de redação. Meu casamento também agradece. Sempre brinco que atuar com o sexo na teoria não traz grana rápida como na prática (se é que você me entende). Mas aposto que ainda serei respeitada por aí — sem precisar dar todos os créditos dos lugares em que trabalhei antes de explicar sobre o Pimentaria.

 

Nathalia Ziemkiewicz é jornalista, educadora sexual, palestrante e idealizadora do blog Pimentaria. Acredita que sexo é qualidade de vida e informação, mais transmissível que muita doença.

 

(Publicado originalmente em agosto de 2015.)

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