Para a natureza não existem “ervas daninhas”. Esse nome pejorativo é um juízo de valor que os seres humanos fazem sobre as plantas que nascem espontaneamente e que são, aliás, ótimas indicadoras de qualidade do solo. Melhor ainda: muitas são comestíveis.
Entender isso é uma epifania capaz de mudar a relação das pessoas com as plantas. Foi o que aconteceu com Beatriz Carvalho ao descobrir as PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Além de nunca mais arrancar “ervas daninhas”, ela transformou o “mato” em negócio.
Beatriz e o marido, Arthur Credo, ambos de 32 anos, tocam a Mato, que usa a biodiversidade na alimentação como veículo para a preservação do meio ambiente. Eles fazem isso por meio de projetos educacionais, como oficinas e palestras, além de eventos e do fornecimento de PANC para empresas e restaurantes. Segundo a empreendedora:
“Nosso foco é a preservação ambiental. A alimentação é o veículo que usamos para demonstrar às pessoas que se não preservarem esses ambientes, a alimentação delas será cada vez mais limitada e monótona”
Se falamos tanto em diversidade humana, por que não estendemos esse cuidado às plantas?
“Precisamos olhar para a natureza com esse mesmo carinho e falar de biodiversidade”, diz Beatriz. “Não é só em relação aos seres humanos que devemos ser respeitosos com o diferente. Com as plantas também.”
O chamado faz ainda mais sentido num momento em que o coronavírus impacta o bolso dos brasileiros. Em maio, por exemplo, uma pesquisa da Proteste em supermercados de São Paulo constatou aumento de até 106% no preço do feijão.
EX-MATO NO PRATO, A EMPRESA MUDOU DE NOME, MAS NÃO PERDEU O PROPÓSITO
A empresa nasceu em 2014 como Mato no Prato, nome que ainda existe e abarca os projetos educacionais que desenvolvem. O investimento inicial foi de 250 reais, usados para comprar um conjunto de montagem de mesa que viabilizou a primeira oficina no SESC Taubaté.
Desde então, eles já levaram esse conhecimento para unidades do SESC em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná; para universidades como Univap (Universidade do Vale do Paraíba), Anhembi Morumbi e Anhanguera; programas de televisão como o reality Mestre do Sabor, da Rede Globo; além de escolas e empresas.
Em 2019 começou a transição para Mato — um nome curto que sintetiza, segundo Beatriz, a essência e o propósito do empreendimento e abarca o momento que vivem agora, de focar não apenas na educação, mas também na distribuição de PANC para empresas e restaurantes.
“Já que vou trabalhar com alimentos, preciso lembrar para os clientes que o meu negócio é o mato. Não quero perder o propósito de preservar o meio ambiente”
O plano é que a marca Mato no Prato se transforme em um projeto social oferecido a escolas e instituições (por enquanto, ela continua operando com cursos e oficinas).
O RECEIO DE SE MOSTRAR MUITO “COMERCIAL” E AFASTAR O CLIENTE
Colocar o nome que deu início a empresa como um braço de um negócio maior não tem sido uma tarefa fácil, ainda mais que existe paixão envolvida. Segundo Beatriz:
“Ainda tenho dificuldade de me apresentar como Mato em alguns momentos, pensando se vai interferir, por exemplo, em como o cliente nos vê. Porque às vezes você começa a se mostrar muito ‘comercial’ e as pessoas não se identificam”
O Mato no Prato nasceu do interesse dela pela relação entre os seres humanos e a natureza. Natural de São José dos Campos, Beatriz é engajada em projetos de hortas e educação ambiental desde o Ensino Médio. Graduou-se em Geografia e durante a pós-graduação conheceu as PANC. Desde então, focou seus projetos nas plantas não convencionais.
Arthur, também geógrafo, conduziu a carreira para a área de geoprocessamento até ser envolvido pelo tema dos matos comestíveis e decidir largar tudo para se dedicar ao Mato no Prato como um projeto da família (o casal tem uma filha, Elisa, de 4 anos).
A MATO VEM SENDO ACELERADA PELO RED BULL AMAPHIKO (E AGORA PELO FACEBOOK)
A participação no Red Bull Amaphiko, programa global para incentivar empreendedores sociais, vem ajudando na transição. Eles foram aprovados no processo seletivo em 2019 e seguem no projeto até 2021. Lá, têm participado de mentorias e eventos com a participação de outros empreendedores e especialistas de diversas áreas.
“Já vínhamos pensando nessa mudança e a mentoria nos encorajou e deu confiança ao nos fazer entender melhor esse processo junto ao público”
Em julho, a Mato foi anunciada como um dos negócios sociais selecionados para a Aceleradora de Comunidades. O programa global, do Facebook, inclui seis meses de treinamento e mentorias, além capital para ajudar empreendedores a intensificar o impacto junto às comunidades em que atuam.
DEPOIS DE EDUCAR O CONSUMIDOR, ELES QUEREM OFERECER ACESSO ÀS PANC
A ideia de focar não apenas em educação, mas também no fornecimento de PANC surgiu por causa da demanda de mercado e da vontade de escalar o negócio de forma a descentralizar um pouco o trabalho com a ajuda de colaboradores.
Participando de eventos, eles começaram a perceber, há dois anos, um interesse das pessoas em saber onde poderiam encontrar as plantas. Beatriz afirma:
“Demorou para as pessoas se sentirem encorajadas a consumir e começar, de fato, a cozinhar com estas plantas. Mesmo restaurantes e nutricionistas tinham medo de oferecer aos clientes e não ter aceitação. O mais comum era usar só uma flor como enfeite. E o que a gente quer é que elas sejam o prato principal”
Percebendo essa demanda, eles começaram a oferecer o acesso às PANC atuando como produtores e, principalmente, distribuidores de produtos.
Parte dos alimentos vêm do próprio quintal, onde cultivam mais de 30 espécies, como capuchinha, bertalha, maria-gorda, tanchagem, alfavaca, cará-moela, araruta e uva-do-mato.
Outros vêm de um sítio da família: espécies como hibiscos, feijão-espada, feijão-borboleta, peixinho, taioba, milhos crioulos, palma e mandacaru; lá, os sócios construíram uma estrutura para armazenar estes produtos.
A Mato trabalha ainda com ingredientes fornecidos por pequenos produtores da região de São José dos Campos e de lugares mais distantes, de biomas como o Cerrado e a Caatinga.
FORNECER A EMPRESAS E RESTAURANTES É UMA OPÇÃO PARA ESCALAR O NEGÓCIO
O faturamento em 2019 foi de 150 mil reais. Cerca de 20% vem do fornecimento de gêneros alimentícios para clientes como Sesc, Senac, Grupo Globo, Colégio Objetivo, além de estabelecimentos em São Paulo e São José dos Campos (como o Nibs Juice Bar).
Os empreendedores acreditam que dessa atuação pode vir a escala do negócio. Beatriz afirma:
“É difícil escalar com aulas, palestras e eventos, que são centralizadas na gente. A produção e distribuição nos permite colocar mais pessoas para trabalhar, tanto para produzir quanto para encontrar os produtores, vender esses produtos e, a partir daí, ganhar escala”
Para ajudar neste processo, desde janeiro a empresa está incubada no Nexus, o hub de inovação do Parque Tecnológico de São José dos Campos. O foco é o desenvolvimento de uma plataforma para gerenciar a logística de distribuição das PANC.
“Lá temos suporte de quem já tem experiência com logística, gestão de dados, marketing e vendas”, conta Beatriz.
O plano é ter um sistema que possa agilizar o fornecimento de produtos de qualidade, fortalecer toda a cadeia e permitir que Arthur e Beatriz possam se dedicar a levar o conhecimento sobre PANC para outros lugares por meio da marca Mato no Prato e encontrar mais qualidade de vida e tempo para a família.
“Falar de saúde para as pessoas, sair da oficina e ter que comer um pastel na esquina não faz sentido. E é para isso que estamos olhando. A ideia é fortalecer uma empresa e uma equipe que me dê tranquilidade para dar uma palestra por hobby para uma instituição que admiro sem pensar se vou conseguir pagar as contas do mês”.
O descarte incorreto de redes de pesca ameaça a vida marinha. Cofundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho mobiliza redeiras e costureiras caiçaras para converter esse resíduo de nylon em sacolas, fruteiras e outros produtos.
Aromática, sensível e difícil de polinizar, a baunilha é cobiçada por chefs de cozinha, mas o quilo pode custar até 6 mil reais. Com capacitação e repasse de parte do lucro aos produtores, a Bauni quer promover o comércio justo da especiaria.