Extrair conhecimento sobre o problema que se quer resolver é essencial na hora de montar um negócio.
No caso da Filho Sem Fila, o empreendedor Leo Gmeiner recorreu a uma fonte de informações riquíssima: o porteiro da escola onde os filhos estudam, em Santo André, no ABC Paulista.
Seu Everaldo, hoje aposentado, forneceu insights valiosos para a construção da plataforma, que agiliza o embarque e desembarque dos alunos, com ganhos de tempo e de segurança para pais e filhos.
“Eu sentava na portaria e perguntava: seu Everaldo, como você faz? ‘Primeiro a gente olha o carro, de longe já sei quem é aquela família… Daí chamamos o aluno pelo microfone…’. Ele ia me contando como lidava com todo esse fluxo no processo de saída para entregar a criança de forma segura”
Os feedbacks de Seu Everaldo também ajudaram a refinar a interface de portaria do aplicativo (área em que constam os responsáveis e adultos autorizados a levar as crianças).
“Eu rabiscava e perguntava: ‘Seu Everaldo, isso aqui faz sentido?’ E ele: não, assim fica difícil, não dá para a gente olhar a criança, botar a mochila no carro e usar isso… ‘Ok, vou simplificar’…”
SEGUNDO O EMPREENDEDOR, OS PAIS ECONOMIZAM 30 HORAS/ANO USANDO O APP
A Filho Sem Fila atende hoje 292 escolas de 23 estados do Brasil, abrangendo cerca de 40 mil alunos e 60 mil pais ou responsáveis que são usuários da plataforma.
Desde 2013, foram mais de 3 milhões de chamados — ou seja, 3 milhões de vezes em que um responsável acionou o botão do app que notifica a escola de que ele está a caminho.
Segundo o empreendedor, o uso diário do sistema traz uma economia de 30 horas por ano em tempo ganho na hora de deixar e buscar os filhos.
Agora, diante da retomada das aulas presenciais, a startup prepara novas funcionalidades para ajudar as escolas no desafio da Covid-19.
O NOIVO DA SECRETÁRIA VIROU O SÓCIO EM DUAS NOVAS EMPRESAS
Leo é jornalista de origem. Trabalhou com relações públicas na Inpress e depois fundou duas empresas: primeiro a Core, de comunicação corporativa, em 2003 (e posteriormente vendida); quatro anos mais tarde, a São Expedito, uma agência de marketing, que hoje não existe mais.
Por volta de 2008, 2009, um cliente da agência fez uma sondagem sobre um novo conceito: aplicativos. Leo foi pesquisar o assunto e estava atrás de alguém que dominasse o tema para apresentar ao cliente, mas não encontrava. “Brinco que naquela época os desenvolvedores estavam ‘trancados’ em algum lugar.”
Foi só um ano e pouco depois, em 2010 que ele descobriu que o noivo da secretária da sua própria agência era desenvolvedor.
“Eu perguntei: ‘Por que você não me apresentou ele antes?’ E ela: porque a gente não estava noivo ainda, eu não sabia se o relacionamento ia dar certo… [risos]. Era abril, perto do meu aniversário, então eu disse: ‘Convida ele para vir tomar uma cerveja na semana que vem’…”
Algumas cervejas e shots de tequila depois, Leo e Rubens Rodrigues, o noivo-desenvolvedor-que-virou-sócio, decidiram fundar a Intuitive Appz, uma empresa para desenvolvimento de aplicativos.
A Filho Sem Fila nasceria como um produto da Intuitive — até virar um spin-off.
UMA ESPERA “INTERMINÁVEL” PELO FILHO DEU ORIGEM À IDEIA DO APP
A ideia do aplicativo brotou na cabeça de Leo em maio de 2013. Na época, seus dois meninos (ele ainda tem uma filha, hoje adulta) estavam no Fundamental 1 e no Fundamental 2.
Leo e a mulher se revezavam na tarefa de pegar os garotos, que saíam da escola em horários diferentes, o caçula às 12h e o menino mais velho às 12h40; esse corre-corre era cronometrado no relógio.
“Tínhamos a rotina de pegar o mais novo, trazê-lo para casa e depois buscar o mais velho. Naquele dia, não sei o que aconteceu, mas passei 25 minutos só na fila. E ali, na espera, com meu filho ‘demorando pacas’ para sair, acabei pensando uma solução que envolvia tecnologia”
De imediato, a primeira ideia do Leo foi usar etiquetas de identificação por radiofrequência (RFID) — como aquelas usadas pelo Sem Parar, no pedágio — para ajudar a escola a saber que os pais estavam chegando. Assim, os alunos já seriam encaminhados para a saída.
“O Rubens logo disse que não iria funcionar: primeiro, porque somos uma empresa de software, e não de hardware, e o custo de manutenção seria muito alto”, diz Leo. “Além disso, eu teria de botar uma antena no vizinho um quarteirão antes [da escola], seria ridículo…”
A “CERCA VIRTUAL” IDENTIFICA QUANDO OS PAIS SE APROXIMAM DA ESCOLA
Os sócios da Filho Sem Fila optaram por uma solução mais inteligente: aplicar o conceito de geofences para estabelecer “cercas virtuais” em torno da escola (num perímetro de 600 metros, por exemplo).
O app identifica, por meio da geolocalização dos celulares dos pais, quando eles estão entrando no perímetro e se aproximando da escola (por questão de privacidade e segurança, a startup não rastreia a localização exata).
O projeto-piloto foi realizado no colégio dos filhos de Leo, em 2013. Ele conta que, de cara, subestimou o desafio de empreender um negócio voltado para escolas:
“Achava que ia ‘nadar de braçada’, já tinha vendido projeto para Disney Pixar em três meses… Mas não foi moleza. Escola é um tipo de empresa muito peculiar, são educadores que se tornaram empreendedores. O fundador está presente no dia a dia, participa de todas as tomadas de decisão”
Enquanto pilotavam e aprendiam como se relacionar comercialmente com o colégio, eles testavam precificação oferecendo a solução para outras escolas. Em meados de 2014, conquistaram o primeiro cliente mais relevante, o Colégio São Luís, em São Paulo, que ajudou a abrir portas.
O valor médio mensal cobrado dos clientes é de R$ 1,60 por aluno. O espectro do perfil socioeconômico é amplo, diz Leo.
“Temos clientes nas duas pontas, desde o Avenues, mais elitizado, até o Peter Pan, uma escola pequenininha em Barueri, onde o gestor de TI era o sobrinho dos donos da escola.”
GRAÇAS AO FEEDBACK, ELES SE VIRAM COMO UMA SOLUÇÃO DE SEGURANÇA
Feedback é fundamental. “Em termos de desenvolvimento de software, 90% das funcionalidades foram baseadas no que os clientes começaram a pedir”, diz Leo.
Entre essas soluções incorporadas a partir de pitacos de clientes e usuários, ele cita o registro de entrada do aluno (antes, o app era usado só na saída), o uso de QR Code para liberar o acesso de pedestres à escola e um aplicativo para os alunos mais velhos fazerem seu “auto check-in” ao chegar.
Num primeiro momento, a Filho Sem Fila se via como uma solução exclusivamente de logística. Essa percepção mudou.
“Em 2015, as próprias escolas e pais começaram a enxergar a Filho Sem Fila como uma solução de segurança, pela diminuição de risco tanto da criança sair com uma pessoa não autorizada quanto do pai, que fica menos tempo exposto. Conseguimos reduzir em até 75% o tempo de espera”
A startup também vislumbrava a ideia de evoluir como uma plataforma de agenda escolar digital. Mas à medida em que soluções desse tipo despontavam, os sócios decidiram não competir nesse nicho. “Hoje temos parcerias com alguns players.”
A ACELERAÇÃO NO CANADÁ DEU ORIGEM A UM APP DE TRANSPORTE ESCOLAR
Leo conta que, lá atrás, uma reportagem sobre a Filho Sem Fila no programa AutoEsporte, da Globo, despertou a atenção da Ford.
“No dia seguinte ao programa, eles procuraram a gente para integrar o app com o sistema do computador de bordo, o Ford Sync. Desenvolvemos essa integração que habilita a chamar a Filho Sem Fila por comando de voz.”
Em 2016, os sócios fizeram as malas para vivenciar sua primeira aceleração: foram dois meses sendo acelerados pela Launch Academy, em Vancouver, no Canadá.
Visitando uma escola local para vender a solução, eles ouviram do diretor financeiro que, lá, os pais não tinham pressa para buscar os filhos, pois havia muita vaga no entorno, mas que a solução poderia resolver outro problema…
“Sempre que um ônibus escolar atrasava, eram 40 pais e mães telefonando. A escola tinha de contatar a empresa terceirizada para passar um rádio para o motorista e depois telefonar para os pais explicando o porquê do atraso… E o diretor entendeu que as cercas virtuais poderiam ser úteis nesse sentido”
Assim, a Filho Sem Fila desenvolveu um piloto com a escola canadense que deu origem a uma ferramenta à parte, um aplicativo de monitoramento do transporte escolar, hoje também disponível no Brasil.
A EMPRESA INTERNACIONALIZA-SE COM REPRESENTANTES COMERCIAIS
De lá para cá, vieram outras acelerações: InovAtiva Brasil, Acelera Fiesp e dois ciclos internacionais com a Startout Brasil, em Paris e Toronto, que permitiram conhecer e testar os ecossistemas locais.
Essas experiências internacionais deram repertório para a Filho Sem Fila desenhar sua expansão. “Entendemos como agir em cada mercado, buscando representantes comerciais locais, em vez de tentar ‘rodar’ por conta própria.”
O modelo não emplacou em Paris, diz o empreendedor, mas começa a dar frutos em outros cantos. A startup está presente hoje em Assunção, Montevidéu, Nova York e Vancouver, com uma escola-cliente em cada cidade.
“Por características culturais e de segurança pública do Brasil, onde as crianças têm menos autonomia, a gente começou a se preocupar com essas questões antes. Sei porque estou falando com esses países há algum tempo”
Ao todo, a Filho Sem Fila já captou 450 mil reais, incluindo uma rodada-anjo e investimentos decorrentes de acelerações.
O aporte mais recente foi feito pela Bossa Nova, na esteira de uma participação da startup no Conecta, programa de aceleração da Confederação Nacional do Transporte (CNT) com apoio da BMG UpTech.
A STARTUP REAGIU À PANDEMIA COM WEBINARS PARA TROCAS DE EXPERIÊNCIAS
A pandemia fechou as escolas e trouxe desafios ao negócio.
“Tivemos algumas renegociações com clientes que pediram o abrandamento de pagamentos. Rompimentos de contratos, foram só três, incluindo um caso em que a escola infelizmente quebrou.”
Para não ficar de braços cruzados nesse período, a startup começou a promover webinars com diretores e profissionais de escola, gerando trocas de experiências e aprendizados nessa transição das aulas presenciais para o online.
Leo estima em mais de duas dezenas o número de eventos virtuais. “Isso nos permitiu nos aproximar mais dos clientes, entender as dores que eles tinham, os ‘incêndios’ que precisavam apagar…”
Essa maior proximidade com as escolas num momento penoso tem sido importante para ajudar a Filho Sem Fila a desenvolver novas funcionalidades, de olho na retomada das aulas presenciais.
UM QUESTIONÁRIO PARA MAPEAR SINTOMAS ANTES DO ALUNO SAIR DE CASA
A maioria absoluta das escolas, senão a totalidade, diz Leo, deve adotar o modelo híbrido, com rodízio de alunos em sala para preservar o distanciamento.
Só o distanciamento, porém, não basta. A startup incorporou no aplicativo um questionário de sintomas da Covid-19:
“O questionário é atrelado à ferramenta de check-in do app. O pai preenche e o sistema já informa: ‘com esses sintomas, por favor, não leve a criança para a escola, ela pode comprometer a saúde da comunidade escolar…’ Também disponibilizamos essa ferramenta para os funcionários do colégio”
A mesma solução, explica Leo, trava o check-in antecipado do aluno caso o pai se confunda sobre o dia de levá-lo à escola. “O sistema consegue mostrar: hoje não é o dia de levar seu filho, será na semana que vem.”
Mesmo com a crise, a empresa espera fechar o ano com até 350 colégios e mais de 140 mil usuários.
“Começamos a escutar dos clientes e dos prospects: antes da pandemia, a Filho Sem Fila era uma solução legal de ter. Agora, virou fundamental.”
Quem concorda é Seu Everaldo, o antigo porteiro e “fornecedor de insights”. “Ele dizia: ‘Leo, agora não dá mais para fazer processo de saída sem o Filho Sem Fila… Ajuda tanto que fazer sem virou um martírio!’”
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