Cinco anos atrás, o ecossistema de inovação e empreendedorismo do Brasil era diferente, bem menos fervilhante.
A paisagem, porém, logo sofreria transformações tectônicas. Naquele ano, Itaú e Redpoint eVentures inauguravam, em um prédio de seis andares na Vila Olímpia, o Cubo, uma plataforma de inovação aberta para gerar negócios entre startups e corporações.
Publicamos nossa primeira reportagem sobre o Cubo há cinco anos, em setembro de 2015, quando o empreendimento estava abrindo as portas.
De lá para cá, o Cubo cresceu, mudou-se (em 2018) para um prédio maior, de 13 andares, e tem hoje um portfólio com mais de 200 startups — escolhidas mediante processo seletivo — e 27 empresas mantenedoras, como Dasa e BrMalls, que mantêm andares dedicados a verticais de saúde e varejo.
Pedro Prates, 32, entrou no Itaú como trainee em 2011 e, poucos anos anos depois, foi uma das cabeças que bolaram e tiraram esse projeto do papel. Depois da abertura, se desligou temporariamente do Cubo para fazer um MBA e tocar a frente de pagamentos digitais e desenvolvimento de novos negócios do banco.
Desde 2019, Pedro está de volta ao Cubo, agora como co-head. A seguir, ele fala sobre os bastidores do projeto, sua evolução, o amadurecimento do ecossistema empreendedor e os impactos da Covid-19.
Você entrou no Itaú como trainee e pouco depois já estava liderando a criação do Cubo. Como foi essa jornada e como surgiu esse insight?
Sou carioca, formado em Economia — nada a ver com tecnologia. Assim que me formei, passei no trainee do banco, me mudei para São Paulo e comecei na área de Novos Negócios/M&A Proprietário, em 2011.
No meu primeiro ano, morei no Chile, olhando teses de investimento para aquisições, para crescermos a base de cliente por lá. Depois, morei no Uruguai para estruturar uma operação do zero, uma joint venture com o Grupo Telefónica. Voltei para o Brasil em 2013, já numa posição de gestão na área de Novos Negócios.
Na época, eu pensava: a válvula de crescimento do Itaú sempre foi executar o negócio de forma eficiente e comprar outros bancos. É uma análise simplista, tem várias formas de crescer… Mas bem na minha época, não havia mais banco para comprar no Brasil… Como sustentar então o crescimento?
Comecei a ver novos entrantes, as famosas fintechs. Na época, elas eram vistas como uma ameaça: o que é desconhecido a gente encara com um pouco de pé atrás…
Então, eu e outros dois ex-trainees, um que estava no jurídico e outro no digital, propusemos um modelo de corporate venture capital, um veículo de investimento em startups. A tese era: o crescimento vem de fato da inovação.
Eu tinha 25 anos e estava pedindo 100 milhões de reais para tocar o fundo. O banco respondeu: sua tese faz todo o sentido, mas volte com um plano menor para tatearmos esse mercado.
Como vocês conseguiram desenhar e tirar esse plano do papel?
Saí da área de Novos Negócios e fui para a área de tecnologia responsável por tirar essa empresa do papel. Esses meus dois amigos tinham ido estudar fora, enquanto isso, a Erica Jannini estava de volta de um MBA em Stanford. Ficamos então numa salinha desenhando o que seria o modelo do Cubo.
O primeiro grande acerto foi entender que a gente não entendia nada desse mercado. Nos juntamos então a quem de fato entendia. E quem melhor do que os fundos de venture capital, que precisam saber reconhecer boas startups para ganhar dinheiro?
Nos juntamos à Redpoint e fomos eu, Erica e Rodrigo [Baer], sócio da Redpoint, atrás de benchmarks: viajamos ao Vale do Silício, Nova York, Londres, Irlanda, Israel, China, países que estavam 10, 15 anos na nossa frente como ecossistemas mais desenvolvidos para startups.
E aí entendemos a principal lacuna de mercado no Brasil: a serendipidade. Precisávamos de um local que concentrasse bons empreendedores, corporações buscando transformação digital e investidores — e dessa junção, a gente geraria conexões e bons negócios, participando e aprendendo um papel de protagonista.
Essa foi a lógica do Cubo. Era uma hipótese na época, a gente “atirou no que viu e acertou no que não viu”. E assim criamos essa associação sem fins lucrativos cuja missão é transformar o Brasil através do fomento ao empreendedorismo tecnológico.
Que outros acertos você acredita que foram decisivos para o projeto?
Desde o início, construímos o que para mim é o principal ativo do Cubo: a nossa curadoria. Tinha muita gente querendo fazer parte da comunidade, porque viram valor na nossa proposta, então começamos a gerar uma lógica de escassez, com processo seletivo e critérios muito bem definidos.
E isso gerou um ciclo virtuoso: os melhores queriam fazer parte, os melhores eram aprovados, os outros sabiam que os melhores estavam dentro do Cubo… Virou uma chancela, tanto para os empreendedores quanto para as corporações que queriam conhecer as melhores startups do Brasil
No limite, as duas coisas que a gente faz são curadoria e conexão. Desde sempre, sabíamos que não queríamos ser aceleradora, consultoria, incubadora… Queríamos era selecionar os melhores e botá-los para conversar. E fizemos isso muito bem.
Outro acerto: mesmo sendo uma iniciativa Itaú e Redpoint, a gente já sabia que tinha que ser uma plataforma aberta. Um projeto de vários [players] juntos, para virar de fato um centro de gravidade do empreendedorismo tecnológico na América Latina. Então, desde o começo já tínhamos grandes empresas como mantenedores.
O que te trouxe de volta ao Cubo em 2019? E qual era o desafio naquele momento?
O grande motivo de voltar foi meu apego pessoal como cofounder ao projeto. O potencial que o Cubo tem para gerar é gigante. Conversando com os conselheiros que me fizeram o convite, meu desafio era: como continuar crescendo nossa relevância de forma exponencial? Foi isso que “brilhou meus olhos”, é um megadesafio.
Cada vez mais, e a Covid só veio acelerar todo esse processo, a transformação digital como core da estratégia não será exclusividade de nenhum executivo… O acionista cobra isso, o sócio cobra isso, até os colaboradores cobram isso.
Se você é uma empresa comprometida com o longo prazo, com os próximos 10, 15 anos, e não só focada no último quarto ou no próximo quarto, você precisa colocar a transformação digital no centro da sua estratégia.
Uma empresa tradicional, do ramo que for, precisa se reinventar. Ontem, estava vendo o gráfico das ações da GE, que 20 anos atrás era uma das empresas mais valiosas do mundo… A relevância dela se reduziu a pó. Então essa é a lógica: como você se mantém em transformação para não sair do lugar [no topo]?
São desafios interessantes. E para mim, a inovação aberta pode ser um grande acelerador dessa transformação. A tese do Cubo continua mais viva do que nunca — e o potencial de crescimento dela é muito grande, maior até do que eu via lá atrás.
Empreendedorismo é um tema fervilhante, mas tem muita startup que é mais uma ideia do que um negócio. Como você vê o amadurecimento desse ecossistema?
Essa visão é perfeita, e isso é um pouco do que o Cubo faz: separar, em escala, “o joio do trigo”. De fato, está cheio de ideia por aí… Mesmo assim, o nosso ecossistema empreendedor vem crescendo de forma exponencial. No ano passado, criamos mais unicórnios do que todos os países, a não ser China e Estados Unidos.
Vejo o Brasil como um “prato cheio” para empreendedores e investidores em startups. Com a taxa de juros caindo, cada vez busca-se investimento com mais risco atrelado, em bens privados. A gente vê a quantidade de CPFs entrando na Bolsa, e os fundos de venture capital se multiplicando tanto em quantidade quanto em captação…
O que importa para uma startup dar certo? Sendo megassimplista: infraestrutura tecnológica, um bom empreendedor, tamanho de mercado e a solução para um problema real. Se esse problema for grande e o empreendedor souber executar [a solução], o potencial financeiro é gigantesco
Agora pense no tamanho de mercado do Brasil, a quantidade de problemas estruturais que a gente tem para resolver… E o momento fervilhante que estamos passando em termos de regulamentação… Tanto de setores mais concentrados, como o bancário, quanto em outros que precisam se transformar, como a medicina.
Essas mudanças estruturais trazem um potencial de disrupção muito grande. E temos ainda outro pilar nesse cenário Brasil: as grandes empresas precisando olhar para a transformação digital, vendo novos entrantes e reduzindo barreiras para colaboração.
Como a pandemia vem impactando a operação e a estratégia do Cubo? E como você vê as perspectivas do ecossistema?
A história do Cubo no Covid se confunde com a história do ecossistema empreendedor na pandemia. O que aconteceu? Primeiro, um choque de liquidez: parou de entrar dinheiro — então corta o custo. A notícia feia e real é que teve muito desligamento em empresas sem infraestrutura para aguentar uma perda tão brusca de receita.
Não somos um business de real state, somos um business de comunidade. Nesses cinco anos, criamos o maior portfólio curado [de startups] da América Latina, esse é o nosso principal ativo. De nada adianta sairmos da crise com o caixa protegido se as startups não saírem conosco lá no “fim do túnel”
Então o primeiro ponto foi: como a gente ajuda as startups em crise de liquidez nesse momento? E aí cortamos a 10% um dos custos que elas tinham com o Cubo.
Quando fiz isso, cortei meu caixa, e a crise veio para mim. Então, o momento dois foi de gestão de liquidez, gestão de caixa, olhamos todas as nossas 18 linhas de custo…
Em seguida, o foco foi: como a gente continua gerando valor para as startups de forma única e exclusivamente digital? O ponto positivo é que já tínhamos feito investimentos nas nossas plataformas digitais, então estávamos preparados para isso sem saber.
E foi muito legal, porque os negócios entre startups e corporações, os encontros para debater temas específicos, tudo isso continuou acontecendo… Além disso, tivemos outras startups aprendendo a lidar com um crescimento de 200% ao mês, porque são aquelas com soluções tecnológicas que resolvem problemas gerados pela pandemia.
Medimos a satisfação dos nossos beneficiários e o NPS nunca foi tão alto na história do Cubo. Mostra que as startups e as empresas entenderam o momento difícil e o valor que a gente continua entregando, mesmo sem prédio.
Enfim, mudamos modelos, criamos o membership para startups, soubemos nos adaptar. Olhando para a frente, temos dificuldade de curto prazo como todas as grandes empresas, mas o potencial é muito grande. E quem melhor para se adaptar com agilidade às novas realidades do que as startups?
Tanto grandes empresas quanto startups vão ter que enfrentar mudanças. Mas as startups, pela sua infraestrutura leve, pelo seu tamanho, são mais rápidas [nessa adaptação]. Paradigmas caíram, grandes corporações tiveram que aprender a fazer MVP “na veia”… Por tudo isso, acho que o ecossistema será cada vez mais relevante.
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