No centro de uma polêmica recente que levou o presidente Donald Trump a ameaçar banir seu uso nos Estados Unidos (sob acusação de vazar dados para o governo chinês), o TikTok é um fenômeno global.
O aplicativo de compartilhamento de vídeos foi lançado mundialmente em 2017 pela chinesa ByteDance (que depois adquiriu e incorporou outro app à plataforma, o Musical.ly, já conhecido no Ocidente). Em abril deste ano, alcançou a marca de 2 bilhões de downloads.
É nesse contexto que surgiu, também em abril, a Nice House, um projeto de marketing de influência e criação de conteúdos com foco no TikTok. À frente estão quatro jovens, todos com menos de 30: Gustavo Meira, Victor Choi, Willian Amaral e Mari Galindo.
“A gente brinca que somos o BBB do TikTok”, diz Gustavo, 23, CEO e founder do projeto. A piada se explica. Inspirado por um benchmarking californiano, a Nice House lançou uma campanha de audições pelo TikTok para escolher sete influencers que vão co-habitar uma casa em São Paulo e produzir conteúdos para marcas.
As marcas, aliás, foram envolvidas já nessa fase de audições. Numa etapa, os influenciadores pré-escolhidos tiveram o desafio de criar vídeos promovendo fondues do Outback e sincronizações em cima de um áudio do filme mais recente do Scooby-Doo, lançado pela Warner Bros.
Ao todo, segundo Gustavo, foram mais de 10 mil inscritos e 70 milhões de views em dois meses de campanha.
O processo continua rolando, e o único critério, diz o CEO, é o talento de cada influencer. A expectativa é que os sete sejam definidos e ocupem a casa (sua localização exata é um segredo) a partir de outubro, após um período de quarentena por conta da Covid-19.
A seguir, o empreendedor fala sobre o projeto da Nice House e o desafio de ajudar as marcas a desbravar o TikTok.
Como foi sua trajetória antes de empreender a Nice House?
Nasci em Itapeva, no interior de São Paulo. Minha mãe é diarista, a gente levou uma vida simples desde sempre. Tive meu primeiro computador com uns 13 anos. Comecei a pesquisar a internet, e como bom capricorniano, pensei: como consigo construir um negócio nisso aqui?
Com 15, 16 anos, criei sozinho um projeto, o Paraíso dos Nerds, uma loja virtual.
Nessa época, o meu quarto era ocupado pelo meu computador e um estoque de caixas de produtos geekie… Eu sabia que action figures eram muito caras no Brasil, então comprava em grande quantidade da China e revendia no meu site
Na minha carreira participei do iniciozinho da Stone, que hoje é um dos unicórnios. A Stone me formou como profissional, me desenvolveu, foi uma ótima escola para mim — tanto que não sou formado, não fiz faculdade. Depois, cuidei da parte de branding do Luiza Labs, de inovação) do Magazine Luiza, trabalhei na XP Investimentos…
Todo esse tempo, sempre tive uma veia forte quanto a empreender, e principalmente a trabalhar com comunicação, mídias sociais, e focando em produzir conteúdos legais.
Como surgiu a ideia de empreender a Nice House? Qual foi sua inspiração?
A Nice surgiu num momento bem delicado de pandemia, todo mundo vidrado com muita notícia ruim acontecendo… E a gente viu no TikTok uma possibilidade de gerar um escapismo, um entretenimento num momento tão difícil como esse.
Na época eu trabalhava na XP, que fica no mesmo prédio da ByteDance, a dona do TikTok. Eu tinha alguns amigos lá e sempre olhava o trabalho deles e via que tinha muito espaço — e o quanto o TikTok estava crescendo…
Nos inspiramos em dois modelos principais, que já funcionam em outros países. Um delas era a The Hype House, basicamente a casa com os maiores TikTokers do mundo. Eles moram numa mansão em Los Angeles, onde a única missão deles é produzir três tiktoks por dia
Essa foi uma grande inspiração. Outra foram as content houses voltadas para games. Vários times, hoje, têm um modelo muito legal de viver do seu trabalho — e a gente se inspirou nesses modelos.
Conte como funcionam as audições?
Nosso objetivo foi criar um processo de audição para encontrar não só os TikTokers que tivessem os maiores números — mas aqueles que tivessem, principalmente, muito talento.
O impacto que estamos trazendo para os criadores é completamente diferente do que a gente vê no mercado hoje.
Esses creators que vão morar na casa com a gente vão ter acesso a produtor musical, filmmaker, editor de vídeo… Toda uma estrutura para que ele consiga evoluir cada vez mais a sua produção de conteúdo
Então a gente opera como um ecossistema super preparado para fazer essa conexão entre marcas e influenciadores de uma maneira melhor do que vem sendo feita hoje.
Como é hoje a relação das marcas com o TikTok?
O super alcance do TikTok, o crescimento gigante, geraram uma ansiedade no mercado. Mas por mais que algumas marcas tenham chegado ao TikTok, elas ainda não conseguem falar a linguagem que o app se propõe, de vídeos curtos.
Muitas vezes vemos superproduções tentando replicar um modelo antigo de fazer campanhas em redes sociais que não funciona no TikTok. E quem melhor para entender como sua marca deve se posicionar no TikTok do que os próprios TikTokers, que estão na plataforma desde o início?
Então o legal da Nice é justamente isso: a gente coloca o criador muito próximo das marcas para evoluir ambos num trabalho conjunto.
O próprio slogan do TikTok [For Business] — don’t make ads, make TikToks — já traz a ideia de colocar realmente o criador de conteúdo no centro.
Quais os principais desafios que vocês enfrentam nessa relação?
O principal desafio que a gente enfrenta é mostrar o criador do conteúdo, o influenciador, não como uma mídia, não como só alguém que vai replicar e fazer parte da campanha por conta dos números que tem o seu perfil, e sim pela qualidade do seu conteúdo e enxergar o criador como ponto central em qualquer campanha que a gente queira desenvolver.
O TikTok é muito legal porque funciona com base em um algoritmo: se você tem um conteúdo que é relevante, que as pessoas gostam de assistir, vão te recomendar independente do seu número de seguidores
Outro desafio é que o TikTok é muito novo, então as marcas estão ainda receosas de investir, de entender as métricas, as propostas de conteúdo… E você precisa entender muito bem esse formato para se dar bem na plataforma.
Algumas coisas do mercado de influencers já eram extremamente engessadas, às vezes o influenciador recebia o texto do ‘publi’ pronto, com uns placements totalmente sem contextualização…
A gente não quer isso, não é dessa forma que o influenciador deve funcionar. Queremos criar uma fórmula em que o criador esteja no centro de qualquer campanha, e que valorize o conteúdo acima dos números e acima da mídia.
Como criar campanhas com potencial de viralização?
O TikTok é basicamente uma comunidade de pessoas que compartilham os mesmos gostos. E quando a gente pensa nisso, o mais importante na hora de pensar uma campanha para o TikTok é pensar no seu potencial de replicação.
A gente brinca que temos facilidade em criar viral porque sempre temos que pensar no conteúdo com potencial de replicação.
Um case bacana foi o trabalho que fizemos com a Warner Bros para o lançamento do filme do Scooby-Doo. Era um áudio de dublagem de um trecho icônico do filme; mais de seis mil pessoas replicaram esse vídeo organicamente, e impulsionaram ainda mais a hashtag
Os primeiros milhões [de views] que a gente conseguiu só com os nossos influenciadores foram muito mais potencializados pela força das comunidades que eles trazem junto deles, para realmente ter um conteúdo replicável e que faça sentido.
O principal é isso: ter conteúdos com capacidade de viralização — então: dublagem [sincronização], gamificação… Tem vários elementos aí que convidam esses usuários a se engajarem junto aos desafios e amplificar organicamente as campanhas.
Como é o modelo de negócio da Nice House?
São dois modelos. Um deles é de empresas mantenedoras, com marcas parceiras que contribuem mensalmente. Desenvolvemos campanhas pensando em como vincular cada marca aos TikTokers mais legais.
Desde o princípio, a gente sempre teve claro que só queria se vincular e estar próximo de marcas que realmente tenham fit com nossos valores e realmente enxerguem o valor que a gente está querendo trazer
Trabalhamos também com campanha pontuais. Ou seja, além dos cliente fixos, fazemos campanhas sazonais, pontuais para clientes que buscam a gente para desenvolver essas estratégias focadas no TikTok.
Vocês têm algum apoio da ByteDance, a dona do TikTok?
Não, o TikTok Brasil não nos apoia. Somos um projeto independente. Acho que a ByteDance no Brasil precisa evoluir bastante a operação ainda, porque a gente acaba não tendo suporte por parte dela.
De qualquer forma, a Nice House é um projeto que veio para funcionar em qualquer plataforma. Estamos focados principalmente nesse formato de vídeo — e não necessariamente em qual app vai ser publicado.
O que você imagina para o futuro da Nice House?
A gente tem pensado muito sobre como o nosso negócio se tornou tão grande nesse tempo que não é só mais uma content house… Acabamos virando uma plataforma de entretenimento para toda a galera da Geração Z que gosta desse tipo de conteúdo, valoriza esses creators…
O ponto principal que eu enxergo para a Nice House é: o quão mais a gente consegue estar presente na vida dessa Geração Z?
A gente sabe que a Geração Z dita muitas tendências… O TikTok acaba sendo o principal exemplo disso.
As pessoas conheceram o TikTok por conta das comédias, das dancinhas… Hoje, a plataforma é muito mais do que isso. E a gente quer acompanhar essa evolução e criar conteúdos que conectem de verdade
Nosso objetivo é ser uma plataforma de entretenimento para a Geração Z. O foco agora é investir na frente de tech e pensar nas próximas content houses que vamos lançar. Acho que a Nice é boa demais para ser uma só.
Pioneiros do podcast muito antes do estouro desse formato, Alexandre Ottoni e Deive Pazos venderam o Jovem Nerd para o Magalu, mas seguem na operação. E agora realizam um antigo sonho: o lançamento de seu primeiro videogame.
Artur Santoro, sócio da Batekoo, fala sobre a evolução do projeto: do começo como uma festa-resistência para o público negro e queer de Salvador até se tornar uma plataforma nacional que fomenta suas comunidades com cultura e capacitação.
Entre criar um canal e bombar como influenciador há um longo caminho. Lucas Continentino, Pedro Gelli e Vitor Rabello lideram a Curta, uma empresa voltada a profissionalizar youtubers do mercado gamer e expandir suas fontes de receita.