por Flávia Tafner
O que fazer ao descobrir o diagnóstico de uma doença degenerativa?
Existem duas possibilidades: uma é desistir e a outra, viver.
Foi com a segunda opção que resolvemos ficar quando Claudio, meu marido, recebeu o diagnóstico de ELA, há dez anos, em outubro de 2010
A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença degenerativa que paralisa os músculos gradativamente, mas mantém a mente totalmente sã.
Não existe cura. Os tratamentos são apenas tentativas de manter a qualidade de vida do paciente.
DEPOIS DE CONSULTAS SEM RESPOSTAS, O DIAGNÓSTICO CHEGOU DE FORMA BRUSCA
Durante quase um ano, meu marido procurou saber sobre algumas câimbras, formigamentos e fraquezas que estava sentindo.
Nada fazia sentido; ninguém dava uma resposta concreta. Tudo parecia estranho e obscuro. Procurávamos respostas e nada aparecia.
Até que finalmente foi pedido um único exame que detecta a perda de neurônios motores, uma eletroneuromiografia.
Me lembro que vi o resultado do exame e corri para o DR. Google. As descrições que li foram devastadoras: o prognóstico é de seis meses a dois anos. Chorei, me revoltei, me indignei — e parei para pensar
O que fazer agora? Eu estava com 43 anos e meu marido, com 48. Como lidar com isso?
Pensamos também nos nossos filhos,. Sérgio tinha 19, fazia Unesp em Botucatu. Tatiane, aos 14, se preparava para fazer intercâmbio.
Os nossos sonhos, as nossas vidas… Como ficariam?
A MÉDICA FOI INSENSÍVEL, MAS ME MANTIVE FORTE PARA AJUDAR MEU MARIDO
Resolvi acompanhar meu marido na consulta. Estava preocupada com o que poderia acontecer ao receber o diagnóstico.
A médica foi sucinta e direta: “Tome conta de sua vida cível o quanto antes, pois essa doença não tem cura, não tem tratamento e normalmente os pacientes vivem no máximo 6 meses”.
Quase matei a médica. Mas precisava me manter centrada por causa do meu marido
Ele ficou uns dois minutos sem falar nada.
A médica perguntou se tínhamos alguma dúvida; antes mesmo de nos manifestarmos, ela se levantou e nos colocou para fora da sala.
DECIDIMOS BRIGAR COM A DOENÇA. MAS UM ACIDENTE PIOROU A SITUAÇÃO
Saímos de lá, paramos o carro na Lagoa do Taquaral, aqui em Campinas, onde vivemos. Choramos juntos durante quase uma hora.
Sem falar nada, sem nos olharmos. Apenas chorando abraçados.
Passado algum tempo, levantei minha cabeça, olhei para ele e disse: “Nós vamos brigar com a ELA com todas as nossas forças”. Esse pacto se desenvolveu e se tornou: “VAMOS VIVER COM ELA”
A progressão da doença estava suave até janeiro de 2014.
Antes do diagnóstico, Claudio era empreendedor, tinha uma transportadora. Era um negócio estável e promissor. Com o tempo, tudo ficou mais difícil. E ele acabou fechando a empresa para focar no tratamento.
Até que, no dia 23 de janeiro, meu marido sofreu uma queda de três degraus e, com isso, um traumatismo craniano. Ficou na Unicamp internado por quase dois meses, 22 deles em coma.
Durante o coma, os médicos me chamaram várias vezes para dizer que ele não acordaria. Mas um belo dia, para a surpresa de todos, ele acordou
Daí surgiu o apelido Highlander, dado pela nossa cardiologista. Claudio estava superando todos os prognósticos possíveis.
SEM PRIVACIDADE, A VIDA VIROU PELO AVESSO. ACABAMOS TROCANDO DE CASA
Depois, veio uma nova fase de adaptação. Com dificuldade para respirar e se alimentar, ele saiu da Unicamp com traqueostomia e gastrostomia.
Isso tudo acompanhado de Home Care, que nos fornece serviço de enfermagem 24 horas por dia, e outros tantos profissionais para ajudar no tratamento.
Nossa vida virou de cabeça para baixo. Um recomeço com tudo novo e diferente. Privacidade deixou de existir em nossa casa. Aliás, até mudamos de casa, para nos acomodar melhor
O tempo foi passando, briga daqui, briga dali. Faz campanhas de pizza, de bolo, de fraldas, almoço beneficente… Tudo para arrecadar fundos e pagar o tratamento.
CLAUDIO FOI FICANDO FRUSTRADO… ATÉ QUE COMEÇOU A ESCREVER UM LIVRO
Corre atrás de uma coisa e de outra. Leva aqui e leva ali, tenta achar tratamentos alternativos, assim como suplementos alternativos.
Claudio, porém, começou a ficar frustrado, sem motivação. Foi perdendo a razão de viver.
Por sorte nossa, ele começou a ser acompanhado por uma excelente Terapeuta Ocupacional, que teve um insight. Ela sugeriu para ele colocar no papel o que estava sentindo. Nasceu assim a ideia do livro Perder as Asas – Vivendo com E.L.A.
Mas como escrever se não podia mais mexer as mãos?
Bem, ela arrumou um jeito: conseguiu fazer com que Claudio fosse dedilhando letra por letra em um iPad.
Nada era fácil. Alguns dias ele estava mais cansado, e aí tudo ficava mais difícil.
Claudio, porém, não desistiu do projeto. Mesmo depois que a terapeuta precisou deixar de atendê-lo, por motivos de saúde.
Como acreditamos que Deus sempre provê, outra terapeuta apareceu para ajudar. E a cada dia, o motivava mais a escrever.
DEPOIS DE PUBLICAR O PRIMEIRO LIVRO, ELE COMEÇOU O SEGUNDO. COM OS PÉS
O próximo passo foi achar alguém que abraçasse a causa da editoração do livro.
Claudio lembrou de um amigo do clube que éramos sócios. Entrei em contato e, na hora, ele topou.
Entre o dia em que conversamos pela primeira vez e o lançamento se passaram apenas cinco meses.
O livro é ilustrado com desenhos que Claudio fazia na época de solteiro, quando jovem. Ao ver a obra pronta, sentiu muita vontade de desenhar novamente, colocar aquele dom para fora.
Nesse momento, surgiu outro desafio da Terapeuta Ocupacional.
Nós havíamos começado a adaptar a escrita dele com o pé no iPad, pois ele ainda tinha — ainda tem — movimento dos pés, e um pouco das pernas. E não é que deu certo?
Ele começou a produzir desenhos lindos. E ao mesmo tempo trabalhava no segundo livro.
Tudo ia caminhando. Nosso filho se formou em 2017; nossa filha estava indo para o último ano de faculdade.
Foi aí que tivemos outra grande surpresa.
PRECISEI CONVENCER MEU MARIDO A SE INTERNAR E ENFRENTAR UMA CIRURGIA
Claudio começou a passar muito mal, tendo crises de falta de ar.
Achávamos que era somente a evolução da doença. Um dia ele estava bem, em outro tínhamos que chamar médico e ambulância para socorrer.
Até que, em março de 2018, a situação ficou muito séria. Tivemos que removê-lo para o hospital.
Mas o que fazer se ele tinha escrito um Testamento Vital?
Esse documento informa a vontade do paciente em caso de evolução da doença. No seu Testamento Vital, Claudio afirmou que não queria ser removido para um hospital. E eu sou a única pessoa que poderia dar a ordem para remover ou não
Com muita conversa, conseguimos convencê-lo que o melhor era ir para o hospital. Após alguns exames, o médico disse: “Não sei ao certo o que está acontecendo, mas se ele não operar nas próximas 72 horas, vai morrer”.
Como Claudio é consciente, perguntei para ele o que queria, a fim de dar voz à sua vontade. Ele afirmou que não queria ser operado.
Ele já estava muito mal quando entrei na UTI e perguntei mais uma vez. E nesse momento, ele disse sim.
A cirurgia foi para a remoção de todo o intestino grosso, que já não funcionava mais adequadamente.
Agora, Claudio tinha que usar uma bolsa de ileostomia, para a coleta de fezes.
Foi uma fase muito difícil, cerca de seis meses. Ele não aceitava o uso da bolsa, e tudo ficou complicado.
Mas, com a ajuda da terapeuta, da psicóloga e de outros anjos que passaram pelo nosso caminho, meu marido foi se ajustando à nova condição.
COM AS POSTAGENS, MOTIVAMOS OUTRAS PESSOAS A SEGUIR EM FRENTE
Em meados do ano passado, sem nenhum intercorrência mais séria, começamos a amadurecer a ideia de lançar o segundo livro. E deu certo, desta vez com os desenhos feitos com o pé.
Ainda sem Asas – Vivendo com E.L.A foi lançado em outubro de 2019.
A publicação é mais uma conquista extraordinária da perseverança e dedicação do Claudio, ou Nenão, como ele gosta de ser chamado.
Além disso, criamos juntos um site para divulgar os livros do Claudio e a nossa história.
No Vivendo com Ela, compartilhamos várias informações e conseguimos atingir quase 3 mil pessoas.
Hoje em dia focamos mais nas divulgações pelo Instagram, pois conseguimos atingir mais gente.
Creio que, com as postagens, motivamos outras pessoas a viver além do diagnóstico de uma doença degenerativa.
Durante esses dez anos de convivência com a ELA, tivemos momentos felizes e momentos muito difíceis. Posso dizer que em vários deles quis sair correndo… Mas a vontade passou rapidinho
Continuo a trabalhar como professora de inglês. Tenho uma família linda, dois filhos formados e super presentes. E um marido persistente e determinado.
Apesar da doença, temos — acima de tudo — muito amor. No último dia 7, completamos 31 anos de casados!
Precisamos viver apesar das adversidades, das dificuldades e das barreiras. Essa é a minha mensagem. A vida é para ser vivida, e aproveitada.
Flávia Tafner, 53, é professora de inglês e cuidadora fulltime do marido Claudio Sergio, 58, portador de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e autor de dois livros, Perder as Asas e Ainda Sem Asas.
Neuza Nascimento cresceu em um ambiente de muita vulnerabilidade social. Enfrentou a violência e a precariedade, conseguiu retomar os estudos e hoje é colunista do portal Lupa do Bem, que repercute iniciativas de sucesso no terceiro setor.
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