A Wotec é um sonho que começou por conta de outro sonho: fazer cinema. Em 2015, meu sócio — e irmão –, Hugo, comprou uma DSLR modelo Nikon 5200, que nos acompanhou nas primeiras filmagens até perdermos a câmera, e outros equipamentos, num assalto em 2017.
O equipamento foi essencial para nosso inicio, foi com ele que participamos do nosso primeiro festival, em 2016: o 72 horas. A proposta do evento consistia em escrever e produzir um curta-metragem em até três dias.
Convocamos os amigos e partimos para o centro do Rio de Janeiro filmar Siyanda, que narra a história de uma mulher negra rejeitada em uma vaga de emprego. O filme, posteriormente, daria nome ao Coletivo Siyanda, espaço de criação audiovisual composto por negras e negros com o intuito de construir histórias negras, contra-hegemônicas.
Depois de três dias corridos, entre filmagem e edição (e sem chance para ensaio), finalizamos o projeto. E, para a nossa grata surpresa, levamos para casa dois prêmios: terceiro melhor curta e melhor roteiro
Durante as filmagens, na Região Portuária do Rio de Janeiro, percebemos que precisaríamos de outros equipamentos para nos auxiliar durante a produção.
Foi nesse momento que criamos o primeiro equipamento do que viria a ser nossa empresa: um estabilizador improvisado para a nossa câmera.
Dali em diante diante, Hugo passou a confeccionar outros equipamentos para ajudar nas filmagens e os colegas de set passaram a se interessar por eles.
Havia surgido, então, a Afro Engenharia.
Uma das nossas principais preocupações era adequar os equipamentos à nossa realidade. Não só no que refere-se ao preço, mas também a questões que pudessem facilitar nossa segurança dentro dos processos de filmagem.
Pensamos em como podíamos ajudar com os nossos equipamentos em sets compostos por pessoas negras, que tinham um número alto de filmagens externas. A partir disto, resolvemos empregar uma estética que proporcionasse um diferencial.
Nossos equipamentos são coloridos como estratégia: assim podemos reconhecer nossos colegas de set à distância e evitar que os nossos instrumentos de trabalho sejam confundidos com armas de fogo em abordagens policiais motivadas pelo racismo institucional. As cores também facilitam achar os equipamentos com maior agilidade, caso eles se percam
Passamos por muitos processos e fases, trabalhamos em casa com uma impressora 3D de segunda mão, bem simples. Mais tarde, adquirimos uma segunda máquina e passamos a ocupar um espaço no Dapraça, coworking localizado na região central do Rio.
Recentemente, participamos de um processo de aceleração do Instituto Ekloos, em parceria com o instituto Oi Futuro.
Desta imersão, veio a inspiração para a mudança de nome da nossa empresa, de Afro Engenharia para Wotec (wo significa “visão” no idioma iorubá), por entendermos que havia a necessidade de adequação da marca a este novo momento.
Durante este período, pudemos aprofundar nossos conhecimentos sobre vendas, gestão e marketing. Com o investimento que recebemos, adquirimos algumas máquinas novas que irão ajudar a otimizar a nossa produção.
Além de oferecer um preço acessível, nossa preocupação é produzir equipamentos de qualidade que atendam a demanda dos cineastas, sobretudo dos negros e/ou periféricos.
Por sermos oriundos do processo criativo do audiovisual, entendemos a importância da tela e das mensagens possíveis de construir para esta plataforma.
Nossa principal missão é ajudar a democratizar as possibilidades de fazer audiovisual proporcionando equipamentos para as produções de cineastas cujas histórias foram boicotadas pela estrutura racista durante um longo período do audiovisual brasileiro
É importante assumir o compromisso de ajudar a desconstruir o imaginário racista apresentado em boa parte das obras cinematográficas brasileiras.
Umas das maneiras de ajudar a trilhar um caminho mais igualitário no audiovisual é proporcionando acesso a equipamentos que ajudem não só a realizar, mas também a interferir positivamente na qualidade dessas produções.
A importância é proporcional ao número de negros no país. Segundo o IBGE, pretos e pardos compõem 54% da população do Brasil, sendo não correspondente ao número de personagens negros e negras apresentados nos grandes veículos de mídia, sobretudo abordando uma perspectiva de construção antirracista desses personagens.
Hoje a Wotec atua com três linhas de produção: equipamento com eletrônica embarcada para luz e câmera (mesa de LED e cabeça remota), vestíveis (cartucheira e colete) e produção de equipamentos como estojo de cartão de memória, shock mount, abraçadeiras elásticas, dentre outros.
Nesta nova fase, munidos de uma plataforma mais ampla e com maior capacidade de produção, estamos ansiosos para expandir nossas possibilidades de diálogos, estabelecer novas parcerias e romper fronteiras
Vemos na Wotec um espaço para a construção de uma avanço coletivo essencial para o nosso contexto: imprimir A ideia de igualdade através da arte, em especial através de discursos não-hegemônicos.
Este é o legado que queremos construir.
Nathali de Deus é antropóloga formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente cursa o programa de Mestrado em Relações Étnico-Raciais desenvolvendo estudo sobre Cinema Negro Brasileiro e sua relação com as regiões afro-brasileiras. Trabalha no audiovisual desde 2016 e é sócia da Wotec.
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