O ano nem terminou, mas a Amazônia registra o número mais alto de incêndios em uma década. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até novembro foram 25% a mais de queimadas na comparação com todo o ano de 2019.
No Pantanal, 4 milhões de hectares foram devastados pelo fogo, de janeiro a outubro (de acordo com o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Pior para jacarés, araras-azuis e onças-pintadas que habitam a região.
Se depender da Sintecsys, essas tragédias ambientais vão se tornar cada vez mais raras. A startup usa algoritmos e câmeras para detecção precoce de incêndios em áreas produtivas (plantações de cana-de-açúcar e florestas de eucaliptos) e na mata nativa do entorno.
“Temos 2,5 milhões de hectares monitorados”, diz Rogério Cavalcante, 44, CEO da Sintecsys. “Do total, 825 mil hectares, ou 33%, são reservas no entorno de áreas produtivas, que mantêm a floresta de pé.”
Outros 700 mil hectares (28%) se referem às áreas produtivas em si, operadas por indústrias de açúcar, álcool e celulose, que pagam à Sintecsys pelo serviço; em proporção menor, a empresa monitora pastagens (301 mil hectares, ou 12%).
Segundo Rogério, essa rede de vigilância cobre quatro biomas (Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica “e uma pequena área de Caatinga”) em sete estados: Amapá, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, São Paulo e Tocantins.
COMO USAR A TECNOLOGIA PARA DETECTAR E CONTER INCÊNDIOS COM RAPIDEZ?
“Onde há fumaça, há fogo”, diz o ditado. O modelo tradicional de monitoramento de incêndios, afirma Rogério, é baseado em posicionar vigias no alto de torres, munidos de binóculos para vasculhar a paisagem em busca de possíveis sinais de fumaça.
A Sintecsys também usa torres (a altura delas varia de 25 a 60 metros). No topo, porém, em vez de um ser humano, há uma câmera que gira continuamente em 360 graus.
O segredo é um algoritmo que permite detectar a fumaça assim que ela se forma, em cerca de 3 minutos e a uma distância de até 15 quilômetros — com uma área total de cobertura de 70 mil hectares por torre.
“Partimos do seguinte princípio: todo incêndio começa podendo ser apagado com um único pé. Nenhum incêndio começa gigante. O que possibilita que você apague um incêndio com um único pé? O tempo que leva para detectá-lo. E conseguimos reduzir esse tempo para 3 minutos”
Assim que a fumaça é detectada, o sistema emite um alerta para um operador da empresa, que é capaz de triangular as coordenadas usando as várias câmeras e de determinar o local do foco do incêndio.
Segundo a Sintecsys, com a tecnologia, os clientes reportam uma redução de até 90% das áreas queimadas e uma economia de 50% no combate aos focos de incêndio.
EMPREENDEDOR SERIAL, ELE RECRUTOU SÓCIOS E INVESTIU DO PRÓPRIO BOLSO
Natural de Santo André, na Grande São Paulo, Rogério, 44, se diz empreendedor “desde os 13 anos”.
“Desde muito cedo, sempre vejo possibilidades de negócios”, conta. Afirma já ter fundado mais de dez empresas (algumas deram mais certo, outras menos), variando o tipo de negócio, desde aluguel de empilhadeiras até consultoria em licitações públicas.
Para tirar a Sintecsys do papel, ele foi à caça de sócios. Osmar Bambini trabalhava com proteção de áreas de energia solar e sustentabilidade. Antônio Leblanc e Eimi Arikawa trouxeram bagagem tecnológica. Ex-mulher de Rogério, Maira Domene cuida do jurídico desde o início; Emerson Silva foi chamado para assumir a parte financeira.
O investimento inicial, de 3,5 milhões de reais, saiu do bolso dos empreendedores e ajudou a desenvolver o algoritmo e a criar a infraestrutura de torres de vigilância.
As torres ficam espaçadas a dezenas de quilômetros umas das outras. Elas são instaladas na área dos clientes e operadas remotamente por centrais de monitoramento. A Sintecsys tenta aproveitar mirantes ou torres já existentes — caso contrário, instala a estrutura do zero.
A precariedade das redes de distribuição de energia e de comunicação nos rincões do Brasil foi compensada com o uso de células fotovoltaicas e um sistema próprio de tráfego de dados entre as torres, utilizando arquivos ultracompactados.
UM MÓDULO DE GESTÃO DE BRIGADAS AJUDA A APRIMORAR O COMBATE AO FOGO
Hoje, a Sintecsys tem 54 torres implantadas pelo Brasil, com mais 16 em implantação. O modelo é o de Software como Serviço (Saas), com contratos de locação dos equipamentos e sistema por 36 meses.
A startup entra com tecnologia, o hardware e o software; o cliente cuida da operação, inclusive das salas de monitoramento (após uma capacitação promovida pela empresa).
Outro serviço oferecido é um um módulo de gestão de brigadas, que indica o momento em que o incêndio foi detectado, quando a equipe de combate ao fogo foi acionada e quanto tempo demorou para chegar, permitindo identificar gargalos nos atendimentos. Segundo Rogério:
“Além de trazerem prejuízo direto para a biodiversidade, os incêndios prejudicam todo o entorno, danificando a respiração das comunidades, e trazem danos ao clima. Queremos ser reconhecidos como uma solução importante para a ação climática global”
Entre os clientes, a Usina Colombo, no estado de São Paulo, teria relatado uma redução de 90% das áreas queimadas. Rogério cita ainda a BP Bunge, que antes do contrato chegou a desembolsar mais de 5 milhões de reais em multas ambientais; depois que o sistema foi instalado, nunca mais levaram multa.
No total, a área monitorada representa ativos de mais de 4 bilhões de reais. International Paper, Usina Açucareira Ester, Copa Investimentos, BP Bunge Bioenergia, Amapá Florestal e Celulose, Grupo Petribu, Usina de Açúcar Santa Terezinha e TTG Brasil Investimentos Florestais também são atendidas pela Sintecsys.
A SINTECSYS SE APROXIMOU DA ACADEMIA NA HORA DE COMPOR SEU TIME
Com sede em Jundiaí (SP), a Sintecsys tem 25 funcionários fixos, incluindo times de desenvolvimento, assistência e monitoramento. Para compor o time, buscou profissionais junto à academia, em instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
A relação com o meio acadêmico também se desdobrou em parcerias com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Entendemos que a validação do que a gente pretende fazer é pelo meio acadêmico e precisa estar muito baseada em dados”, diz Rogério.
Neste ano, o empreendedor figurou na lista do Meaningful Business 100, que reconhece líderes que buscam combinar lucro e impacto social, contribuindo para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
“Estar nessa lista é motivo de grande orgulho porque é a resposta ao que a gente acredita. Não basta o lucro pelo lucro, mas o lucro com propósito. Uma empresa não é uma planilha de Excel, tem uma função social muito maior do que isso”
Em novembro, a Sintecsys abocanhou presença de destaque em outro ranking: primeiro lugar no Top 10 de agritechs brasileiras elaborado pelo 100 Open Startups 2020.
A STARTUP MENSURA PARA EMPRESAS AS EMISSÕES DE CO2 POR INCÊNDIOS FLORESTAIS
Com a pandemia, a empresa sofreu alguns solavancos. Projetos foram engavetados e retomados meses depois. Para 2020, a previsão de faturamento é de 5 milhões de reais.
Há conversas iniciais sobre captar investimento, mas Rogério se mostra reticente. “Quando você começa a ver que dá para construir uma empresa sólida, próspera, com crescimento orgânico e estruturado, sem a necessidade de venture capital, é melhor.”
A Sintecsys também oferece uma ferramenta que mensura a emissão de CO2 ano a ano nas regiões monitoradas. O Brasil, diz Rogério, não computa o gás carbônico liberado no ambiente devido a incêndios florestais, apesar de ser uma das três maiores fontes de emissão no país.
Esse olhar mais forte para a sustentabilidade vem ampliando o foco da empresa. Para o futuro, diz Rogério, a Sintecsys pretende focar na vocação ambiental, levantando a bandeira da transparência e da necessidade de ações de combate à emissão de CO2 por incêndios florestais.
“Quando entramos nesse mercado e começamos a olhar para o problema, vimos que a questão dos incêndios em áreas agrícolas era só ‘a pontinha da pontinha’ do iceberg. Estávamos tratando de uma coisa muito maior, que ia dos incêndios florestais até a emissão de CO2”
Essa preocupação vai se traduzir inclusive no nome da startup, prestes a ser rebatizada de 1,5º — uma referência à meta (estabelecida no Acordo de Paris) de manter o aumento do aquecimento global nesse valor.
“Começamos como uma jornada para detectar um problema do agronegócio, e fomos evoluindo como uma oportunidade de ajudar a proteger o meio ambiente.”
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