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“Vi muitos ateliês fechando as portas na pandemia. Não podia deixar esse design brasileiro acabar, foi isso que me fez persistir”

Dani Rosolen - 16 dez 2020
Cristiane Rosenbaum, criadora e curadora da Feira na Rosenbaum.
Dani Rosolen - 16 dez 2020
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A Feira na Rosenbaum tinha programado um 2020 intenso. A primeira edição do ano seria em abril, no Recife. Depois, a feira seguiria para Fortaleza, Maringá (PR), São Paulo, Curitiba, Brasília e Natal. Por conta da pandemia, esse périplo pelo país foi cancelado.

Criado em 2012, na capital paulista, pela estilista e curadora Cristiane Rosenbaum, o encontro reúne artistas e designers independentes com criações autorais e identidade brasileira. Cada uma das oito edições anuais recebia até 3 mil pessoas por dia.

Em meio à Covid-19, as atividades migraram para o online; a comercialização passou a ser feita pelo e-commerce próprio e pelo Instagram, até chegar, em novembro, a um modelo híbrido, com vendas por canais digitais e um evento presencial em São Paulo. Mesmo nesse formato, Cristiane estima uma queda de 60% no faturamento em relação às edições pré-pandemia. 

Outra edição paulistana está ocorrendo agora, desde o dia 9 e até o próximo domingo, 20. Para evitar aglomerações, o endereço é divulgado apenas na hora do agendamento da visita, pelo WhatsApp.

A seguir, a estilista e empreendedora fala sobre curadoria, o modelo híbrido de vendas e sua motivação para persistir, mesmo com as dificuldades provocadas pelo coronavírus.

 

Como foi sua trajetória profissional até criar a Feira Rosenbaum?
Eu vim da moda. Trabalhei em várias marcas conhecidas de São Paulo como estilista, fui morar em Londres e lá estudei na Saint Martins. De volta ao Brasil, colaborei com marcas como Huis Clos, Naka e Siberian, até que em 2003 criei uma marca própria de roupas infantil, a Santa Paciência, que operou por dez anos. Depois que fechei o negócio, fui trabalhar com fotografia e outras coisas.

No final de 2012, tive a ideia de fazer um encontro de final de ano no escritório do meu ex-marido, o arquiteto Marcelo Rosenbaum, e chamei 15 artistas que já conhecia para expor lá. Foi um sucesso. Aí fui fazendo de novo e de novo… E a feira foi crescendo.

Percebi que as pessoas queriam conversar com os artistas, existia essa carência. Quando você vai no shopping, é algo meio frio, você não sabe quem é o dono, quem fez os produtos, de onde eles vieram…

Fiquei na rua Cristiano Viana (em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo), no escritório do Marcelo, durante dois anos, por isso o nome ficou Feira na Rosenbaum. Mas depois, nos mudamos para um lugar maior e passamos a realizar a feira em locais como o Museu da Casa Brasileira e a Unibes [Cultural].

Como funciona a curadoria?
Cada feira tem uma temática e funciona de um jeito, mas são sempre cerca de 50 artistas selecionados por edição.

Temos o contato direto de muita gente que manda e-mail. Uma vez por semana, com a ajuda da minha assistente, eu olho o material recebido, vejo se tem a ver com a feira e respondo a todas as mensagens.

Para conferir a última edição do ano da Feira na Rosenbaum presencialmente é preciso agendar um horário.

Tem artista e artesão com um trabalho muito legal, mas que não se encaixa na feira ou não tem a ver com meu tema. Por exemplo, eu não coloco nada infantil na feira, então se a pessoa faz roupa para criança, não tem como encaixar. Ou se o artista faz cerâmica, mas a obra ainda não está muito resolvida, também não vai entrar.

A minha seleção é chata, eu sou meio exigente. Queria abrir uma feira paralela com um monte de gente que eu acho legal, mas não cabe na Rosenbaum.

Nosso diferencial em relação a outras feiras é focar mais no design de mobiliário. Eu não encho o evento de roupas e de sapatos. Bijuteria sempre tem muita coisa, mas apostamos em joalheiras contemporâneas, com uma pegada de inovação.

O que mais gosto de fazer nesse processo de curadoria, no entanto, é o desenvolvimento com os expositores, para que eles tenham uma linha exclusiva para a feira. Quanto mais exclusivo, mais legal. 

Isso é importante porque esses artistas fazem outros mercados e feiras. Se não tiver a exclusividade, fica tudo meio igual em todos os lugares.

O propósito do evento sempre foi o encontro. Porém, em 2019, antes mesmo da pandemia, a Feira na Rosenbaum criou uma loja online. Como se deu isso?
Começamos a fazer essa digitalização criando um e-commerce com 14 artistas porque pareceu interessante ter um lugar onde as pessoas pudessem comprar quando a feira não acontece fisicamente, ou mesmo para clientes fora de São Paulo, onde geralmente ocorrem nossos eventos.

A plataforma foi crescendo e hoje está com 55 artistas. Quando veio a pandemia, eu dei graças a Deus que tinha um e-commerce para podermos continuar sobrevivendo este ano. E agora, estamos até investindo em uma plataforma mais robusta para atender mais rapidamente os clientes.

Qual foi a estratégia que você adotou quando caiu a ficha de que este ano a feira precisaria se adaptar à pandemia?
Quando percebemos que o mundo estava passando por um momento diferente, rapidamente apostamos nas nossas mídias sociais, que são muito boas.

Decidimos começar a fazer feiras online, vendendo pelo e-commerce, pelas redes e pelo WhatsApp. A primeira foi a Feira de Todas as Mães, em maio. Depois, fizemos outras promovendo artistas do Brasil inteiro.

Realizamos também, junto com as feiras, lives em que três artistas falavam por 15 minutos sobre seus trabalhos, além de outras apresentações com temáticas de sustentabilidade, economia criativa, bem-estar etc.

Vi muitos artistas e artesãos tendo que fechar seus ateliês nesse período…  Essas pessoas vivem disso, e pensei que eu não podia deixar esse design brasileiro acabar. Foi essa visão que me fez persistir 

Teve momentos em que, como todo mundo, eu estava abalada, não estava com essa força toda. Mas resolvi que não poderia deixar essas pessoas de lado. E cada vez que eu falava desses artistas nas redes, eles vendiam um pouquinho melhor.

No final de novembro, a Feira foi realizada de forma híbrida, com vendas no online e fisicamente durante a Design Weekend São Paulo. Agora, na última edição do ano, vocês estão repetindo esse esquema. Como funciona?
Nesse modelo, além de vendermos pelas redes, pelo site e pelo WhatsApp, as pessoas podem ir até nosso espaço, mas precisa agendar a visita. Atendemos 15 clientes a cada duas horas. Um segurança na porta fica com uma lista das pessoas por horário.

O espaço é menor, mas tudo é ventilado, aberto e não lota. Eu ganho menos, muito menos, porque não vai entrar todo o público que costumava frequentar o evento. Mas é assim que podemos trabalhar nesse momento.

Eu não divulgo o endereço da feira no Instagram, senão ia lotar. Isso seria irresponsável em um momento em que os hospitais estão cheios. Tenho muito medo de pegar Covid, das pessoas da minha equipe pegarem. Precisamos ter um respeito muito grande por essa doença

A expectativa nesta última edição é atingir pelo menos metade do número de vendas de uma feira 100% presencial.

Para 2021, pretendemos seguir assim, dessa forma híbrida. Em janeiro, vamos descansar e voltamos em fevereiro. Não sei se vamos conseguir viajar com a feira ainda. Por enquanto, acho que temos que ter gratidão por ter passado por esse ano e esperanças de que tudo isso se resolva logo.

A Feira na Rosenbaum participou de ações sociais ao longo do ano. Pode falar um pouco desse movimento?
Estamos apoiando ações da Agência Popular Solano Trindade. Já ajudamos com a doação de cestas básicas para famílias da periferia da Zona Sul e revertemos 10 reais de cada compra em uma das feiras online. Esta semana, vamos doar mais 130 cestas.

A Feira tem um trabalho social e circular junto a comunidades indígenas, como os Kayapó e Baniwa. Apoiamos todas as etnias por meio do Instituto Kabu e da rede Origens Brasil.

No caso das comunidades indígenas, não funciona como o modelo de negócio tradicional [cobrança de uma porcentagem por venda], nem como consignação ou pós-venda. Compramos os produtos, é um investimento da feira. Não estou fazendo ajudinha, e sim mantendo uma economia circular

Não acredito em nada que se faça sozinho, sem esse apoio da comunidade. Por isso apostamos nestas ações.

Você acredita que, com essa crise, as pessoas passaram a valorizar mais os produtos artesanais?
Os consumidores adoram saber que os produtos não são de “qualquer lugar”, que eles têm um nome, um artista por trás. Acho que as pessoas passaram a valorizar os produtos locais e artesanais com a pandemia — e vão valorizar cada vez mais.

Com essa crise, acredito que o mercado vai se “fechar” e vamos consumir mais o que é feito aqui. A feira é justamente sobre isso, valorizar a arte brasileira. Eu realmente não acredito que uma porcelana italiana seja mais bonita do que uma daqui. E percebo que meu público está entendendo a importância de consumir produtos locais.

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