Era uma vez cinco amigos: Antonio Tabet, Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Ian SBF e João Vicente de Castro.
Eles queriam criar um humor genuinamente brasileiro, e de uma forma diferente. Por oito meses, fizeram uma vaquinha mensal de suados 5 mil reais de cada um para produzir (escrever, atuar, gravar e editar/montar) um punhado de esquetes irreverentes e lançar na internet aos poucos, quando já tivessem uma primeira leva.
Foram desencorajados por quase todo mundo que viu aquele material…. Sorte que não deram ouvidos. Assim nascia o Porta dos Fundos, com a primeira postagem em 6 de agosto de 2012. João Vicente lembra:
“Nesse lugar romântico [do início] existia uma vontade de ser uma grande trupe de teatro sem eira nem beira. Só que logo entendemos que não era isso. Antes, a gente se descrevia como um coletivo criativo – pessoas que juntas tinham o superpoder de fazer esquetes incríveis e engraçadas. Depois, vimos que para fazer coisas legais precisávamos ganhar dinheiro”
A disrupção causada na indústria audiovisual cativou de imediato a audiência online e abriu espaço para muitos outros artistas.
A empreitada dos fundadores-roteiristas-e-atores virou sucesso instantâneo de público por quebrar protocolos pré-estabelecidos (como não poder falar palavrão, não citar marcas); logo, atraíram anunciantes antenados em se conectarem com a comunidade de espectadores recém-formada, por meio de conteúdo patrocinado, o branded content.
Hoje, o Porta é uma empresa de entretenimento multicanal que produz em diversos formatos (esquetes, filmes, programas de variedades, séries e webséries) para redes sociais (Instagram, Facebook, TikTok, Twitter), streamings de vídeo (Netflix, Prime Video, Twitch, YouTube) e canais de TV (Comedy Central, Fox, GNT, Multishow, TBS Brasil).
O BACKDOOR, FRANQUIA MEXICANA DO GRUPO, JÁ SOMA 1,5 BILHÃO DE VIEWS
Os números comerciais e de engajamento do Porta dos Fundos ganharam tanto destaque no mercado que parte majoritária da empresa foi vendida para a Viacom International Media Networks, em 2017, em um acordo que previa liberdade total de criação aos fundadores e um objetivo: promover a internacionalização do conteúdo produzido.
Dois anos depois, em maio de 2019, foi lançado o primeiro esquete do canal Backdoor, franquia com estrutura dedicada (diretor, produtor-executivo, roteiristas e atores) no México, que mira a audiência tanto dos moradores do país, quanto dos que vivem em solo americano. Segundo João Vicente:
“A gente acreditava que o nosso produto era de qualidade e não se restringia à cultura brasileira. Claro, temos esquetes que não farão o menor sentido em outro lugar. Mas temos esquetes que são de natureza humana, de relacionamento, de ciúmes, de assédio, de morte, de vida…”
O Backdoor mexicano adapta a base dos mais de 1 500 roteiros dos esquetes feitos no Brasil. Em pouco mais de um ano, já tem 3,8 milhões de inscritos e 1,5 bilhão de visualizações (o canal do Porta no Brasil, para efeito de comparação, tem 8 bilhões de views).
“Já temos cerca de 11 milhões de fãs [mexicanos] nas nossas redes”, diz Christian Rôças, o Crocas, 43, CEO do Porta dos Fundos. “E 14% dessa audiência é de US spanic, o que para a gente já é um namoro com os EUA e um aprendizado para falar com a América Latina”.
O NÚMERO DE PROJETOS VEM CRESCENDO EM RITMO ACELERADO
Neste momento, o Porta dos Fundos tem uma série de iniciativas em gestação: projetos de ficção em drama, podcasts, uma nova linha de produtos para reestrear a Loja Porta dos Fundos… Além de mais dois canais da franquia internacional Backdoor (sem poder adiantar os nomes dos países, sob o risco de melar a negociação, João Vicente revela que não serão em língua espanhola).
O número de projetos em produção também pulou de três em 2020 (“Que história é essa Porchat?”, “Greg News” e “Porta Afora”) para oito em 2021.
Atualmente, em fases variadas de produção estão os três programas anteriores e mais alguns. Por exemplo, o canal Salve na Twitch, com lives tocadas por Tabet e Gabriel Totoro falando de games e narrando jogos de futebol; o longa-metragem ANIMAL, para Amazon Originals, ainda em filmagem.
Já confirmado, mas em compasso de espera por conta da pandemia, “O Futuro Ex-Ator do Porta” será um reality show para o YouTube Originals que quer descobrir o próximo talento que vai trabalhar no elenco fixo. Além disso, há ainda dois outros projetos, por enquanto sigilosos. Segundo Crocas:
“Hoje, estamos preparados para atender qualquer janela que nos ofereçam porque criamos conteúdo amparados no hábito das pessoas. Cada canal tem uma personalidade de construção de narrativa, mas o DNA da marca Porta dos Fundos tem de estar ali: irreverente, debochado, provocativo, que fala o que tem vontade, que tem uma visão de mundo própria”
A afirmação pode parecer sutil para quem não está habituado a produzir conteúdo, mas é um paradigma profundo para quem quer continuar na atividade.
Até pouco tempo atrás pensava-se em um conteúdo levando-se em conta a plataforma de transmissão e suas características de formato preferido e público-alvo. Por exemplo, um produtor pensava: quero produzir uma série documental para o Discovery e uma sitcom para a Sony.
Agora, há um passo além: pensar no hábito da audiência — o que no mundo das startups chama-se de Design Centrado no Ser Humano – HCD.
“Você passa a se debruçar sobre o que realmente importa, que é: qual é o tempo de atenção que a pessoa está dando para a gente, naquele momento, de acordo com a rotina”, diz Crocas. “Se a gente parar de olhar para o modelo do passado e olha mais para o hábito, a gente vai ter um resultado melhor.”
Os números de 2020 parecem comprovar essa expectativa. O Porta aumentou a receita em 65%. O número de views cresceu 6% na comparação com o ano anterior, e a quantidade de seguidores deu um salto de 146%.
Segundo o relatório Inside Video – A (Re)descoberta, da Kantar Ibope Media, o consumo de vídeo online cresceu 84% nos últimos três anos. Portanto, a empresa segue à risca as métricas de crescimento da nova economia.
O ESQUETE SATIRIZANDO O SPOLETO ABRIU AS PORTAS PARA O BRANDED CONTENT
João Vicente lembra do começo “mambembe” com bom humor (claro!), quando Nataly Mega — hoje casada com Fábio — era produtora executiva do Porta e fazia o orçamento para os sócios verem quanto podiam gastar.
“Saímos de uma mesa de bar para virar uma empresa, que em pouco tempo, será uma grande geradora de bons conteúdos do Brasil”.
Mesmo sem a estrutura ideal, o sexto esquete publicado no canal do Porta chamou a atenção. Trata-se do caso da brincadeira com o atendimento da rede de fast food Spoleto.
Por conta dela, João Vicente foi procurado por Antonio Moreira Leite e Eduardo Ourívio, respectivamente diretor geral e sócio-fundador do Grupo Trigo, a holding que controla o Spoleto.
Ao invés de uma ameaça, ouviu um pedido para produzir um novo vídeo que, de alguma forma, explicasse que eles também não aprovavam aquele tipo de atendimento.
Veio então o esquete dois. João Vicente conta:
“Isso foi um grande pulo do gato pra gente, porque foi um branded que as pessoas amaram. Elas não se sentiram interrompidas da sua vida, não se sentiram magoadas por clicar em um canal de humor e receber a mensagem de uma marca, porque era engraçado, divertido. Aí a gente até fez o três”
Depois disso, outras marcas procuraram o Porta para fazer branded content. E após três meses da estreia, o canal já tinha receita suficiente para bancar os custos da estrutura.
Na sequência, o próprio João colocou esse material debaixo do braço e correu as grandes agências de publicidade de São Paulo.
“Ali naquele momento, todo mundo queria fazer, porque era novidade. Então, comecei a inventar maneiras de a gente se sustentar. Inventei um sistema de cotas de patrocínio”.
COMO CRESCER E VIRAR EMPRESA SEM PERDER O ROMANTISMO
Em 2014, o coletivo criativo ganhou um acréscimo importante, do ponto de vista da organização, com a chegada da experiente produtora de cinema Tereza Gonzales para ocupar o cargo de CEO do Porta.
Foi quando o grupo passou do status de coletivo para o de produtora. João Vicente conta:
“Aí começamos a pensar: podemos fazer esquetes, séries e podemos fazer um programa de televisão, por que não? Fomos crescendo de uma maneira orgânica, deixando o romantismo de lado, mas sem perdê-lo. Assim, a gente continuou, se consolidou, virou uma empresa”
Na parte de branded content o que mudou de lá para cá foi o operacional, a estrutura, o atendimento ao cliente e o que João Vicente chama de “criar e oferecer um branded ativo”, quer dizer, o time do Porta cria um projeto e pensa na marca que poderia gostar. Depois, vão atrás de agendar uma conversa.
“A gente sempre foi muito zeloso com a criatividade, mas sempre entendemos que a marca sabe mais do produto dela do que a gente. Então, sempre demos espaço para se trabalhar em grupo.”
O GRUPO AGORA CONTA TAMBÉM COM UM BRAÇO DE CONSULTORIA
Crocas ressalta que se a marca está interessada em passar uma mensagem com seu próprio tom de voz, deve usar para isso a propaganda.
Agora, se ela está interessada em conversar com a audiência que gosta do Porta dos Fundos e vem para assistir os esquetes, filmes e séries de forma orgânica, precisa confiar no time do Porta.
“O branded content precisa, primeiro, conquistar o coração daquela audiência. Você não fala com o consumidor nessa hora, como faz a propaganda. A gente fala com o fã. Então, a marca que é esperta passa para a gente o que quer e deixa a gente fazer divertido”
(Um exemplo é o vídeo feito para Listerine.)
Com isso, o CEO afirma que já existem casos em que um vídeo patrocinado é mais assistido que outro que não traz marca alguma. E João emenda que pretende retomar o hábito de ir conversar com o time criativo de uma agência de maneira descompromissada.
“A gente tem a capacidade de entender a marca. Montamos um time que estuda, vê os números e os pontos de intersecção entre nós e o público a ser atingido. Temos uma autoanálise muito bem feita de onde e como podemos atingir”, diz.
Esse conhecimento, por sinal, foi organizado em um braço de consultoria, para criação de conteúdo em canal próprio das marcas, ajudar a achar um tom de voz de Publisher, a criar os roteiros, engajar a comunidade, como criar um conteúdo perene e interessante.
Batizado de Porta dos Outros e lançado em abril de 2020, esse serviço já apoiou cinco projetos: YouTube Brandcast, Ipiranga, Sky, Skol e Freecô.
ONDE FICA A LINHA DIVISÓRIA ENTRE PROJETOS PESSOAIS E DO PORTA DOS FUNDOS?
A estrutura do Porta dos Fundos conta, hoje, com 80 colaboradores fixos, em home office. O quadro é composto por 75% de mulheres, sendo que cinco dos nove cargos de liderança são das “manas”.
Há três grupos macro de atuação: Central de Serviços, na qual se reúnem as áreas de Recursos Humanos, Financeiro e Planejamento; Estúdio, área criativa que se assemelha a uma produtora e toca os projetos de longo prazo como filmes, programas e séries para streamings ou canais de TV; e Digital Publishing, área criativa que trabalha com os esquetes tradicionais, o carro chefe do Porta, e os esquetes patrocinados.
Em termos de geração de receita, entre Estúdio (contratos de produção e coprodução) e Digital Publishing (Adsense do Google/YouTube, Facebook e branded content) Crocas calcula uma relação de 60%-40%. Dentro do Digital Publishing, especificamente, o novo braço de consultoria representou 36% da receita no digital.
Para quem está de fora da empresa, a linha divisória entre os projetos pessoais dos sócios e aqueles desenvolvidos pela empresa pode parecer embaçada, uma vez que os fundadores se permitem participar de outros produtos de entretenimento sem ligação com o Porta. João Vicente esclarece:
“Temos um acordo de que queremos engordar o nosso porco. Sempre que possível, queremos trazer para dentro do Porta os nossos projetos, porque esse lugar é o nosso sonho. É o nosso playground, nosso laboratório de ciências, onde podemos fazer nossas experiências. Fora isso é um negócio que a gente quer que fique cada vez maior e interessante.”
Com uma longa carreira na indústria do cinema (ele é fundador da Downtown Filmes), Bruno Wainer fala sobre saúde mental e os bastidores da criação de Aquarius, sua plataforma de streaming que acaba de chegar ao catálogo da Amazon Prime Video.
Voz do Aeroporto de Guarulhos e de várias marcas e campanhas, Simone Kliass fala sobre sua carreira, a evolução — e os estereótipos de gênero — do mercado de locução e a conquista de três estatuetas no SOVAS Voice Arts Awards, em Los Angeles.
Entre criar um canal e bombar como influenciador há um longo caminho. Lucas Continentino, Pedro Gelli e Vitor Rabello lideram a Curta, uma empresa voltada a profissionalizar youtubers do mercado gamer e expandir suas fontes de receita.