Em 2008, quando Jean Barbosa de Freitas tinha apenas 15 anos, viu o barraco em que morava com a mãe e os irmãos perto da estação de metrô Taguatinga, no Distrito Federal, ser derrubado pela fiscalização. “Foi muito marcante”, diz ele. “Fiquei mal porque estava começando a perceber a realidade à minha volta e sentindo necessidade de trabalhar.”
Jean, no entanto, então um garoto muito tímido, não tinha perspectiva de mudança e não via saída para sua situação. Até que a coordenadora do colégio em que estudava avisou sobre um processo seletivo do Projeto Pescar, que o Instituto Sabin oferecia fazia quatro anos. “Ela me falou também que era um processo muito disputado.”
A mãe acompanhou Jean na inscrição e ele conseguiu, depois de algumas entrevistas, ingressar no Pescar – por sorte, completava a idade mínima exigida, 16 anos, no meio da seleção. O que se seguiu foram nove meses de imersão em um projeto que oferecia para jovens em situação de vulnerabilidade a oportunidade de aprender uma profissão.
“Mas não era só isso”, afirma Edialeda Bergmann, a psicóloga orientadora do Projeto Pescar – e apontada por todos como a “mãezona” do programa no Instituto Sabin. “Além da parte técnica, eles aprendiam conceitos de cidadania, resgatavam sua autoestima e tinham uma convivência familiar, coisa que muitas vezes faltava em suas casas.”
O Pescar foi um dos primeiros projetos de responsabilidade social abraçados pelo Instituto Sabin, criado em 2005 com o objetivo de formalizar as ações que já eram mantidas pelo Laboratório Sabin.
Fundada por Janete Vaz e Sandra Costa, a empresa sempre teve, por causa do histórico de trabalho voluntário de ambas, vocação para iniciativas sociais. “Todo inconformismo com os problemas sociais e o ímpeto de agir diante dos problemas nós trouxemos de casa para nossas carreiras e nosso negócio”, afirma Sandra.
“Antes mesmo de o Sabin ser criado, já fazíamos trabalhos com creches. E levamos isso para o Laboratório como um valor para, inclusive, motivar os colaboradores a se engajarem”, diz Sandra.
Conforme essas iniciativas foram crescendo, “e elas viraram muitas”, segundo Sandra, as sócias perceberam que era o momento de formalizá-las.
O Instituto Sabin foi criado para ser essa estrutura que coordenaria e faria a gestão das ações de responsabilidade social, além de criar novos programas.
“É preciso de três Ps para fazer responsabilidade social: paciência, persistência e perseverança”, diz Janete Vaz, embaixadora do Instituto ao lado da sócia Sandra.
“No início, nem sabíamos exatamente o que significava responsabilidade social. O Instituto veio para legitimar o que fazíamos informalmente, além de trazer várias outras parcerias.”
Ao longo dos anos, acompanhando a própria transformação da sociedade, as ações do Instituto vêm evoluindo. Se antes as iniciativas eram voltadas exclusivamente para a responsabilidade social, agora elas abarcam também o fomento ao ecossistema de impacto e instrumentos financeiros pró-impacto – sempre com foco na inovação social.
Para cada um desses eixos em que atua, o Instituto Sabin conta com diversas entidades parceiras, que sempre foram importantes para essa busca de materialização de transformação social.
“Uma vez me perguntaram por que não fazíamos um megaprojeto no Instituto para causar impacto nacional”, conta Janete.
“Respondi que não estamos querendo provocar simplesmente um impacto social na comunidade, mas também internamente, quando mostramos para cada colaborador a missão social dele.”
Segundo Janete e Sandra, sempre que o Instituto Sabin se expande e abre uma nova unidade, leva consigo uma equipe imbuída de entender as necessidades da comunidade local.
“Isso causa impacto nas regiões em que entramos”, diz Janete. “E o colaborador, que muitas vezes só ouviu o termo ‘resultado financeiro, resultado financeiro’, passa a entender que esse resultado financeiro vem como consequência desse impacto social que trazemos para a comunidade.”
O Projeto Pescar é uma dessas iniciativas nas quais os colaboradores do Laboratório Sabin têm bastante envolvimento. Criado em Porto Alegre pela Fundação que leva seu nome, ele é baseado na máxima de que, quando se dá um peixe a uma pessoa, ela terá comida por um dia – mas, quando se ensina a pescar, ela não passa mais fome.
“A ideia é oferecer desenvolvimento pessoal, cidadania e iniciação profissional aos jovens em parceria com empresas e organizações”, diz Edialeda. Muitas das aulas eram dadas pelos colaboradores da empresa, que dividiam com os alunos suas experiências e seus conhecimentos.
Como parceiro, o Instituto Sabin formou 12 turmas no Projeto Pescar, impactando quase 300 jovens. Após a conclusão do curso, eles tinham a oportunidade de praticar o que haviam aprendido nas aulas como Jovens Aprendizes do Laboratório Sabin.
São pessoas como Jean, que, hoje, trabalha no Sabin como desenvolvedor de automatização de processos através de robôs, depois de ter passado por vários departamentos na empresa.
“Eu costumo dizer que estou desenvolvedor”, diz ele, que criou um podcast para contar sobre esse seu processo (ouça ele aqui). “O Pescar me ensinou a importância de me manter relevante, de ser protagonista da minha vida, fundamentos necessários para sempre. Lá, eu aprendi a aprender.”
Em 1999, um grupo de crianças que pedia dinheiro chamava a atenção em um semáforo em frente a um famoso supermercado em Brasília não apenas pela quantidade, mas pela abordagem às vezes agressiva que faziam às pessoas. Certo dia, um motorista levou uma cusparada de uma garota porque disse que não tinha dinheiro.
Surpreso, ele contou o fato para uma amiga, a então pró-reitora de uma conhecida faculdade particular de Brasília Elizabeth Manzur. Beth, como é conhecida, estava organizando com outros amigos que frequentavam a Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Brasília, um grupo para trabalhar como voluntário em algum projeto social. E escolheram um que havia sido iniciado pelas freiras de São Vicente de Paula em São Sebastião, também no Distrito Federal, com o apoio da comunidade.
“Essa ação pretendia tirar da rua crianças em situação de extrema vulnerabilidade”, diz Beth. Com o apoio dos voluntários, a iniciativa, que atendia a princípio 36 crianças, em dois anos já acolhia mais de 200.
“A garota que deu a cusparada no semáforo, seus sete irmãos e vários primos, moravam justamente em São Sebastião e foram algumas das primeiras a fazer parte do projeto”, afirma. Hoje, Beth conta, a garota é a chefe da cozinha da Ação Social Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a Promovida, que atende atualmente 220 crianças e jovens de 7 a 14 anos.
A Promovida foi a primeira entidade apoiada pelo Laboratório Sabin, seis anos antes da criação do próprio Instituto, quando as crianças passaram a receber exames laboratoriais gratuitos do Sabin – no programa que se chamava Criança e Saúde e foi renomeado Saúde+.
“Descobrimos nessa época que várias delas estavam com vermes intestinais”, conta Beth. A Promovida fez então uma campanha para comprar filtros de barros para as famílias das crianças. “Outras demandas foram surgindo a partir daí, como a por políticas públicas. A comunidade se empenhou então em conseguir do governo a construção de uma rede de esgoto”, relembra Sandra.
O projeto ainda oferece acompanhamento escolar, aulas de canto, violão, balé, inclusão digital, teatro, artes e esportes. As atividades lúdicas e culturais ajudam a despertar o senso crítico e relacionamentos interpessoais de qualidade. Os participantes também recebem atendimento dentário e médico.
“Um dos meninos que atendemos começou a tocar violão aqui e hoje é formado em música”, diz Beth, com orgulho. “Nossa entidade é mantida com doações e temos casos até de pessoas que foram beneficiadas pela ação e hoje apadrinham nossas crianças.”
“A criança chega aqui, vê uma sala cheia de brinquedos e seu olhinho brilha. É um espaço lúdico e terapêutico, em que, brincando, ela se sente acolhida e à vontade para se expressar, como ela souber e quiser, sobre a violência sexual que sofreu”, explica a psicóloga Ludmile Deiró sobre a Ludoteca instalada desde 2015 no Serviço Viver (Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual) em Salvador, na Bahia.
Criado em 2008 pelo Instituto Sabin, o projeto Ludotecas é um espaço de brinquedos terapêuticos destinado a oferecer atendimento social e psicológico para crianças e adolescentes que passaram por situações de violência sexual. Os objetos lúdicos que reúne ajudam na comunicação com as vítimas de traumas físicos e emocionais.
Hoje, há 114 Ludotecas espalhadas por 15 cidades de 13 estados do país, que já impactaram 10 mil famílias. “A criança chega sabendo que aquele espaço é para ela brincar, não para falar de sua dor. O olhar que ela tem é que lá ela pode ser livre e ser criança de fato, direito que muitas vezes a própria violência arranca dela”, afirma Ludmile.
“Embora muitas não consigam expressar a dor, ou mesmo não entendam exatamente o que aconteceu com elas, com os recursos que temos aqui o objetivo é ajudá-las a trabalhar esse trauma e a transformá-lo e ressignificá-lo, para que sigam seu caminho apesar da dor e das marcas.”
Para Janete Vaz, as transformações pelas quais o Instituto Sabin passou ao longo dos anos foram necessárias para que ele ficasse cada vez mais profissional e provocasse mais impacto. “Mas ele tem mantida a mesma essência do começo: cuidar de todo mundo”, diz ela.
“A redefinição de papéis e estratégias, o reposicionamento para o impacto social e a política de investimento fazem parte de um contexto novo, mas não mudam em nada o objetivo: trazer benefício para a comunidade.”
Veja no infográfico abaixo alguns números do Instituto Sabin ao longo desses 16 anos. Ele, assim como esta matéria, faz parte de uma série de três reportagens que o Projeto Draft vai publicar nas próximas semanas.
Para investir em negócios que produzem impacto social e ambiental, o Instituto financia, além da plataforma em que qualquer pessoa pode investir a partir de R$ 1 mil, mecanismos como o venture philanthropy.
A instituição investe tanto diretamente nos negócios como por meio de organizações dinamizadoras – que, por sua vez, apoiam ONGs, cooperativas ou startups que geram impacto social.