Próxima do centro da pequena Ivoti, a 55 quilômetros de Porto Alegre (RS), a destilaria Weber Haus é um dos principais pontos turísticos da Rota Romântica, que liga 14 municípios do Vale do Sino à Serra Gaúcha.
A história da cachaça na região remonta à chegada da família Weber ao Brasil, em 1824 — e ao plantio de cana-de-açúcar, a partir de 1848. Com conhecimento da elaboração do Schnapps, aguardente alemão, a família adotou a matéria-prima para produzir a bebida nacional, inicialmente de forma caseira.
Passou-se um século até que, em 1948, José Weber fundou a cachaçaria, que hoje é comandada pela terceira geração, os netos Evandro, Eliana e Mariane (sócios da empresa com seus pais, Hugo e Eugênia Weber).
A Weber Haus comercializa cachaça de alambique (naturalmente fermentada) para todo o Brasil e mais 16 países — os Estados Unidos são o principal mercado.
E, antenada aos novos tempos, incorpora cada vez mais a sustentabilidade ao seu negócio.
DEPOIS DE DÉCADAS, A EMPRESA TEVE DE REFORMULAR SUA MARCA
Negócios de família, passados de pai para filho, podem ser um peso para as gerações mais jovens, que se veem muitas vezes obrigadas a dar continuidade à tradição.
Evandro, hoje diretor da Weber Haus, conta que na juventude viveu esse conflito:
“Quando eu era novo, teve uma época em que quis ‘fugir’ e estudar para ser padre… Mas meu pai não deixou e me disse: ‘tu não tem escolha, vai continuar [o negócio]’…”
Curiosamente, o principal produto da cachaçaria que hoje orgulhosamente ostenta o nome da família atendia, desde 1948, por “Caninha Primavera”.
Foi então que, em 2000, eles descobriram que essa marca já estava registrada. Resolveram rebatizar a empresa e uniram o nome da família à palavra Haus, “casa” em alemão.
Foi uma ideia feliz, inclusive pensando na possibilidade (que ainda não tinha sido levada adiante) de um dia exportar o produto. Enquanto lançava outros rótulos com sua nova marca, a Weber Haus deixou a Caninha Primavera fora de mercado por 18 anos.
“Depois retornamos com ela porque a empresa que tinha o registro fechou e não renovou a marca”, diz Evandro. “Pudemos registrá-la e lançamos a Cachaça Primavera, uma releitura do rótulo vendido de 1948 a 2000.”
A CERTIFICAÇÃO ORGÂNICA ABRANGE TODA A ÁREA DE PRODUÇÃO DE CANA
O Brasil tem cerca de 1,13 milhão de hectares de produção de orgânicos, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Desses, se estima que 40 mil hectares sejam de cana.
Na Weber Haus, a certificação orgânica alcança toda a área, que abrange 64 hectares para a produção da cana-de-açúcar.
“Sempre percorremos o caminho do orgânico. Ele é importante não porque virou uma tendência, mas porque precisamos ser éticos. E é gostoso trabalhar sem agrotóxico, sem adubo químico”
Em 2021, a empresa espera produzir em torno de 570 mil litros do caldo, que depois vira cachaça. A variedade da cana utilizada na produção da cachaça é escolhida por sua característica de manejo e o grau de doçura.
UMA CONSULTORIA TÉCNICA AJUDOU A OTIMIZAR O USO DOS INSUMOS
Para otimizar o aproveitamento de matéria-prima e incrementar sua produção de cana, a Weber Haus foi atrás de assessoria especializada.
“Recebemos uma consultoria sobre as composições do bagaço da cana, do vinhoto e de outras misturas saudáveis para uma compostagem satisfatória para o crescimento da cana”, diz Evandro. As técnicas, aprendidas junto à Emater-RS, órgão que se dedica a promover o desenvolvimento rural sustentável, e à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“A partir do bagaço fazemos um composto usado como adubo na plantação da cana-de-açúcar — deixando o solo mais macio e com novos nutrientes”
A outra parte desse composto é utilizada na produção do vapor da caldeira, responsável pela destilação da cachaça. E o vinhoto (o caldo de cana não utilizado) também é aproveitado como adubo.
O CUIDADO COM A NATUREZA SE ESTENDE À COLHEITA, À ENERGIA E À RECICLAGEM
Segundo Evandro, a colheita é toda manual e dispensa a queima da palha da cana, evitando assim emissões de gases do efeito estufa.
Em 2017, buscando tornar o ciclo ainda mais sustentável, a Weber Haus instalou, em sua destilaria, placas fotovoltaicas para captação da energia solar.
Nos últimos anos, essa alternativa vem se intensificando entre cachaçarias, diz Evandro. “Acho ótimo que utilizem [energia solar], vemos que esse é um bom legado e está dando certo no setor.”
A decisão faz bem para o planeta e para o bolso. Segundo o diretor, a conta de luz da destilaria caiu de 12 mil reais para apenas 200 por mês.
Outro cuidado está ligado à reciclagem. A empresa aderiu ao selo Eu Reciclo, que certifica a destinação de recursos da marca à cadeia de reciclagem via compensação ambiental de pelo menos 22% das embalagens — incluindo o vidro das garrafas e o papelão das embalagens.
CONHEÇA AS FASES DE PRODUÇÃO DA CACHAÇA
A diferença na produção da bebida de alambique em relação à industrial se dá principalmente pelo canavial orgânico e pela destilação natural.
Após a colheita da cana, a produção da cachaça começa com a moagem, fase em que se observa se a cana está madura e os colmos, limpos; é realizada a decantação e a filtragem para obter uma garapa (caldo de cana) de qualidade.
Na fase de fermentação é medido o teor de açúcar, podendo ser misturada com água; o processo ocorre de maneira natural em ambiente arejado.
Na destilação, a bebida é adequada à concentração alcoólica nos níveis previstos em lei, de 38% a 54%. O líquido é fervido dentro de um alambique de cobre com capacidade de 600 litros.
Nesse processo, são eliminadas a “cabeça” e “cauda” da bebida — ou seja, os primeiros 10% e os últimos 10% destilados, com altas concentrações de álcool, que são descartados no processo.
A única parte que se aproveita na Weber Haus é o “coração”. A fase de alambicagem inclui o aquecimento, evaporação e condensação do mosto.
Por fim, a cachaça é armazenada em barris de carvalho e dornas de sassafrás e bálsamo. O envelhecimento dura entre 6 meses até 15 anos, dependendo do produto.
AS MULHERES SÃO CADA VEZ MAIS PRESENTES ENTRE O PÚBLICO CONSUMIDOR
Ao todo, a Weber Haus comercializa mais de 70 produtos, entre cachaças, licores, rum, gim e acessórios. A líder de vendas é a cachaça Weber Haus 7 madeiras.
Nessa mistura (de nuance mais seca, segundo os produtores), há cachaças envelhecidas de 2 a 6 anos de idade, em madeiras de carvalho americano, carvalho francês, bálsamo, amburana, canela sassafrás, grápia e cabriúva.
“Esse blend pode ser bebido várias vezes e sempre se sentirá um gosto diferente. É um produto para degustar e meditar, feito para se diferenciar de todas as cachaçarias”
Os valores dos rótulos variam de 43 reais até 2 699 reais, preço da cachaça de edição limitada Extra Premium XII Anos Lote 48.
Entre os lançamentos no e-commerce da empresa está o gim Antiqua Tropical Orgânico. A bebida busca atender novos públicos, inclusive o feminino.
“Hoje o público feminino é tão tomador de uma boa cachaça quanto o masculino, é parelho”, diz Evandro.
A PANDEMIA DERRUBOU AS VENDAS, QUE AGORA SE RECUPERAM
Grande parte do produto a Weber Haus é destinado a bares e restaurantes (fora do Brasil, inclusive).
Com as restrições de funcionamento devido à Covid-19, as vendas caíram 90% no curto intervalo de abril a junho de 2020.
“Ficamos fechados por mais de 70 dias. Agora estamos nos recuperando. Mudamos um pouco nossa estratégia com o lançamento de novos produtos e promoções em nossa plataforma de e-commerce”
No acumulado entre março de 2020 e março de 2021, a queda nas vendas foi de 26%.
A expectativa de Evandro é de que o faturamento cresça, alavancado pelo avanço da vacinação e a retomada de uma vida mais próxima do normal.
ENTRE OS PLANOS ESTÁ A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA FÁBRICA
Antes da pandemia, a fama da destilaria levava mais de 40 mil pessoas por ano até Ivoti para conhecer o processo de produção.
Recentemente, a fábrica voltou a receber visitas guiadas e degustação dos produtos, respeitando as determinações dos decretos municipais.
O diretor da Weber Haus projeta um 2021 intenso para a empresa:
“Só neste ano teremos três lançamentos de produtos exclusivos, com edições limitadas — e um projeto inovador para a construção de uma nova fábrica”
A ideia, segundo ele, é produzir energia elétrica através do vinhoto e do bagaço da cana-de-açúcar.
Quanto às próximas gerações, o diretor diz que seus filhos já ajudam no negócio quando não estão em aula, e poderão levar adiante a tradição da família — mas só se esse for o desejo deles.
“Ao contrário do que foi imposto para mim, deixarei que escolham. Os tempos são outros — mas, se quiserem continuar, o caminho está aberto e daremos todo apoio.”
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