O conceito de fake news ganhou tração com as eleições norte-americanas de 2016 e o plebiscito na Grã-Bretanha no mesmo ano para decidir sobre a saída da União Europeia, o polêmico Brexit.
Naquele momento, o termo foi visto como um problema político. Com o surgimento da pandemia de Covid-19 — e a profusão de desinformação sobre o vírus –, passou-se a entender o conceito como um problema social.
Logo se compreendeu que, além dos prejuízos humanos, havia um enorme custo financeiro com as notícias falsas. Assim, ficou claro que era também um problema econômico.
As empresas são agentes políticos, sociais e econômicos. Não poderiam ficar à margem do assunto. E não ficaram.
CUIDADO! AS FAKE NEWS PODEM INSTAURAR UMA CRISE EMPRESARIAL
Por um lado, as empresas começaram a ser vítimas das fake news. Por outro, entenderam que – em meio à rede da qual faziam parte, com seus funcionários, clientes, fornecedores e demais stakeholders – poderiam ser agentes involuntários de propagação de desinformação. De repente, a opção de passividade diante do problema parecia mais remota.
A proliferação indiscriminada de fake news é, portanto, uma ameaça que não pode ser subestimada. Muito menos ignorada.
No universo empresarial, essa importância é ainda mais relevante. A informação de qualidade é a base para o estabelecimento e manutenção de um programa sério de Governança Ambiental, Social e Corporativa, conhecido também pela sigla ESG. Hoje em dia, essas três letras são um dos critérios mais seguros de confiabilidade organizacional.
As fakes news constituem hoje a mais perigosa causa de crises empresariais. Pela singela razão de que podem estar completamente fora do radar da organização.
As contingências normais são questões financeiras, de malversação de negócios, de acidentes ou de maus procedimentos. Já a desinformação pode atingir a corporação da mesma maneira que uma miragem desorienta um viajante no deserto
Uma pesquisa da agência inglesa Brunswick revela que 70% das empresas europeias acreditam que uma grande crise de reputação possa atingir a corporação em alguns anos. Dessas, 26% pensam que é muito provável que um ataque ocorra no curto prazo.
A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO MIDIÁTICA NAS EMPRESAS
Sem dúvida, a proliferação das fake news tem muito a ver com essa sensação de perigo. E essa percepção, infelizmente, está longe de ser falsa como as notícias que a provocam.
Acrescente-se a isso a crônica falta de preparação para a gestão de crises entre as empresas brasileiras. Um estudo do Grupo Daryus mostra que 43% das organizações locais não possuem um plano de contingência para enfrentar ameaças aos negócios, ainda que 27% das companhias pretendam ampliar seu monitoramento digital e a cibersegurança.
Consciente disso, o LiderCom, grupo de vice-presidentes e diretores de comunicação de empresas associadas à Aberje, decidiu inspirar a criação do programa “Aliança Aberje: movimento de combate às fake news”.
Não adiantava mais só lamentar a situação. Havia a necessidade de agir contra ela.
A ideia é aproveitar a rede de influência das empresas – formada por seus colaboradores, fornecedores e demais parceiros – de maneira a promover uma educação midiática que enfrente a disseminação e o compartilhamento de notícias falsas
Elaborar um protocolo para lidar com as fake news no ambiente organizacional tornou-se, portanto, uma prioridade. O Manual Prático para Lidar com a Desinformação nas Empresas é fruto dessa percepção por parte das lideranças de comunicação no Brasil.
O objetivo é ajudar as organizações a lidar com as notícias falsas diante de uma perspectiva essencialmente institucional. Uma das pontas relevantes, sem dúvida, para enquadrar a questão.
COMO PREPARAR SEU TIME PARA LIDAR COM A DESINFORMAÇÃO
O Brasil, em razão dos baixos indicadores de educação, é um terreno muito propício para a desinformação. Uma pesquisa da plataforma de petições Avaaz mostra que sete de cada dez habitantes do país acreditam em fake news.
Em um levantamento global, o instituto de pesquisas Ipsos não chegou a um número muito diferente: 62% dos brasileiros já assumiram como verdadeira uma notícia falsa — fazendo da nação a campeã mundial na crença em desinformação.
A primeira meta desse processo de educação midiática é, claro, tornar o funcionário um consumidor crítico de notícias na mídia. A segunda é fazer desse profissional um curador apurado das notícias a que tem acesso. E, por fim, a terceira meta é transformar esse colaborador em um compartilhador inteligente de notícias
São habilidades muito úteis sob vários pontos de vista, sobretudo do compliance. Nestes tempos em que todos nos transformamos em potenciais influenciadores nas mídias sociais, a instrução informativa é fundamental para garantir a integridade da empresa.
Os colaboradores devem também contar com instrumentos de ajuda. Pelo WhatsApp, qualquer funcionário deveria poder enviar perguntas sobre o que leu ou ouviu — e, assim, obter esclarecimentos sobre prováveis fake news acerca da empresa.
E, obviamente, os empregados poderiam compartilhar as respostas recebidas para eliminar a notícia falsa em seu início. Por meio dessa ação, se transformariam em embaixadores da marca.
AS FAKE NEWS TAMBÉM DEVEM ESTAR NA MIRA DA LIDERANÇA
Não se pode descuidar também da importância de se preparar as lideranças para enfrentar o fenômeno das fake news. Em algumas situações, muitas poderão se ver na posição de terem de questionar os próprios colegas.
Uma medida prudente é municiar os executivos sobre as mais recorrentes notícias falsas do setor de atuação da empresa, da mesma maneira que hoje existe o clipping para detectar as reportagens que saem sobre a organização
Além de estar familiarizado com os tipos mais comuns de desinformação que ocorrem no seu segmento de negócios, uma liderança deve ter um suporte para agir rápido e com inteligência. Afinal, um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que analisou 126 mil posts, mostra que as fakes news se espalham 70% mais rápido do que as notícias verdadeiras.
Desse modo, pelo menos três medidas são necessárias por parte da empresa para ajudar suas lideranças.
Em primeiro lugar, colocar à disposição — na Intranet, por exemplo — os links das principais agências de checagem de fatos no Brasil. As organizações também devem oferecer um número de celular para o recebimento de notícias que os executivos considerem suspeitas. E, por fim, um kit digital com posts de respostas institucionais para que as possam rapidamente compartilhar nos seus canais internos e externos.
A COLABORAÇÃO É A MELHOR “ARMA” PARA AJUDAR A COMBATER AS NOTÍCIAS FALSAS
Do ponto de vista externo, inclusive, as empresas devem mapear todas as suas atividades com celebridades, influenciadores, investidores e autoridades.
A partir dessa varredura das atividades com esses stakeholders, é possível selecionar os temas sensíveis. Esses assuntos devem ser escalonados em diferentes graus de gravidade e probabilidade. O resultado será uma matriz onde a organização poderá identificar as questões mais graves e prováveis para as quais terá de ter um plano de monitoramento e contingência.
A integração entre todas as áreas é a ação última e fundamental para vencer as notícias falsas — e igualmente importante para garantir uma melhor performance da organização
Um estudo da Oxford Economics em parceria com a Towers Watson mostra que o senso de equipe, com 44,9% das menções, é um dos principais requisitos para empresas de alto desempenho, bem como a colaboração, com 30,4%.
Parafraseando aquele ditado popular, a “união faz a força” — sobretudo quando se trata de combater fake news.
Luiz Chinan é especialista em Management & Leadership pela Universidade da Califórnia Berkeley e certificado em Sustainability Reporting pelo Global Report Initiative (GRI). Tem MBA em Gestão da Comunicação pela Escola Superior de Engenharia e Gestão (ABERJE/ESEG), além de bacharelado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e em História pela Universidade de São Paulo (USP). Sócio-diretor da RETOHC, é fundador da iniciativa Berkeley Institute no Brasil e professor dos MBAs da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Aberje/ESEG e da Sustentare Escola de Negócios. Atualmente, é coordenador do Comitê de Relacionamento com a Mídia da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e líder do projeto Aliança Aberje de Combate às Fake News.
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