Um universo com 13 milhões de consumidores, que movimenta 120 bilhões de reais por ano, não deveria passar despercebido por marcas que querem vender seus produtos e serviços.
Esse é o tamanho do mercado das favelas no Brasil, segundo a pesquisa “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, desenvolvida pelos institutos Data Favela e Locomotiva por encomenda da agência de comunicação Comunidade Door.
A Digital Favela nasceu de olho no imenso potencial desse público consumidor — e influenciador. A plataforma conecta marcas e microinfluenciadores de comunidades periféricas. Segundo Celso Athayde, um dos sócios da empreitada:
“As empresas não querem falar com quem influencia pouca gente. Mas muitos artistas e influenciadores não conseguem falar com credibilidade em nichos como o da favela. Então, entendemos que havia uma oportunidade de reunir vários microinfluenciadores em uma única plataforma”
Os microinfluenciadores da Digital Favela têm até 100 mil seguidores, cada. Para fazer parte do ecossistema, eles se cadastram gratuitamente e são acionados conforme as demandas do cliente, que muitas vezes mobilizam vários influencers de uma vez para divulgar produtos e serviços.
“Juntos, eles são como um grande influenciador, porém com uma reputação exclusiva para aquele território”, diz Celso.
POR TRÁS DO PROJETO, UMA HOLDING DE NEGÓCIOS PERIFÉRICOS E UMA AGÊNCIA DE PUBLICIDADE
CEO da Favela Holding e fundador da CUFA (Central Única das Favelas), Celso encabeça o projeto ao lado de Guilherme Pierri, CEO da Peppery, agência de publicidade. Completam o time de sócios Felipe Branquinho, diretor de criação na Peppery, e Tiago Trindade, diretor de criação na agência Gotcha.
Com o mercado de influência em alta, eles resolveram apostar em um projeto que beneficiasse as duas pontas.
As marcas conseguem chegar de forma mais assertiva nas 5 mil favelas do Brasil onde a CUFA se faz presente. Por sua vez, microinfluenciadores que dificilmente seriam acionados por essa empresa conseguem trabalho e renda.
Celso e Guilherme atuam como co-CEOs. Os dois já se conheciam, mas a relação se fortaleceu durante a pandemia por conta do projeto Mães da Favela, criado por Celso para distribuir cestas básicas a mães em situação de vulnerabilidade. Guilherme colaborou com essa iniciativa e a ideia amadureceu. Celso afirma:
“O que as pessoas querem mesmo é trabalhar — sobretudo a juventude. Ali, entendemos que era o momento de fazer aquilo que já vínhamos namorando há algum tempo e ajudar aquelas pessoas a ter algum tipo de remuneração”
Para dar o start, as duas empresas investiram, juntas, 450 mil reais. A Favela Holding entra ainda com sua força no território periférico, enquanto a Peppery injeta sua expertise em tecnologia e marketing.
“O que garante nosso negócio de pé é eu continuar falando meu bom favelês e o Guilherme falando seu bom português marqueteiro”, brinca Celso.
COMO GRANDES MARCAS ENGAJAM MICROINFLUENCIADORES DA FAVELA PARA FALAR COM SEU PÚBLICO
Os sócios não divulgam o número de pessoas cadastradas na plataforma, mas informam: em um ano foram veiculados mais de 3 500 influenciadores em trabalhos contratados por cerca de 100 empresas parceiras.
Entre elas estão Facebook, Bayer, Pfizer, Casas Bahia, CCR, Boticário, Vult, Locaweb, Claro, Veja, Omo, Devassa e Amanco. Segundo Guilherme:
“Já existe uma aceitação muito grande e pré-disponibilidade das empresas em colocar os investimentos nas mãos das pessoas que mais entendem dos seus territórios, que já são consumidoras, já são target das marcas — e estavam só esperando essa oportunidade para serem as porta-vozes dessas mesmas marcas”
Segundo a Digital Favela, o Santander, por exemplo, trabalha com 150 influenciadores mensalmente. O banco passa o briefing à empresa, que orienta os influenciadores e dá suporte para que possam desenvolver a campanha.
Outro cliente é o Tik Tok. Em novembro de 2020, por conta do Mês da Consciência Negra, a Digital Favela criou uma ação para o app de vídeos curtos dedicada a dar visibilidade aos criadores pretos e periféricos.
A campanha engajou 125 criadores, desde MV Bill até microinfluenciadores como o professor de história Josué Alves e a criadora de conteúdo Jéssica Prisciane. A missão: fazer postagens semanais explicando por que “a minha voz importa”.
MICROINFLUENCIADORES INDÍGENAS TAMBÉM ESTÃO NO FOCO DA PLATAFORMA
Para além do território das comunidades, a Digital Favela começou a desbravar uma nova fronteira e a trabalhar com influenciadores indígenas.
Segundo os sócios, a empresa está desenvolvendo uma campanha (ainda a ser lançada) junto com a Natura em que os protagonistas serão 25 índios de etnias das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Gente como Tukumã Pataxó e Fabi Kiriri.
A Digital Favela chegou a esses microinfluenciadores por meio da CUFA, que já está presente em algumas aldeias. Segundo Guilherme:
“Identificamos alguns perfis de influenciadores indígenas relevantes e trouxemos essas figuras para a nossa plataforma. A ideia é desmistificar que as aldeias são só pessoas que andam peladas, não consomem tecnologia e não podem falar sobre as marcas… As aldeias têm um grande potencial de geração de conteúdo”
Este ainda é um primeiro trabalho pontual. O objetivo da Digital Favela, diz Celso, é que os influenciadores indígenas também se tornem ativos dentro da plataforma para que as marcas possam se comunicar com eles — e através deles, com um público ainda maior.
“A ideia é que a partir dessa campanha outras empresas percebam que é um nicho importante, venham buscar novos indígenas e a gente possa ampliar as alternativas a partir da demanda criada.”
AJUDANDO A FOMENTAR UM MERCADO ONDE ANTES NÃO EXISTIA
A remuneração dos influenciadores, segundo Guilherme, está equiparada à dos “microinfluenciadores de asfalto”, na média de 1 200 a 1 500 reais por pessoa.
A CUFA, enquanto mobilizadora do território, ganha um percentual sobre as negociações, assim como a Digital Favela, que recebe uma porcentagem das empresas clientes (mas não dos influenciadores).
Os sócios não divulgam o faturamento deste primeiro ano de operação. Porém, dizem que o interesse tem sido grande e que a Digital Favela já atraiu propostas de investimento e até aquisição (os aportes teriam sido recusados).
“Estamos trabalhando sem nos preocupar com isso”, diz Celso. “Pode ser que em algum momento a gente tenha que fazer o nosso balanço e usar esses contatos… Mas qual o momento de fazer isso? Não sei dizer.”
Por enquanto, o foco é prospectar mais clientes e trazer mais influenciadores para a plataforma, gerando renda, trabalho e visibilidade para as favelas do Brasil.
“Logo, logo, esses microinfluenciadores abandonam a nossa plataforma e passam a criar suas próprias plataformas, a ter muito mais seguidores e nível para outros serviços”, diz Celso. “E aí a gente começa a estabelecer, criar e fomentar mercado em um território onde não se falava disso.”
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.
“Nerd da favela”, João Souza sempre fugiu dos estereótipos. Hoje ele lidera a ONG FA.VELA, com foco em educação digital e empreendedorismo nas periferias, e a Futuros Inclusivos, agência de consultoria que atende empresas e governos.