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Conheça a brasileira que empreendeu em Londres um projeto para levar mais mulheres e pessoas não-binárias à indústria criativa

Dani Rosolen - 11 out 2021
Isabel Sachs, fundadora da I LIKE NETWORKING.
Dani Rosolen - 11 out 2021
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Apenas 54% das mulheres têm acesso a mentorias. A paulistana Isabel Sachs, 35, é uma dessas mulheres que conseguiu este tipo de apoio. No início de sua carreira no mercado de produção musical, ela contou com o suporte de diversos profissionais mais experientes (como Veronica Pessoa, Head of Labels & Artists BR da Altafonte).

“Mesmo quando ainda não existia esta classificação de ‘mentor’, ela foi essa pessoa, pegando na minha mão e mostrando os caminhos”, diz.

Isabel aprendeu cedo sobre a importância de uma figura como essa na vida de um profissional da indústria criativa, que depende de networking e recomendações. Ela só não imaginava que, anos depois, fosse montar um programa internacional de mentorias para mulheres e pessoas não-binárias que atuam nesta indústria. Fundado por Isabel em Londres (onde vive desde 2014), o projeto atende por I LIKE NETWORKING.

Além de fazer a conexão com mentores, a I LIKE NETWORKING promove eventos, conta com um painel de vagas de emprego, um podcast (atualmente com 36 episódios), um sistema de assinatura e uma newsletter com foco em carreira. A missão de todas essas frentes é uma só: melhorar as estatísticas de diversidade e inclusão na indústria criativa.

Essa missão vem sendo cumprida, diz Isabel: em um ano de operação, o negócio social já impactou mais de 3 mil pessoas no planeta. Fora isso, se tornou o primeiro projeto brasileiro a receber o D&AD na categoria side hustle, além de uma menção no The New York Times como uma das boas iniciativas que surgiram na pandemia.

O MESTRADO SERVIU DE OPORTUNIDADE PARA CONHECER A INDÚSTRIA CRIATIVA DA INGLATERRA

Isabel já atuava há mais de 15 anos no mercado cultural e tinha empreendido no Brasil a agência EUFORIA, pela qual realizou projetos de música para Red Bull, Converse e Lollapalooza.

Quando embarcou para Londres, seu plano era fazer um mestrado e depois retornar ao Brasil. No entanto, curiosa para saber como funcionava o modelo de negócios do mercado criativo em outro país, acabou prolongando a estadia, e assim foram se passando os anos…

“Queria entender se, na Inglaterra, o profissional que atua nesta indústria precisa ser ‘pau para toda obra’ como no Brasil, atuando na produção, no marketing, no crowdfunding etc.”

Aos poucos, pegando um job aqui e outro ali, Isabel foi se inteirando sobre o funcionamento do mercado criativo britânico. Decidiu, então, ficar e vendeu a EUFORIA. O plano passou a ser abrir uma agência de comunicação focada em eventos sustentáveis. Ela estava estudando o negócio em sociedade com uma amiga, até que aí veio a pandemia…

NA CRISE, ISABEL QUIS AJUDAR PROFISSIONAIS CRIATIVOS A FAZER ALGO QUE ELA ADORA: NETWORKING

Decretada a quarentena, em março de 2020, além de ter que abortar a ideia da nova empresa, Isabel se viu de repente sem nenhum contrato de job mais longo…

“A situação aqui estava bem tenebrosa…”, lembra. “O mercado criativo ficou totalmente parado. Foi bem difícil, mas ao mesmo tempo, tive apoio de pessoas que me ligaram, mandaram meu currículo, começaram a me passaram alguns frilas.”

Passado o susto inicial, ela foi se tranquilizando. “Depois de uma semana sofrendo com a situação, me dei conta de que estava neste mercado há tanto tempo, conhecia muita gente, tinha o privilégio de ter uma poupança, de já ter empreendido na área. Vi que não estava nas piores das situações, o copo estava meio cheio.”

No entanto, conversando com amigas, Isabel viu que elas estavam entrando em desespero. “Uma delas veio me falar que não sabia o que fazer porque só tinha como arrumar emprego neste mercado com networking — e ela odiava isso. Aí, eu respondi: I like networking”.

E assim, de forma casual, nasceu a ideia de transformar essa habilidade em um negócio social.

“Sempre fui de apresentar as pessoas umas para as outras e decidi fazer algo com isso, criando um projeto de mentoria para dar suporte a mulheres e pessoas não-binárias da comunidade criativa de áreas como artes, moda, música, entre outras, que estivessem se sentindo desesperadas”

A escolha por apoiar mulheres e pessoas não-binárias foi motivada pela menor representatividade desses grupos no mercado — e também por entender que eles estavam sendo mais afetados pela pandemia.

“Começou a se ouvir o termo ‘SheCession‘, uma recessão que afetava muito mais a mulheres do que os homens”, diz Isabel. “Além disso, naquela época o movimento Black Lives Matter ganhou mais peso, o que forçou a conscientização das pessoas sobre diversidade.”

NO BOCA A BOCA, MAIS DE 400 PESSOAS SE INTERESSARAM PELA MENTORIA

Primeiro, Isabel fez uma pesquisa com profissionais do seu círculo dispostos a dar mentoria. Estes, por sua vez, indicaram outro nomes. E assim, ela formou um time de 37 mentores de diversas áreas e de empresas e instituições como Tate, Google, Nike, Gates Foundation e Spotify.

Em junho de 2020, Isabel lançou o projeto piloto, com a primeira chamada gratuita de mentoria para mulheres e pessoas não-binárias do mundo inteiro.

“Foi tudo muito no boca a boca. Pedi também para os mentores avisarem suas redes. Tínhamos apenas um site com um formulário e [mesmo assim] fiquei chocada com a demanda. Esperávamos 100 inscrições, e no final tivemos mais de 420”

Eram pessoas do Brasil, dos Estados Unidos, da Suíça, da própria Inglaterra, entre outros países. Segundo Isabel, mais de 50% se encaixavam na categoria BAME (Black, Asian and Minority Ethnic, ou seja, negras, asiáticas e de minoria étnica).

A empreendedora filtrou as inscrições uma a uma para chegar a uma lista de 70 pessoas, número que o projeto daria conta de atender.

Cada mentor escolheu pelo menos duas pessoas para realizar quatro sessões ao longo de três meses, cada uma delas com 1h ou 1h30 de duração. Além disso, havia o compromisso de apresentarem profissionais de sua própria rede de contato ao mentorado, para ajudar a deslanchar seu networking.

“Um casos simbólico para mim é o da coreógrafa e dançarina [inglesa] Becky Namgauds, que não tinha muita autoconfiança… Desde que passou pela mentoria, ela fechou muitos negócios, está agenciada, começou a fazer trabalhos para a área de moda e cinema, assinando coreografias.”

Nem todo mundo que entra, diz Isabel, quer uma vaga de emprego. Tem gente que deseja abrir a própria empresa, outras buscam promoção no trabalho ou mudar de ramo.

COMO AJUDAR QUEM NÃO FOI SELECIONADO NO PROCESSO

Isabel não queria deixar na mão mais de 300 pessoas que não foram escolhidas nesta primeira seleção.

“Comecei a pensar em outras formas de apoiá-las, já que no mercado criativo as informações não estão disponíveis facilmente se você não tem contatos. As pessoas não sabem quais newsletters têm que assinar, que sites acessar, o jeito que se aplicar para uma vaga etc.”

A primeira ideia foi realizar sessões abertas com temas específicos pelo Zoom para que pessoas pudessem fazer perguntas online para os mentores.

“Depois, comecei um podcast entrevistando todos os mentores participantes. E, como muitas pessoas passaram a me dar informações sobre o que estava acontecendo na nossa indústria, consolidei tudo e distribuí nas redes sociais e em uma newsletter”, diz.

Dessa forma, o projeto foi além da conexão com mentores: virou um hub de dicas e oportunidades, com uma comunidade de 20 mil pessoas (somando redes sociais e assinantes da newsletter).

DEPOIS DO PROJETO PILOTO, UMA SEGUNDA EDIÇÃO COM MAIS MENTORES E PARTICIPANTES

A ideia original era manter o projeto no ar apenas por três meses — tempo que a quarentena por cotna da Covid-19 deveria durar, na estimativa de Isabel.

Como se sabe, não foi bem assim. Hoje, o programa de mentoria da I LIKE NETWORKING já se encontra em sua segunda edição anual. Os números quase que dobraram: desta vez, são 120 participantes selecionados e sendo acompanhados por 70 mentores.

Os mentores, lembra Isabel, podem ser de qualquer identificação: homens, mulheres, cis, héteros, gays, pessoas não-binárias, queers etc. O importante é a disposição para compartilhar seus conhecimentos.

“Apenas as mentoradas precisam ser mulheres ou pessoas não-binárias. E o nosso sonho é que daqui a cinco anos todo mundo que já passou pelo processo possa ser mentor, ajudando a diminuir esse gap no mercado”

As trocas desta segunda turma de mentoria, segundo a empreendedora, vêm rolando desde setembro.

MAS AFINAL: COMO A I LIKE NETWORKING GANHA DINHEIRO?

Para colocar a primeira edição de pé, Isabel organizou um crowdfunding  e arrecadou 5 mil libras esterlinas. Na sequência, o banco inglês NatWest decidiu investir mais 2 500 libras, ajudando a promover o projeto piloto.

Esse modelo de patrocínio se consolidou e hoje viabiliza as mentorias gratuitas da I LIKE NETWORKING. Hoje, entre 10% e 20% da renda do negócio social vem dessas contribuições de empresas e pessoas físicas.

O patrocinador principal desta segunda edição é a Underpinned, plataforma de escritório virtual para freelancers. Isabel também conquistou apoio financeiro (para o podcast) junto à Your Daye, empresa que produz OBs orgânicos com óleo de CDB.

A empreendedora também estruturou novas fontes de renda. Uma delas são workshops com foco em carreira; oferecidos a “preços acessíveis”, chegam a responder por até 40% do faturamento. Além disso, Isabel lançou um serviço de recrutamento: empresas pagam 50 libras para que a I LIKE NETWORKING as conecte com profissionais diversos do mercado criativo (essa frente hoje equivale a 20% da receita do negócio).

Por fim, em 2021 Isabel criou um clube de assinatura. Os assinantes pagam 10 libras por mês para ter acesso a uma comunidade de apoio, conteúdos exclusivos, eventos, descontos em outras plataformas, cursos etc.

Segundo ela, cada cinco assinaturas pagas bancam uma assinatura gratuita a quem não tem condições de arcar com os custos. Atualmente, 80 pessoas fazem parte dessa comunidade fechada.

“É incrível… Uma das pessoas a quem a gente deu acesso gratuito à comunidade mandou uma mensagem contando que conseguiu emprego e queria começar a pagar pela assinatura para ajudar alguém que não tem essa oportunidade”

Para 2021, o sonho de Isabel é que o número de assinaturas siga crescendo — e que a comunidade ganhe mais conteúdo e influência para ajudar a impactar o direcionamento de políticas públicas.

O DESAFIO É MANTER UM MODELO DE NEGÓCIO QUE GERE IMPACTO (E PAGUE AS CONTAS)

Até aqui, pode parecer que a empreendedora chegou ao sucesso com facilidade, logo em sua primeira tentativa… Mas ela conta que levou alguns tombos da tecnologia até conseguir colocar o formulário de inscrição para a mentoria no ar.

“Na primeiro edição, o software de formulário que usamos para aplicação foi um completo desastre… Não permitia transferir do sistema dados dos candidatos como idade, gênero, deficiência etc. — informações as quais podíamos ter acesso sem divulgá-las. No final, tivemos que fazer isso manualmente.”

Outro equívoco que serviu de aprendizado foi a demora para criar as redes sociais do negócio. “Uma mentora já havia dito, na primeira edição, que tínhamos que abrir um perfil no Instagram. E [na época] eu não quis, achei que ia dar muito trabalho, que eu não ia dar conta…”

Depois, claro, Isabel mudou de ideia. Hoje, a I LIKE NETWORKING tem 15 mil seguidores no Instagram. E o faturamento? A previsão de faturamento é fechar 2021 faturando 25 mil libras, cerca de 187 mil reais (na cotação atual).

“O principal desafio, desde o dia 1, é manter um modelo de negócio viável e que seja sustentável — porque todo mundo precisa pagar as contas — e ao mesmo tempo crescer de forma justa e transparente, sem perder o propósito.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: I LIKE NETWORKING
  • O que faz: Plataforma de mentoria e networking para mulheres e profissionais não-binários
  • Sócio(s): Isabel Sachs
  • Funcionários: 2 (com a fundadora)
  • Sede: Londres
  • Início das atividades: 2020
  • Investimento inicial: 7 500 libras esterlinas (ou cerca de R$ 56 mil na cotação atual)
  • Faturamento: 25 mil libras esterlinas (previsão para 2021), ou cerca de R$ 187 mil na cotação atual
  • Contato: [email protected]
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