Em 2016, questões como a ansiedade, a depressão e o estresse foram consideradas pela Organização Mundial da Saúde como os males do século XXI.
Segundo a pesquisa World Happiness Report, os maiores indutores de adoecimento mental têm relação com o trabalho, com a forma como nos relacionamos com nossos chefes e com a falta de equilíbrio entre o tempo dedicado às demandas profissionais e às pessoais.
Ainda de acordo com um levantamento da International Stress Management Association, 70% da população economicamente ativa do Brasil sofre de estresse clínico, sendo que 30% deste total já atingiram o burnout em algum momento.
Quer dizer que se eliminarmos o trabalho de nossos vidas seremos pessoas mais felizes? Esta seria uma solução simples, mas não funciona assim. O trabalho é essencial em nossas vidas, somos seres fazedores.
“Na verdade, a gente tem uma grande expectativa de que o trabalho nos engrandeça, porém ele está nos adoecendo”
Quem diz isso é Carol Romano, mestre em Psicologia Positiva, psicanalista, fundadora da Maker Brands (que já foi pauta aqui no Draft), cofundadora da The Mind Factor e ela mesma vítima de um burnout.
Lançada em junho de 2020, a consultoria que entende o bem-estar como um pilar estratégico para os negócios reúne especialistas com trânsito no mundo corporativo em diferentes áreas.
Além de Carol fazem parte do time de cofundadores: Andre Fusko (médico psicanalista especialista em saúde mental no trabalho), Andrea Janér (cofundadora da Oxygen), Celina Esteves (ex-vice-presidente executiva da África e atualmente consultora, coach e mentora de executivos), Hannah Chamon (especialista em segurança psicológica), Nathalie Trutmann (head of growth do CESAR e innovation strategy director da 500 Global) e Otavio Leonhardt (psicanalista e especialista em cultura organizacional).
Em pouco mais de um ano de operação, o negócio já atuou com consultoria e formação de lideranças na Basf, no Grupo Boticário, no Google, na L’Oréal e na Novartis, ajudando essas empresas a construírem negócios com mais vitalidade e ambientes e relações de trabalho mais saudáveis. O valor mínimo de uma consultoria da The Mind Factor começa em 50 mil reais.
A seguir, Carol Romano compartilha como seu deu a criação do negócio, qual sua metodologia, metas e desafios até aqui.
Como surgiu a ideia de empreender a The Mind Factor?
Eu já empreendia com foco no mundo corporativo com a Maker Brands. Aos poucos, fui entrando no universo da psicologia através de um movimento inovador chamada Psicologia Positiva, e depois entrei na [formação em] Psicanálise.
Quando me formei e comecei a atender pacientes, percebi que as grandes empresas estavam precisando muito de uma assessoria na área de saúde mental, com cada vez mais colaboradores sofrendo de burnout por questões relacionadas ao trabalho
Resolvi juntar pessoas que eu admirava nesta área para pensarmos uma solução e começamos a nos reunir online uma vez por semana em 2019 para discutir como ajudar as empresas com questões de saúde mental. Quando veio a pandemia, a gente acelerou esse processo porque entendemos que, mais do que nunca, teríamos como impactar.
Você mesma viveu um burnout. Pode contar um pouco sobre essa experiência?
O burnout é quando o corpo não consegue parar. Ele precisa descansar, mas não consegue. Aí você surta, pifa. Eu tive, em 2018, e é desesperador. É você querer dormir à noite e sua mente não desligar, a não ser que você tome um remédio daqueles que te derruba. Eu precisei começar a tomar quando tive uma crise no meio da madrugada.
Dormi por 17 horas seguidas. Foram oito meses de remédio para me recuperar. O custo de um burnout é muito grande. Eu não conseguia desempenhar. Bug no sistema total
Na época, eu já estava no meio do curso de Psicanálise. Isso me ajudou muito a entender o que estava acontecendo.
De volta à empresa: qual é a proposta da The Mind Factor?
Percebemos que o primeiro passo das empresas na hora de cuidar da saúde mental do colaborador era oferecer programas de benéficos e de qualidade de vida, como mindfulness, meditação, terapias online e ginástica laboral. Essas iniciativas são importantes, mas elas fazem sentido do ponto de vista do indivíduo. Do ponto de vista das empresas, porém, isso pode ser uma grande armadilha.
Se olharmos para o indivíduo sem olhar para o contexto organizacional, o que está sendo feito é apenas um “treino de resiliência”. Os colaboradores ficam mais resilientes às adversidades, mas nada muda na relação com o chefe, as regras permanecem as mesmas… E o contexto continua sendo adverso e muitas vezes indutor de adoecimento mental
Então, a proposta da The Mind Factor não é trabalhar nesta linha das políticas ou ofertas de bem-estar, e sim olhar para a cultura e para as regras organizacionais.
Quais foram os primeiros passos da consultoria, nesse começo de jornada do negócio?
Para começarmos, a gente surfou nessa onda dos cursos online e desenvolvemos uma formação para líderes pelo bem-estar chamada The Mind Factor Experience. Investimos 12 mil reais na experiência e ela já se pagou na primeira edição. Foi o nosso protótipo do que seria posteriormente o atendimento na empresas.
A ideia era oferecer uma formação sobre como trabalhar bem-estar dentro de uma corporação e qual postura assumir diante dos desafios da saúde da mente. Você não precisa ser o Chief Happiness Officer ou o Chief Wellbeing Officer da empresa [para liderar esse processo].
Na verdade, de qualquer cadeira que você ocupe é possível liderar com essa visão e entender como ser um indutor e catalisador de bem-estar em suas relações, pressionando o sistema para que fique melhor
Essa experiência consiste em nove encontros online em que a gente trabalha quatro pilares: a psicodinâmica do trabalho — ou seja, olhamos para o contexto e as regras da empresa –; a segurança psicológica; o desenvolvimento contínuo das empresas como plataformas de aprendizagem, ou o que chamamos de learning organizations; e os novos modelos de liderança, em que sai o comando controle e entra uma liderança mais assertiva, empática, inspiradora, que libera os caminhos.
Realizamos duas turmas abertas do curso para sentir como funcionaria a dinâmica; depois, fomos atrás das empresas para oferecer o modelo in company. Hoje, além de rodarmos a experiência nas empresas, oferecemos a consultoria, com diagnósticos e sprints para desenhar soluções.
Como a The Mind Factor trabalha essas questões na prática?
A primeira coisa que buscamos é focar na criação de segurança psicológica, ou seja, mudar a forma como as pessoas se relacionam dentro da organização, substituindo a cultura de medo por uma cultura de confiança.
Quem trouxe à tona esta questão foi o Google, em 2016, com uma pesquisa chamada Projeto Aristóteles, que buscava revelar os segredos de produtividade e eficiência de suas equipes. Após ouvir 100 times de trabalho da organização, eles chegaram à conclusão de que o principal elemento destas equipes de ultra performance era a segurança psicológica.
Essa pesquisa provou que não só a segurança psicológica faz bem para saúde da mente, mas que fazer bem para a saúde da mente impulsiona resultados, o que fez esta questão virar algo muito estratégico dentro das empresas.
Depois, olhamos para as regras, como funcionam os sistemas de avaliação, o plano de desenvolvimento dos colaboradores, as metas etc.. Porque quando uma regra está incoerente com um valor ou um movimento cultural, isso pode ser um indutor de adoecimento para os colaboradores
Vou dar um exemplo. Hoje, as empresas estão valorizando muito o movimento do ágil, que não se traduz em pressa absoluta, mas em trabalhar colaborativamente para resolver desafios complexos e sistêmicos. Mas o problema é que os rankings de avaliação nas empresas continua a ser individual.
O colaborador participa de uma série de treinamento e palestras em que ouve que precisa ser mais colaborativo, mas no final o que conta é se ele é melhor que a pessoa ao seu lado…
Essa história de que meritocracia precisa se competitividade é uma falácia. O mérito pode ser reconhecido de outras maneiras, até porque hoje em dia, com a questão da segurança psicológica, o desafio é como medir o desempenho do time, e não só o individual
Então, quando a gente olha para as regras corporativas, o que tentamos fazer é combater o que chamam de “crenças limitantes” — na The Mind Factor, preferimos chamar de “defesa psíquica”. Tem um monte de coisa que adoece a gente na relação com o trabalho; mas como elas “sempre” foram assim, a gente não consegue lutar e acaba transformando isso num valor.
Você pode dar um exemplo dessas “defesas psíquicas”?
A sociedade não só normalizou como glamourizou [o fato de] sermos workaholics. No fundo, todos nós sabemos que isso faz com que a gente adoeça, mas passamos a acreditar que é preciso fazer tudo para ser alguém.
Unindo essa crença ao valor central da sociedade do capitalismo, que é o desempenho em primeiro lugar, passamos a acreditar que se não estamos desempenhando, não somos ninguém
E, por mais que a gente saiba que isso está nos prejudicando, é muito difícil sair desse ciclo, que acaba levando ao estresse, à ansiedade e ao burnout. Por isso é muito importante entendermos se as regras na empresa estão coerentes com seus valores.
Pode citar um case interessante de aplicação da proposta da The Mind Factor dentro de uma empresa?
Rodamos uma experiência in company no Grupo Boticário com as lideranças de Cultura, RH e Saúde. Mal o treinamento acabou e a empresa resolveu impactar toda a liderança.
De agora até dezembro, vamos oferecer uma experiência The Mind Factor pocket para quase 500 líderes do Boticário. Já estivemos inclusive com o presidente da empresa, o conselheiro e CEO e os VPs
Estamos juntos entendendo o valor de olhar para as regras, para as relações e os indivíduos, trabalhando as pessoas e o contexto organizacional ao mesmo tempo. Ainda é difícil falar sobre impacto porque, por enquanto, a gente está nesse lugar de engajamento, trazendo voz para os problemas e deixando as pessoas falarem o que estão sentindo para cocriarem o próximo passo junto com a liderança.
Quais vêm sendo os principais desafios de se empreender a The Mind Factor?
Um dos desafios é a agenda dos executivos. Os processos com a gente são ágeis, mas não é em um dia ou dois juntos que conseguimos fazer uma transformação.
No geral, a gente convida os executivos para uma jornada de três a cinco encontros, o que costuma durar cinco semanas — mas o processo de engajamento de toda a liderança pode levar de três a cinco meses.
Mas o maior desafio é mexer em bases muito enraizadas nas empresas, em questões que sempre foram da mesma maneira — e que precisam mudar.
Durante a pandemia, as empresas entenderam que o trabalho remoto, com mais flexibilidade e autonomia funciona. Como evitar que haja uma regressão com a volta ao esquema presencial?
As empresas precisam entender que o novo paradigma é a gente não mais encaixar a vida no trabalho, mas o trabalho na vida. O trabalho precisa engrandecer e realizar as pessoas.
O lucro é resultado de valor agregado ao trabalhador, ao cliente e à sociedade. Se eu estou me extenuando trabalhando, se eu cheguei na síndrome do esgotamento, que valor isso está gerando? A geração de valor é uma lógica muito importante.
Como erguer um “espaço transcultural” numa das menores capitais do país? E sem nenhum aporte público? Josué Mattos insistiu nesse sonho e hoje dirige o Centro Cultural Veras, em Florianópolis, criado e mantido por uma associação de artistas.
Com uma longa carreira na indústria do cinema (ele é fundador da Downtown Filmes), Bruno Wainer fala sobre saúde mental e os bastidores da criação de Aquarius, sua plataforma de streaming que acaba de chegar ao catálogo da Amazon Prime Video.
Arte e vinho combinam com escritório e dinâmica de grupo? Marcos dos Santos e Nátaly Sicuro acreditam que sim: o casal comanda a Vinho Tinta, que promove eventos para funcionários e clientes de marcas como Boticário, Uber e Nubank.