Água, leite, manteiga, ovo, polvilho, queijo e sal. São esses os ingredientes necessários para fazer uma iguaria de Minas Gerais apreciada em todos os cantos do país e referência de comida brasileira entre muitos gringos: o pão de queijo.
Com uma receita simples, deveria ser fácil produzir e vender por aí um bom pão de queijo. Mas foi justamente a dificuldade de encontrar algo gostoso na cidade onde mora, Rio de Janeiro, que fez a mineira Rafaela Gontijo, 35, largar o mundo corporativo, em 2015, para empreender um produto caipira com a NUU Alimentos.
Natural de Patos de Minas, cidade a 400 quilômetros de Belo Horizonte, e conectada ao universo agro desde pequena (o pai é engenheiro florestal e a mãe, advogada do setor), Rafaela cresceu comendo pão de queijo. O dela, no entanto, tem um ingrediente especial:
“A gente não faz o melhor pão de queijo do mundo, mas para o mundo”
Isso porque o produto é carbono neutro. Em 2020, pesquisando mais a fundo a relação entre produção de alimentos e sustentabilidade, a empreendedora decidiu transformar a NUU em uma empresa regenerativa.
Desde 2020, o negócio já compensou as 585 toneladas de gases que sua produção emitirá no planeta até o final de 2021. Isso equivale, segundo o site da marca, a 155 voltas na terra de avião, 193 hectares de árvores plantadas e 1560 caminhões viajando ida e volta, de BH ao RJ.
E, recentemente, para ganhar escala, Rafaela inaugurou, em sua terra natal, uma fábrica própria que segue moldes sustentáveis.
Todas essas mudanças fizeram a NUU ser notada pela ONU e figurar entre as 50 empresas do mundo com o título UN Best Small Business: Good For All. Como destaca o site: dá para fazer melhor jeito sempre, então “uai not?”.
Formada em Relações Internacionais, Rafaela Gontijo trabalhava na Johnson & Johnson, no Rio de Janeiro, mas frequentemente viajava para a fazenda dos pais, em Patos de Minas, de onde trazia pão de queijo congelado feito por sua mãe.
Quando assava os pãezinhos para as visitas, sempre recebia elogios e o pedido da receita. Mas segundo ela, não havia segredo algum ali.
“Fui pesquisar sobre o assunto para entender melhor o encantamento dos meus amigos e vi que, em busca de escala, a indústria havia transformado o pão de queijo em outra coisa”
Uma experiência (ruim) em uma lanchonete no Cristo Redentor também fez com que ela percebesse que na receita tradicional do pão de queijo havia uma oportunidade de negócio.
“Esse foi um dos momentos ‘a-há’, pois eu estava num ponto turístico do Rio, que recebe milhares de gringos, e o local estava vendendo um pão de queijo que era mais um pão ‘de quê?’…”
Aquele salgado sem gosto vendido e consumido junto ao Cristo despertou de vez a veia empreendedora de Rafaela.
Ela decidiu que era hora de deixar o mundo corporativo para produzir artesanalmente, na cozinha de sua casa, pães de queijo, vendidos em feirinhas gastronômicas do Rio. Investiu na empreitada cerca de 20 mil reais para comprar um forno, uma batedeira e um freezer, além de desenvolver as embalagens.
“Quis resgatar essa receita que surgiu no século 18 nas fazendas de Minas e que foi sendo ultra industrializada com o tempo, com a adição de aroma de queijo, amido modificado, ovo em pó e outros ingredientes que fizeram o pão de queijo perder aquele gosto familiar”
O nome NUU brinca com o jeito mineiro de abreviar a interjeição “Nossa Senhora!”; serve, também, segundo a empreendedora, para retratar um produto “nu” — sem corantes, aromatizantes e sem pressa na preparação.
O diferencial da receita, diz Rafaela, é o queijo artesanal de leite cru, que a princípio vinha da fazenda dos seus pais — e, depois, com a expansão do negócio, passou a ser comprado de outros fornecedores.
Com o tempo, a produção da NUU mudou da cozinha da empreendedora para uma fábrica terceirizada e passou a ser vendida congelada para supermercados, lanchonetes, museus e cinemas. O pacote de 300 gramas, com o produto no tamanho médio, custa R$ 14,99.
Ela também ganhou parceiros nesta jornada. O chef de cozinha Erik Nako e o designer Ian Lenz, seu marido e responsável pela identidade visual da marca.
No meio de 2019, Rafaela se tornou mãe de gêmeas. Seis meses depois do nascimento das crianças, veio a pandemia e a família se mudou para a fazenda dos pais da empreendedora, onde ficou por cinco meses.
“Com o fechamento do comércio no começo da quarentena, as nossas vendas caíram 90%. Em relação a 2019 foi uma queda de 18%”, diz. “Por isso, precisamos parar para repensar qual seria o caminho do negócio. E nesse processo, acabamos entrando em contato com o impacto da indústria de alimentos nas mudanças climáticas.”
Rafaela ficou chocada ao descobrir que um terço das emissões de gases de efeito estufa vem da indústria de alimentos.
“Um dos maiores erros nossos foi escalar sem questionar os impactos que a gente estava gerando de verdade. Isso me fez parar e começar a buscar formas de tornar a NUU uma empresa regenerativa”
Ela diz que a primeira medida foi entender quanto a empresa emitia de carbono, o que foi feito com a ajuda e conhecimento da Way Carbon e do Amigos do Clima, levando em conta os gases emitidos pela pecuária leiteira até o forno da casa do consumidor, onde o pão de queijo é assado.
O total foi de 585 toneladas até o final de 2021, já compensados na preservação da Floresta Amazônica em Paragominas, no Pará.
Depois de compensar, a NUU foi buscar como reduzir sua pegada de carbono. “Percebemos que se, em vez de terceirizar a produção, tivéssemos nossa própria fábrica, conseguiríamos reduzir em 15% as emissões.”
E assim começaram os planos da construção de uma fábrica lá mesmo, em Patos de Minas, com um investimento de 3,5 milhões de reais.
“Para reduzir nosso impacto, instalamos 210 placas de energia fotovoltaica, captamos água de chuva de 10 mil litros para usar na parte de limpeza e tratamos os efluentes”
Além disso, os resíduos orgânicos vão para uma composteira da própria fábrica e 100% de compensação de embalagens é feita pelo selo eureciclo.
A fábrica foi inaugurada em setembro e tem capacidade de produção 500% maior que a tiragem atual, podendo chegar a 100 toneladas de pão de queijo por mês.
Entre parte administrativa e fabril, a empresa conta com 19 pessoas na equipe, sendo 15 mulheres — uma exigência de Rafaela. “Se eu tive essa oportunidade de criar um negócio do zero, achei que era minha obrigação impulsionar outras mulheres.”
A escolha dos fornecedores (atualmente, oito) é feita levando em conta a distância das fazendas — que precisam estar no máximo a 40 quilômetros de distância da sede –, a legalidade da produção, a qualidade do produto e a sustentabilidade, critérios estabelecidos em parceria com a consultoria Invista Foods.
Para capacitar outros fazendeiros no mesmo modelo, a NUU foi convidada pela Embrapa a selecionar uma fazenda de queijo de leite cru e ajudá-la na transição da produção tradicional — sem certificação — para uma produção de baixo carbono, regenerativa e certificada.
O projeto está sendo financiada pelo Banco Internacional de Desenvolvimento (BID) através do edital Rural Sustentável.
“A ideia é criar conteúdo a partir dessa fazenda modelo e disponibilizá-lo gratuitamente para ajudar as mais 2.500 propriedades da região a se adaptarem a essa realidade”
Os trabalhos na fazenda selecionada começam em janeiro do ano que vem e vão possibilitar, com a adoção das novas práticas, aos fazendeiros desenvolver o primeiro queijo carbono neutro, que futuramente será vendido pela NUU em peças.
Sobre a fazenda do pai, Rafaela conta que desde que deixou de ser fornecedora da NUU, eles decidiram usar o espaço para a criação de uma agrofloresta, desenvolvida junto com a Pretaterra.
A ideia é plantar ali os ingredientes da empresa que não são leite e derivados. No local, também teve início a produção de ovo caipira em um galinheiro de 2 mil metros quadrados.
Os insumos serão usados em uma nova linha de produtos, de bolos clássicos caseiros, que a empresa pretende lançar no começo do ano que vem.
O desenvolvimento e a pesquisa de novos produtos da NUU fica por conta do chef Erik, sempre levando em conta receitas tradicionais que tragam para a casa do consumidor um gostinho da culinária caipira mineira.
No final do ano passado, ele desenvolveu uma receita de palitinhos de tapioca, também congelados. O produto leva três ingredientes – leite, polvilho e queijo – e em algumas redes de supermercados já vende mais do que o pão de queijo da NUU. O pacote de 300 gramas custa R$ 15,99
“Ele foi criado pensando em atender toda a família. Para as crianças, é fácil de segurar por ser ‘compridinho’. Para os adulto é ótimo para mergulhar em molhos”, afirma a empreendedora.
Outra novidade é a pizza com massa de pão de queijo, que deve ser lançada ainda neste mês. “É um tamanho brotinho para consumo individual, com ingredientes naturais, ou melhor, de verdade.”
A pizza terá três sabores: margherita (com queijo artesanal de leite cru), pepperoni (com linguiça mineira artesanal) e frango defumado com catupiry, além de duas opções doces (de doce de leite e goiabada com queijo). O valor sugerido de venda será de 16 a 20 reais.
Hoje, os produtos podem ser encontrados no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Espírito Santo, em Patos de Minas e no e-commerce da empresa, com entrega apenas no Rio.
Se deu água na boca, vale saber que as receitas da NUU são abertas para você tentar fazer em casa. Aqui, você encontra a do palitinho e aqui a do pão de queijo. Se vai ficar igual ao da empresa são outros quinhentos…
“Vai depender muito da escolha dos insumos. Se a pessoa conseguir um bom queijo artesanal de leite cru, um polvilho artesanal, acho que vai ficar bom sim!”, diz Rafaela.
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