Da próxima vez que for ao supermercado, dê uma olhada nas embalagens e busque pelas palavras “óleo vegetal”. Essa substância está presente no chocolate, no biscoito, no pão, nos produtos de limpeza, nos plásticos, nos cosméticos e em cerca de 60% dos produtos disponíveis nas prateleiras.
Porém, apesar da enorme demanda planetária, ainda não existe uma forma sustentável para a sua produção, fundamentada na monocultura. É esta a realidade que a Inocas – Soluções em Meio Ambiente pretende transformar.
Fundada em 2015, a empresa desenvolveu um sistema silvipastoril que integra plantação e pecuária em uma área de 2 mil hectares na região de Patos de Minas (MG), a cerca de 400 quilômetros de Belo Horizonte.
No mesmo terreno utilizado para a criação de gado, são plantadas árvores de macaúba, palmeira muito comum na região do Cerrado. Além de melhorar a qualidade da terra devido ao aumento da área de cobertura vegetal, é possível produzir um óleo de alta qualidade a partir do processamento dos frutos da macaúba.
Quem está à frente dessa operação é Johannes Zimpel, 44, fundador e CEO da Inocas.
“Antigamente as pessoas falavam ‘ou você protege, ou você produz’ e aqui funcionam os dois modelos: você consegue proteger produzindo”
Criado em São Paulo, Johannes sempre se incomodou com as diferenças entre pobreza e riqueza, rural e urbano — um contraste que se tornava mais evidente em suas andanças pelo interior.
“Eu passava as férias na Serra da Mantiqueira e voltava com o sentimento de que era preciso achar soluções para viver em harmonia com a natureza.”
Esse modo de ver o mundo foi determinante para que Johannes crescesse buscando espaços de estudo e trabalho onde fosse possível gerar equilíbrio social e ambiental.
Aos 16 anos, ele se mudou para a Alemanha e viveu outras experiências antes de mergulhar de cabeça na produção rural, ao encontrar uma oportunidade junto à GIZ, a Agência Alemã de Cooperação Internacional. A proposta era ir para a Amazônia trabalhar com as cadeias produtivas da sócio-biodiversidade, em um programa de valorização da floresta em pé.
Johannes se mudou de volta para o Brasil em 2008. O período seguinte foi um mergulho intenso que definiria a sua trajetória futura:
“Passei seis anos e meio trabalhando com agricultores familiares e ribeirinhos, com turismo comunitário e cadeias de produção de alimentos, como castanha de caju, açaí, cacau, óleos vegetais e outros produtos. Foi extraordinário”
Entre os trabalhos que desenvolvia estava o apoio a agricultores familiares na identificação, extração e venda de óleos vegetais nobres.
“Aprendemos a fazer cosméticos de óleo de andiroba”, conta Johannes. “Isso gerava um faturamento de 12 mil reais por árvore por ano para a cooperativa. E o investimento necessário era o custo de um liquidificador.”
Em 2011, enquanto Johannes estava na Amazônia, uma equipe de pesquisadores começou a rodar o mundo buscando uma resposta para a seguinte pergunta: com qual planta é possível produzir um grande volume de óleo vegetal, beneficiando o produtor rural sem impactar negativamente o meio ambiente?
Foi quando a equipe conheceu a macaúba. Apesar de alguns produtores rurais considerarem a árvore uma praga, os pesquisadores chegaram à conclusão de que seria possível adensar a ocorrência dessas palmeiras sem comprometer a pastagem dos animais, o que possibilita manter a atividade de pecuária e gerar um “segundo andar produtivo” para a fabricação de óleo vegetal em grandes quantidades.
Cria-se assim, explica Johannes, um sistema silvipastoril: um pasto consorciado com uma floresta de palmeiras.
“Enquanto o pasto é melhorado, porque tem vários componentes favoráveis à pastagem, você produz uma quantidade gigantesca de óleo vegetal no segundo andar, sem desmatamento e sem mudança do uso do solo”
A proposta é boa para o produtor, que consegue multiplicar sua receita usando a mesma área que já utilizava no trabalho com o gado, e boa para o meio ambiente, pois evita a derrubada da floresta: o trabalho consiste exatamente em aumentar a cobertura vegetal do pasto.
O óleo de macaúba não é novidade na região do sudeste brasileiro. No século XIX, ele era utilizado para iluminar cidades como Ribeirão Preto. O declínio do uso da macaúba se deve, em grande parte, ao fato de que apenas 3% das sementes germinam de maneira natural, o que inviabiliza um plantio racionalizado da palmeira.
Essa realidade mudou em 2011, quando pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) descobriram uma forma de quebrar a dormência das sementes, permitindo o plantio em larga escala.
A descoberta veio na hora certa para a equipe de pesquisadores internacionais: os estudos foram concluídos e, em 2014, Johannes foi convidado para gerenciar a implementação de um piloto do sistema silvipastoril com macaúba. Assim foi fundada a Inocas, com o objetivo de demonstrar a viabilidade técnica e econômica da produção.
O BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, se prontificou em financiar o piloto com 4 milhões de dólares, com a condição de que a empresa conseguisse captar mais 2 milhões de dólares da iniciativa privada.
Após três anos de reuniões e conversas, foi concluída a captação de recursos. Assim, em 2019, a Inocas começou o projeto, que conta com quatro áreas de atuação: coleta dos frutos de palmeiras da macaúba nativa; germinação das sementes em laboratório; plantio da árvore em parceria com agricultores familiares; e processamento dos frutos para produção de óleo e derivados.
O projeto, explica Johannes, é realizado no sistema integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
“Nosso público é o produtor familiar. Não temos fazendas próprias, então fazemos uma parceria de 20 anos com esse produtor. Ele entra com a terra, com a mão de obra, e nós entramos com todo o investimento e assistência técnica”
Esse modelo prevê o pagamento de um valor anual para cada produtor, para que ele cuide das plantas. A partir do quinto ano, quando se inicia a colheita dos frutos das novas palmeiras de macaúba, metade da produção fica com o agricultor, e metade pertence à Inocas, que se compromete a adquirir o resto. O investimento exigido é de cerca de 10 mil reais por hectare.
No início, diz Johannes, os produtores locais se mostraram resistentes, mas com o tempo foram se convencendo da viabilidade da proposta. Prova disso é que a Inocas criou uma fila de espera para interessados em participar de uma segunda etapa do projeto.
Mesmo com esse interesse, o empreendedor explica que hoje a Inocas ainda não dá lucros. Ele prevê que o equilíbrio entre as despesas e receitas da companhia só aconteça lá pelo sétimo ano de atividade. “A gente está no quarto, então ainda estamos investindo o dinheiro.”
Isso não quer dizer que não haja faturamento: a agroindústria montada pela empresa já processa e vende os frutos da macaúba.
São cinco os produtos feitos a partir da macaúba. Um deles é o óleo de amêndoas, óleo nobre extraído da semente e utilizado pela indústria de cosméticos. Também é possível retirar o óleo da polpa do fruto, com menos propriedades, mas mais abundante.
Com os restos da amêndoa, é possível fabricar uma ração parecida ao farelo de soja. Já com os restos da polpa, se faz outra ração, parecida com a silagem de milho. O endocarpo, a casquinha interna que protege as amêndoas, é vendido para a indústria de carvão ativado para virar fibra.
Há ainda um sexto produto que segundo Johannes tem tudo para crescer. “Recebemos um valor vultoso para plantar macaúba em 5 mil hectares na Amazônia, no nordeste do Pará, e o que a gente deu em garantia, ou seja, o que a gente vai usar pra devolver esse capital são os créditos de carbono.”
De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) a partir da análise do Projeto Macaúba, cada hectare de macaúba com pastagem sequestra pouco mais de 20 toneladas de carbono por ano.
“Hoje se vende o carbono por um valor entre oito e quinze dólares a tonelada. Com esse dinheiro você consegue financiar o plantio. Ou seja, só com a expectativa de sequestrar carbono você já consegue o dinheiro necessário para por essa planta pra crescer”
Johannes crê que essa forma de financiamento pode se transformar em um modelo de sustentação do negócio. Se o conceito utilizado pela Inocas fosse replicado nos pastos degradados do Cerrado, seria possível, segundo o estudo da Imaflora, sequestrar carbono suficiente para neutralizar todas as emissões da agropecuária brasileira.
Para o empreendedor, esse será o grande salto disruptivo da Inocas (e do setor). “Você sai de uma produção que era considerada vilã e passa a contribuir para a mitigação das mudanças climáticas.”
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