Formada com louvor em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Viçosa (MG), Jhenyffer Coutinho, 28, sempre se sentiu insegura na hora de aplicar para vagas de emprego.
Se não tivesse 100% dos requisitos exigidos no anúncio, ela não partia para a inscrição. O problema não era, ou melhor, não é só de Jhenyffer.
Segundo uma conhecida pesquisa da HP, de 2014, para uma mulher se sentir apta a se candidatar a uma vaga ela precisa preencher 100% dos requisitos exigidos, enquanto para os homens, essa necessidade cai para 60%.
Foi o contato com esse estudo em um workshop e a dificuldade que enfrentou ao tentar recrutar mulheres quando estava em um cargo de gerente que fizeram sua “ficha cair”:
“As vagas que eu anunciava não eram preenchidas por mulheres, por mais que eu fizesse um anúncio inclusivo. Já os homens se candidatavam inclusive quando a vaga era exclusiva para o sexo feminino”
Desse incômodo nasceu o projeto da Se Candidate, Mulher!, que busca impulsionar a empregabilidade feminina no Brasil e já capacitou mais de 15 mil profissionais e recolocou mais de 500. Em 2021, a empresa faturou 500 mil reais e pretende crescer quatro vezes este ano.
Mas antes de ser lançada como negócio, Jhenyffer precisou enfrentar uma série de inseguranças e superar seu medo de empreender.
Jhenyffer veio de uma família simples. Sua mãe, Adriana, engravidou dela quando tinha 14 anos. Aos 18, já tinha mais dois filhos.
“Minha mãe é uma grande referência para mim. Ela sempre falou que eu poderia ser o que quisesse, mesmo que o mundo dissesse o contrário — e eu vivia escutando que meu futuro era ser mãe aos 14”, diz.
Esse contexto familiar também fez com que criasse resistência ao projeto de empreender. Apesar de ter se envolvido com o tema ao longo da faculdade, ela sempre viu a ideia como algo distante.
“Empreender me remetia à instabilidade financeira e eu não queria de jeito nenhum viver desse jeito por conta das inseguranças financeiras que passei ao longo da minha criação”
Depois de formada, a jovem acabou entrando no ecossistema de forma indireta, trabalhando no Sebrae Minas e na Associação Brasileira de Startups -ABStartups (onde teve a dificuldade de recrutar mulheres).
Nesta época, ela ainda se sentia despreparada para dar um novo passo na carreira e buscar outro emprego porque achava que um pré-requisito importante na maioria das vagas que pesquisava, a fluência em inglês, era seu ponto fraco. Então, decidiu pedir demissão da ABStartups, em 2020, e embarcou para os Estados Unidos aprimorar o idioma.
Quando se mudou para os Estados Unidos, em março de 2020, a pandemia começou a mostrar seus impactos também no mercado de trabalho.
Jhenyffer lembra como ficou chocada ao descobrir que, na metade daquele mês, a crise do coronavírus já tinha tirado 7 milhões de mulheres de seus empregos no Brasil, segundo dados da Pnad.
Apesar de estar vivenciando outra realidade, estudando inglês enquanto trabalhava na casa da família que a acolheu para o intercâmbio e realizando um trabalho voluntário para uma ONG, a informação a deixou incomodada. Na hora, ela lembrou da pesquisa da HP e percebeu que, naquele momento, tinha a obrigação de fazer algo para mudar este cenário.
Assim surgiu, em maio de 2020, o primeiro protótipo do Se Candidate, Mulher!, uma newsletter quinzenal com dicas de preparação de currículo e perfil no LinkedIn, além de uma curadoria de vagas.
“Em dois meses, já tinha 7 mil assinaturas. Aí, as mulheres começaram a cobrar que eu criasse as redes sociais do projeto. Fui para o Linkedin e para o Instagram, com a ideia de postar três vezes por semana. Mais uma vez, crescemos rapidamente e o Linkedin já tinha 10 mil seguidores… No Insta eram 5 mil e a newsletter batia as 10 mil assinantes”
Em seguida, veio a comunicação pelo WhatsApp, que passou de um para 19 grupos administrados por ela em pouquíssimo tempo. Como não estava mais dando conta de responder os e-mails e as mensagens sozinha, ela resolveu convocar voluntárias para ajudá-la na administração dos grupos.
“Eu ainda não tinha dimensão do que estava fazendo. Abri um formulário de inscrições e achei que dez mulheres iriam se candidatar, mas foram 75. Selecionei 19 para me auxiliar.”
Em agosto, as suas seguidoras já vieram com um novo pedido: que Jhenyffer desse uma aula de currículo online.
“Então, virou minha chave. Eu posso dar o curso, mas agora vou cobrar por qualquer coisa que fizer”, diz. “Aí eu entendi que aquele problema era muito relevante, que as mulheres precisavam do que eu estava fazendo, só que eu ainda não sabia como escalar a solução que oferecia.”
De agosto a dezembro de 2020, Jhenyffer passou estudando e testando com mentorias, aulas individuais e em grupo como validar o negócio.
Neste período, mentorou gratuitamente 2 mil mulheres até chegar à solução final: uma plataforma por assinatura, a SCM Academy, com foco no B2C, que oferece aulas gravadas sobre estruturação de currículo e perfil no LinkedIn, exercícios de autoconhecimento e habilidades interpessoais, de oratória e de preparação para entrevistas, além de mentorias coletivas online ao vivo de 15 em 15 dias (hoje são seis mentoras no grupo, incluindo a empreendedora).
Com o plano estruturado, ela decidiu retornar ao Brasil, em janeiro de 2021, com 6 mil reais na conta, para lançar o projeto.
“Foi uma das decisões mais difíceis que tomei porque não queria empreender, mas acabei indo para esse caminho. Antes, eu já havia sido julgada por deixar um cargo de gerente para fazer intercâmbio — e agora estava voltando”
Em março, a plataforma entrou no ar com um plano de assinatura de 12 meses. Mas Jhenyffer logo percebeu que não levava tantos tempo para as mulheres se recolocarem e passou a oferecer um plano trimestral de 119 reais mensais, ou 150 reais (com a possibilidade de ter o CV e o LinkedIn revisados por uma mentora).
O foco de Jhenyffer sempre foi o B2C. Porém, ao longo da jornada empreendedora, ela percebeu que estava ajudando tanto as profissionais como as empresas, que começaram a pedir apoio da empreendedora para atrair mulheres para seus processos seletivos.
“Quando vi, tinha uma lista de espera de 140 empresas querendo falar comigo. Comecei a conversar para entender o problema. Isso foi em outubro de 2020”, lembra.
A solução desenhada pela Se Candidate, Mulher! foi criar um programa que trabalha três fatores: atração e desejabilidade (do lado da empresa) e performance (do lado da mulher).
“O grupo Movile, dono do iFood e da Sympla, abriu as portas para validarmos o programa. Eles estavam com uma seleção de trainee e estágio aberta e testamos com a empresa nossa metodologia de atrair mais mulheres pra esses processo”
Depois do testes, mais de dez clientes já contrataram o serviço da Se Candidate, Mulher!, entre eles a Ambev, Coca-Cola, Creditas e PicPay.
No B2B, o negócio de Jhenyffer oferece dois tipos de serviço. O primeiro é um programa de atração e recrutamento que dura um mês e auxilia as empresas a reduzir o tempo de contratação e custo de aquisição de novas colaboradoras, ao mesmo tempo em que ajuda a atrair as candidatas para os processos seletivos.
“É como se fosse um pré-processo seletivo. A mulher passa pelo programa da nossa plataforma e já cai na entrevista final da empresa”, diz a empreendedora.
O segundo serviço é um programa de desenvolvimento de potencias lideranças internamente. A Se Candidate, Mulher! ajuda colaboradoras que já ocupam um cargo na empresa cliente a dar uma virada na carreira.
“O gap de lideranças femininas é imenso. Ou você vai tirar uma líder de outra empresa para colocar na sua — o que não resolve o problema — ou precisará formar novas lideranças. Convencemos a empresas de que é melhor capacitar quem está dentro de casa, acelerando a carreira de suas colaboradoras”
O valor cobrado no B2B varia de acordo com o número de vagas que a empresa deseja abrir para um programa de capacitação (não necessariamente todas as vagas de treinamento serão convertidas em contratações).
No último programa, de novembro passado, por exemplo, chamado “Carolinas”, o foco era capacitar 500 mulheres negras. A empresa que estava pagando o treinamento era a Coca-Cola. O programa recebeu 1 500 inscrições, como previsto 500 se formaram e, no final, 55 mulheres foram contratadas.
Jhennyfer conta que, nos primeiros meses empreendendo, nem ela mesma acreditava na sua ideia:
“Se eu não tivesse uma rede de apoio que acreditava no que eu estava fazendo, não sei se estaria contando essa história”
Apesar de no começo duvidar de si, foi obtendo provas concretas de que estava no caminho certo ao conquistar clientes, ganhar por dois anos seguidos o prêmio Startup Awards na categoria Impacto Social e despertar o interesse de possíveis investidores.
Ela também conta que recebeu muitas propostas de sociedade, mas só resolveu levar o assunto adiante em maio de 2021, quando foi apresentada por seu mentor, Marcelo Miranda, à esposa dele, Fernanda Miranda, ambos investidores do ecossistema de startups.
Com a maturidade adquirida, diz, descobriu a importância de compartilhar suas ideias — o que antes a deixava apreensiva por medo de ter um projeto “roubado”. Outra lição foi aprender a negociar valores.
“Entendi o poder que a gente tem enquanto mulher. Os homens não têm medo de negociar os seus preços. Mas nós ainda temos muito receio de colocar os valores na mesa”
Para este ano, a fundadora acha que já está pronta para abrir a empresa a investimentos, plano refutado no primeiro ano do negócio.
“Cheguei à conclusão no final de 2021 que para a Candidate-se, Mulher! crescer na velocidade que quero, faz sentido abrir uma primeira rodada de investimento-anjo. Planejo isso para o primeiro semestre deste ano.” O valor ainda não foi definido.
Fica a pergunta: depois dessas conquistas, Jhenyffer hoje se sai melhor na hora de confrontar a Síndrome da Impostora? “Melhorou muito”, ela responde.
Esse ganho de confiança se traduz também no seu domínio atual da língua inglesa, que no começo a deixava insegura. “Tivemos nosso primeiro patrocinador internacional no ano passado e fiz a reunião completamente em inglês!”, festeja.
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