Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontaram que, em 2019, 76,5% das empresas brasileiras mantinham alguma iniciativa relacionada à economia circular. O curioso é que, ao mesmo tempo, 70% delas não soubessem que suas boas práticas estavam alinhadas ao conceito, já que não o conheciam até serem abordadas sobre o tema – não à toa, a CNI está trabalhando numa proposta de Política Nacional de Economia Circular.
Embora empresas como Renner, 3M e Via (dona das marcas Extra, Ponto e Casas Bahia) sejam renomadas adeptas da economia circular, o conceito ainda precisa ser mais difundido e esclarecido. De acordo com a própria CNI:
“Economia circular é um conceito que associa desenvolvimento econômico a um melhor uso de recursos naturais, por meio de novos modelos de negócios e da otimização nos processos de fabricação com menor dependência de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis.”
Pode-se dizer que a economia circular rompe com o roteiro clássico da economia linear (extrair >> transformar >> consumir >> descartar) para estabelecer um ciclo regenerativo, mais eficiente, sustentável e, por que não, até mais lucrativo no fim das contas: extrair >> transformar >> consumir >> reparar >> reutilizar >> reciclar/descartar conscientemente.
De acordo com a Fundação Ellen McArthur, engajada na disseminação e aceleração do conceito e da prática pelo mundo, “em uma economia circular, a atividade econômica contribui para a saúde geral do sistema”.
A economia circular busca redefinir a noção de crescimento com foco em benefícios para toda a sociedade e isso passa, por princípio, por dissociar a atividade econômica do consumo de recursos finitos e por eliminar resíduos do sistema, estendendo a vida útil do que produzimos. Alinhado com a transição para fontes de energia renovável, o modelo constrói capital econômico natural e social baseado em três pilares:
• Eliminar resíduos e poluição desde o início da cadeia produtiva;
• Manter produtos e materiais em uso (e reuso);
• Regenerar sistemas naturais.
Em entrevista para o Projeto Draft, o professor Maurício Turra Ponte, coordenador do ESPM Social Business Centre, explica que, para aplicar o conceito de economia circular, é preciso planejar um produto, antes de entrar em linha de montagem, para que ele possa ser aproveitado em vários sistemas, contribuindo para uma economia mais sustentável – evitando o descarte precoce e consequente desperdício de recursos:
“Os princípios seguidos são o de repensar os produtos, para que gastem menos recursos, reduzir materiais, favorecer a substituição de componentes e reparos, reduzir materiais agressivos ao meio ambiente e possibilitar que sejam feitos por materiais reciclados.”
Fazendo uma analogia, é como se na economia circular houvesse um estímulo para o aproveitamento de materiais usados em um produto para o desenvolvimento de outros, parecido com o que ocorre nos ciclos biológicos, em que os insumos são absorvidos pelo meio. Transpondo essa dinâmica da natureza para os chamados, “ciclos técnicos”, o objetivo seria recuperar e restaurar produtos, componentes e materiais por meio de reuso, reparo, remanufatura ou reciclagem.
O vídeo Re-Thinking Progress, da Fundação Ellen MacArthur, ilustra a ideia:
A ideia de retroalimentação, de ciclos em sistemas biológicos e técnicos, é antiga e presente em variadas escolas filosóficas. Logo, é praticamente impossível demarcar sua origem. E para atestar a presença efetiva da circularidade no mundo concreto, o conceito vira e mexe volta a fica em evidência.
De acordo com a Fundação Ellen McArthur, o ressurgimento mais recente do conceito ocorreu “em países industrializados após a Segunda Guerra Mundial, quando o advento de estudos computadorizados de sistemas não-lineares revelou claramente a natureza complexa, conectada a portanto imprevisível do nosso mundo – mais parecido com um metabolismo do que com uma máquina.”
No contexto atual, a Fundação afirma que:
“As tecnologias digitais têm o poder de apoiar a transição para uma economia circular ao aumentar radicalmente a virtualização, desmaterialização, transparência e inteligência gerada por ciclos de retroalimentação.”
As aplicações práticas do conceito para os sistemas econômicos modernos e processos industriais passaram a ser estudadas a partir do fim dos anos 1970 por acadêmicos, intelectuais e empresas. A Fundação Ellen McArthur destaca seis escolas de pensamento da economia circular, resumidas a seguir:
O Centro Lyle de Estudos Regenerativos (EUA) propõe maneiras de aplicar os princípios de regeneração observados no processo agrícola em outros tipos de sistema – como industrial e comercial, por exemplo. Os principais nomes dessa escola são John T. Lyle, Bill McDonough, Michael Braungart e Walter Stahel.
Olha o mr. Stahel aqui novamente. Em coautoria com Genevieve Reday, o arquiteto e economista propôs, em 1976, a visão de uma economia em ciclos (ou circular) beneficiando a criação de empregos, a competitividade econômica, o menor uso de recursos e a prevenção de desperdícios. Essas ideias estão presentes no relatório “O potencial de subsitituir mão-de-obra por energia”, apresentado pela dupla à Comissão Europeia.
Embora essa expressão também seja atribuída a Stahel, foi o químico alemão Michael Braungart e o arquiteto americano Bill McDonough que aprimoraram este conceito, criando até o processo de certificação Cradle to Cradle™. Essa filosofia de projeto considera todos os materiais envolvidos nos processos industriais e comerciais como potenciais “nutrientes” para retroalimentar os sistemas, sejam eles biológicos ou técnicos. A metodologia é focada no design para a efetividade em termos de produtos com impacto positivo e para a redução dos impactos negativos da comercialização.
É o estudo dos fluxos de materiais e energia nos sistemas industriais. Essa abordagem visa à criação de processos de ciclo fechado nos quais os resíduos servem como insumo, a fim de eliminar a noção de subprodutos indesejáveis. A partir de um ponto de vista sistêmico, a ecologia industrial opera projetando processos de produção de acordo com as restrições ecológicas locais, enquanto observa seu impacto global desde o início, e procura moldá-los para que funcionem o mais próximo possível dos sistemas vivos.
Janine Benyus, autora de Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza, define o conceito como um “nova disciplina que estuda as melhores ideias da natureza e então imita esses designs e processos para solucionar os problemas humanos”. Estudar uma folha para inventar uma célula solar mais eficiente e sustentável é um exemplo. São três os princípios fundamentais da biomimética:
• Natureza como modelo
Estudar modelos da natureza e simular essas formas, processos, sistemas e estratégias para solucionar problemas humanos;
• Natureza como medida
Partir de um padrão ecológico para julgar a sustentabilidade das nossas inovações;
• Natureza como mentora
Ver e valorar a natureza não com base no que podemos extrair do mundo natural, mas no que podemos aprender com ele.
Blue Economy
Movimento open source fundado pelo belga Gunter Pauli para reunir estudos de casos concretos de economia circular. O manifesto oficial afirma que “usando os recursos disponíveis em sistemas em cascataeamento (…) os resíduos de um produto se tornam insumos para criar um novo fluxo de caixa”. A iniciativa é enfática em apoiar soluções determinadas pelo ambiente local e suas características físicas e ecológicas.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
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