• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Uma palhaça e um psicanalista mostram o que o desenvolvimento de competências emocionais tem a ver com inovação

Nina Campos - 25 fev 2022
A palhaça Nina Campos e o psicanalista Francisco Nogueira, fundadores da consultoria Relações Simplificadas.
Nina Campos - 25 fev 2022
COMPARTILHAR

Eu já tinha feito uma mudança de vida gigantesca, deixando uma sólida carreira como publicitária para criar uma consultoria que usa a linguagem do palhaço para desenvolvimento das pessoas (você poder sobre isso aqui e aqui no Draft) quando, em 2016, fui convidada para uma nova aventura: trabalhar com preparo emocional. 

Como das outras vezes, não foi uma mudança abrupta como as pessoas costumam pensar (“Largou tudo para…”), mas uma sólida construção, um processo, do qual participei primeiro como espectadora e depois como parceira.

Diferentemente das outras vezes, no entanto, eu tinha certeza desde o início de que era o caminho que queria seguir. 

COMO AJUDAR PROFISSIONAIS DE SAÚDE A LIDAREM COM A CARGA EMOCIONAL

Vou contar melhor essa história. Eu trabalhava intensamente na POP – Palhaços a Serviço das Pessoas – quando o psicólogo e psicanalista Francisco Nogueira me contou que iria criar um curso para apoiar profissionais de saúde a diminuir a carga emocional que as relações entre equipes e com os pacientes e suas famílias provocavam, levando muitas vezes ao estresse e à burnout. 

“A primeira substância que o paciente toma é a substância médico.
(Michael Balint)

Preocupado com os problemas, as questões e dificuldades que esses profissionais costumavam apresentar a ele e baseado na ideia acima proposta pelo psicanalista Michael Balint, que fala da importância da relação que o profissional de saúde estabelece com seu paciente antes de qualquer outra coisa, Francisco buscava preencher essa lacuna.

A ideia era transmitir conteúdos e conceitos das ciências “psi” de forma simples e prática, para serem utilizados imediata e cotidianamente

São conceitos que em geral estão resguardados à academia, aos consultórios ou mesmo aos poucos meses em que os profissionais de saúde aprendem algo sobre o tema em suas formações originais — quando aprendem. 

Durante dois anos, ele estudou, criou e desenvolveu o trabalho. Acompanhei de perto – e é agora que conto que o Francisco, além de psicólogo, psicanalista, parceiro de trabalho, é também meu marido!

Foram horas e horas de desenvolvimento, infinitos finais de semana, até que, em janeiro daquele ano, ele me chamou para incluir a linguagem do palhaço na estrutura do projeto.

Juntos, criamos o que seria a experiência que as pessoas iriam viver. 

POR QUE REPETIMOS PADRÕES E CAÍMOS EM ARMADILHAS EMOCIONAIS JÁ CONHECIDAS?

Essa palavra, experiência, é fundamental por muitos motivos: estávamos falando de um assunto que envolve a subjetividade.

Existem inúmeros cursos ou livros de “inteligência emocional” que fazem com que as pessoas pensem que conhecer esse assunto é uma elaboração da nossa razão, da nossa consciência. Como se conhecer significasse “tornar-se”, ou mesmo fazer, aplicar. Se fosse assim, todos seríamos emocionalmente bem maduros, não? 

Por que repetimos padrões, caímos em armadilhas emocionais já conhecidas e não conseguimos mudar certas coisas em nós de que não gostamos? Por que entramos em discussões ou relações que já sabemos que estão fadadas à frustração? 

A resposta é: porque nosso inconsciente atua em nós e ele comanda nossas ações, reações e relações

Agora, imaginem o que é dar essa notícia para as pessoas? Pensem comigo: como é transmitir um conhecimento sobre o ser humano, sobre nossa mente, que é praticamente desconhecido da maioria?

Dizer a elas que a consciência manda muito pouco naquilo que todos nós chamamos de “eu”? E como seria descrever um lugar invisível e oculto como o inconsciente, cujos conteúdos são também invisíveis, ocultos e secretos? 

Esse era o nosso desafio e, apesar de grande, não nos intimidou de modo algum, pois tínhamos certeza de que esse era um conhecimento fundamental para ajudarmos as pessoas a lidarem melhor com os problemas de relação que existem hoje em dia (seja na área da saúde ou fora dela!).

Então, era preciso apenas achar o formato ideal para fazê-lo chegar até as pessoas. 

NÃO QUERÍAMOS VINCULAR NOSSA PROPOSTA À IDEIA DE INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Francisco sabia que a linguagem do palhaço iria ser essencial nessa tarefa, já que além de trazer leveza e humor a um tema muitas vezes distante e complexo, poderia representar o próprio inconsciente. 

Outra forma de proporcionar uma experiência foi criar uma ferramenta gamificada para o cuidado do bem-estar, o que acabou se tornando mais um aliado das empresas e equipes para se cuidarem nestes tempos de excesso de trabalho e esgotamento emocional. 

O processo de aprendizagem criado considera que preparo emocional passa essencialmente pelas relações: a relação com o nosso mundo interno (por isso é tão fundamental entender como operamos); com o outro (os exercícios e ferramentas de diálogo e escuta fornecidos apresentam caminhos diretos para resolução de conflitos); e entre as equipes (para a qual também oferecemos um olhar a partir da psicanálise e ferramentas efetivas para um melhor gerenciamento das pessoas). 

Um dos riscos que decidimos tomar, conscientemente, foi justamente apresentar o trabalho como “Preparo Emocional” em vez de “Inteligência Emocional”

Tendo sido publicitária, e ainda por cima planejadora estratégica de marcas, eu sabia que inteligência emocional tinha (e ainda tem) um apelo muito maior.

É um termo que as pessoas já conhecem, algo que elas têm uma certa ideia do que se trata e todo mundo quer para si. Mas optamos pelo caminho que nos pareceu mais correto, mais coerente.

Não queríamos que as pessoas pensassem que é possível ser inteligente emocionalmente como se isso fosse algo que se “adquire”, sem que se leve em conta todos os processos que este amadurecimento exige de cada um

Como já falei, apesar do que escrevi acima, existe uma infinidade de manuais, livros, dicas, listas de coisas que “você precisa fazer para ser inteligente emocionalmente”.

Acredito que a maior ousadia do nosso trabalho, a escolha mais importante que fizemos, foi sermos fiéis àquilo que, acreditamos, pode realmente transformar as pessoas: conhecer o modo como funcionamos, ajudá-las a se familiarizarem com o seu inconsciente.

ANTES, EU ENFRENTAVA A RESISTÊNCIA ENQUANTO PALHAÇA. AGORA, O TABU ERA EM RELAÇÃO À PSICANÁLISE

Workshop preparado, chegou a hora de colocar o bloco na rua. O primeiro passo foi oferecer um projeto piloto ao Hospital da USP, referência de hospital-escola no país.

Eu já havia trabalhado quatro anos lá, como palhaça voluntária para as equipes e com a POP, sendo contratada para fazer workshops junto com minha parceira Mônica Malheiros.

Então, ainda em janeiro de 2016, o HU recebia o piloto dessa ideia inovadora: um workshop para profissionais de saúde que utilizava a linguagem do palhaço e conceitos da psicanálise para desenvolver o seu preparo emocional.

Na época, ainda chamávamos nosso trabalho de “O Paciente Simplificado”, pois iria trazer um olhar – como o próprio nome já dizia – simples e ao mesmo tempo efetivo.

Após o êxito do piloto do HU, ficamos diante do próximo desafio: apresentar – e vender – o projeto para clientes.

Eu já sabia que há sempre uma resistência ao trabalho de palhaça, estava acostumada a fazer duas, três reuniões explicando que não seria uma abordagem infantil, nem jocosa, que minha proposta considera o riso sempre “com” as pessoas, nunca “das” pessoas, que é um trabalho para adultos

Acabei descobrindo que explicar o papel da psicanálise não facilitaria muito — quase pelo contrário. Agora era preciso explicar também que não era uma terapia em grupo, que não falamos de divã apesar de apresentarmos os conceitos centrais de Freud (eu não sabia que as pessoas tinham tanto medo de Freud…).

COM O IMPACTO DO NOSSO TRABALHO, ACABAMOS CONQUISTANDO CLIENTES FORA DA ÁREA DA SAÚDE

Descobri outra dificuldade ao começar a visitar clientes. Percebi que, na saúde, especialmente em hospitais, a área de RH é um pouco “descolada” da área médica.

São áreas estruturadas e sérias, mas que acabam tendo pouco poder de decisão diante da área que “realmente manda”.

Isso fez com que fosse muito difícil levar o trabalho para vários clientes, pois muitas vezes o RH queria experimentar, mas a área médica não “comprava” a ideia. 

Felizmente ultrapassamos essas barreiras com nosso primeiro cliente, o Hospital Beneficência Portuguesa, onde fizemos três workshops com excelentes resultados.

Foi lá que ganhamos um presente. Nossa cliente sugeriu: “Por que vocês só estão trabalhando na área da saúde? Tenho muitas colegas em empresas de outras áreas que precisariam de um trabalho como esse”. 

Foi assim que “O Paciente Simplificado” virou Relações Simplificadas e que passamos a expandir os serviços para equipes das mais diversas áreas de atuação.

Hoje esse trabalho já está presente em algumas universidades corporativas, como no Bradesco e na Klabin, e também em clientes como Natura & Co, Fasano, Bayer, Mondelez, Petrobras, Claro, Coca-Cola, entre outros

Já na área da saúde, AmorSaúde, HCor, Sul América, AACD são alguns dos clientes que já fizeram trabalho com suas equipes. Em 2021, cerca de 18 mil pessoas foram impactadas pelo nosso trabalho em palestras, workshops e eventos. 

NOSSOS PROJETOS NÃO SE LIMITAM À CONSULTORIA. QUEREMOS ESPALHAR A “CULTURA PSI”  DE DIVERSAS OUTRAS FORMAS

Nosso comprometimento com o tema vai muito além do trabalho da consultoria. Há três anos criamos um canal no YouTube onde compartilhamos todo nosso conteúdo em um modelo open source, deixando o conhecimento disponível para o público em geral.

Além disso, criamos em 2020 a Semana da Cultura Psi, um evento com o conceito de “conhecer a mente através da arte”, que uniu artistas como Gilberto Gil, Fernando Meirelles, Denise Fraga e Rodrigo Santoro em conversas sobre os aspectos emocionais de suas obras com grandes psicanalistas como Joel Birman e Vera Iaconelli, além do filósofo Vladimir Safatle.

Em 2021, a segunda edição do evento contou com a participação de Ney Matogrosso, do maestro João Carlos Martins, Cauã Reymond e Preta Gil, em encontros inspiradores com psicanalistas como Miriam Debieux e o francês Jean-Michel Vives

Durante a pandemia, Francisco também criou um serviço de acolhimento psicológico gratuito para a população, coordenando mais de 60 psicólogos e psicanalistas voluntários.

Em 18 meses de funcionamento, a Experiência de Escuta ouviu mais de 5 500 pessoas de norte a sul do país, de todas as idades e classes sociais, apoiando-as no enorme desafio que tem sido manter a saúde mental equilibrada em tempos de pandemia. 

Nossos próximos projetos incluem transformar, até abril, o conteúdo em EAD (Ensino à Distância), o que permitirá a muitos clientes estender esse conhecimento para todo o seu público.

Também queremos lançar um aplicativo do game de bem-estar que foi desenvolvido pelo Francisco e que faz parte da experiência que proporcionamos. 

Depois de todas essas experiências, acredito que nosso maior desafio para o futuro é amplificar a ideia de criarmos uma #CulturaPsi: uma sociedade mais próxima dos temas da nossa subjetividade, do nosso mundo interno

Uma sociedade mais preparada para lidar com as questões emocionais e com os desafios de relação que um mundo tão turbulento nos apresenta.

Felizmente temos contado com muitas pessoas, empresas e marcas que também acreditam nisso!

 

Nina Campos foi publicitária e consultora de sustentabilidade. É palhaça, cofundadora da  POP – Palhaços a Serviço das Pessoas e da Relações Simplificadas.

 

COMPARTILHAR

Confira Também: