A publicidade brasileira é composta por pessoas diversas para falar “no plural” e ajudar as marcas a atingirem o maior número de pessoas?
Para Bruno Hoëra, 39, a resposta é: não. Ou ainda não. Em 2017, com o intuito de ajudar a resolver essa defasagem, o publicitário paulistano empreendeu a Portland.
A agência recruta, capacita e mobiliza jovens de perfis diversos para preencher vagas de estágio e desenvolver projetos de comunicação. Assim, reúne, para uma campanha de moda, por exemplo, desde jovens estudantes periféricos àqueles de elite, que frequentam a Faap. Segundo Bruno:
“Desenvolvemos projetos ao mesmo tempo que desenvolvemos pessoas. Para que isso aconteça, nós criamos temporadas como se fossem de um reality show”
Em quatro anos, a Portland lançou cinco “temporadas”, recebeu 3,5 mil inscrições e conectou mais de 200 estagiários a vagas de comunicação e marketing.
Hoje, há Portlanders trabalhando em agências como Mutato, Flag, Cubo e em empresas como o Quebrando o Tabu e Rede Record. Entre os clientes atuais estão Sony Channel, Coca-Cola, Vivo e Kellogg’s.
Imagine que você se inscreveu para concorrer a uma vaga de estágio. Numa das etapas, de repente, você se vê num palco com dezenas de pessoas – profissionais qualificados que compõem a banca que você precisa impressionar para conquistar a oportunidade.
A Portland desenhou seu processo seletivo com esta dinâmica de reality show. Pré-pandemia, o recrutamento ocorria presencialmente, em auditórios espalhados por São Paulo. Com a Covid-19, a agência passou a realizá-lo no formato de webinar, com transmissões ao vivo, online, a partir do Estúdio Irapuru, na Freguesia do Ó, Zona Norte de São Paulo. E, assim, ampliou o alcance de candidatos para todo o país.
“O jovem estudante de comunicação se inscreve através de uma ideia para um propósito [que gostaria de desenvolver]. Ele não é selecionado pela faculdade em que estudou ou pelo bairro onde mora, mas sim pelo seu potencial criativo”
Durante o processo seletivo, os participantes (com idades que variam entre 18 e 28 anos) fazem cursos ministrados pelos membros da banca. Ao final, recebem um relatório analisando sua performance e suas competências.
Em 2021, o tema era “Estoure suas Bolhas”, e o foco, ampliar o recorte de diversidade em todo o Brasil. Foram quase 900 inscritos e 25 selecionados pela banca, composta por profissionais de agências e de empresas como Tinder, Vivo, Smiles e Catho, patrocinadoras daquela edição
A FALTA DE DIVERSIDADE NO MERCADO E A NOÇÃO DOS SEUS PRÓPRIOS PRIVILÉGIOS MOTIVARAM BRUNO A EMPREENDER
Bruno se formou em publicidade e propaganda na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Durante boa parte de sua experiência profissional antes de empreender, ele mirava o público-alvo jovem.
Foi assim na Artplan, onde era responsável pelo Rock in Rio; na extinta DM9, que cuidava do Planeta Terra Festival; e no Banco de Eventos, que organizava o Camarote da Brahma.
Branco, morador de Higienópolis, bairro “nobre” da capital paulista, ele conta que começou a sentir um incômodo em seu ambiente cercado de privilégios:
“Percebi que todas as pessoas com as quais eu trabalhava eram muito parecidas comigo. Então, eu pensava, por exemplo: quem sou eu para fazer um projeto voltado aos afrodescendentes? Precisamos de pessoas pretas trabalhando nisso. Eu não queria só ser criativo, mas também assertivo”
Foi em 2017, quando trabalhava no Banco de Eventos, que ele teve o insight de empreender para tentar sanar essa defasagem do mercado. Naquele ano, pediu demissão e se virou por um tempo como freelancer.
“Comecei a fazer um processo de mentoria criativa com uma amiga e, nesse processo, eu tinha de descobrir como construir um projeto que eu pudesse fazer acontecer em um mês”, conta. “Aí, nasceu a Portland.”
“QUAL É O MEME QUE TE REPRESENTA?”. O QUESTIONÁRIO ONLINE AJUDA A DESTRAVAR OS CANDIDATOS
Bruno diz que demorou até o mercado compreender a proposta da Portland.
“Na época eu batia na porta das agências explicando o que fazíamos, e as pessoas não conseguiam entender o que estávamos falando…”
O próprio Banco de Eventos, a Ambev e a Ginga foram os primeiros clientes. Em geral, essas empresas chegavam para a Portland com o briefing de um projeto para o qual precisam recrutar estagiários; cabia a Bruno e sua equipe cuidar do processo seletivo.
“Qual é o meme que te representa?”. “Quem você quer que vença o Big Brother Brasil?”. Perguntas assim costumam pipocar no questionário online (disponível a cada período de recrutamento) e ajudam a Portland a “destravar” os candidatos.
A concepção do negócio estava OK, as coisas caminhavam bem naqueles primeiros meses, com a chegada de agências parceiras e dos primeiros talentos… Mas, aí, uma situação quase pôs tudo a perder.
Foi uma prova de fogo, ou, como prefere o publicitário, “uma daquelas burradas de empreendedor de primeira viagem”.
Bruno tinha encontrado um espaço em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, para ser a sede da Portland. Investiu cerca de 100 mil reais, entre aluguel, computadores e salários do time – e separou uma parte para a reforma.
“Na hora em que contratei um arquiteto para ‘dar um tapa’ na casa, o cara destruiu a estrutura do imóvel. Tive que reformar tudo, devolver para a dona – e, nisso, perdi todo meu dinheiro”
O revés fez com que o paulistano precisasse sair do apartamento onde morava e recomeçasse a vida do zero, morando com o avô. Por falar em família, foi nesse momento que a mãe de Bruno, Suviane Guirado, 61, entrou como sócia.
Ele diz que chegou a receber propostas para voltar ao mercado. Porém, persistiu no empreendedorismo, caminho que considera mais difícil. Hoje, o escritório, mais modesto, fica na Vila Buarque, região central da capital paulista.
Em cinco anos, a Portland foi evoluindo até o modelo atual. A empresa realiza tanto projetos independentes diretamente com as marcas quanto em cocriação com agências parceiras, que atendem o cliente final.
Para as encomendas que vêm das marcas, a Portland cria uma agência pop-up, dedicada apenas àquela demanda, e fica com 30% do valor do projeto. O time selecionado é conectado a profissionais com experiência no mercado, responsáveis pela mentoria e pelas entregas.
(No caso dos jobs que chegam por intermédio de agências parcerias, geralmente já há um orçamento pré-definido; aí, a Portland remunera os profissionais envolvidos no projeto conforme esse borderô).
Entre os cases, a Portland criou um vídeo manifesto para a Loft, startup de compra e venda de imóveis, enaltecer sua cultura e conexão junto aos colaboradores; com foco em inclusão, a campanha ganhou uma websérie com depoimentos da equipe da empresa.
Para a Smiles, a Portland desenvolveu um Guia de Diversidade, elaborado a partir das vivências do seu próprio time. Pessoas negras escreveram sobre negritude, quem tinha familiares PcDs se debruçou sobre esse tema… Coube a uma pessoa preta e trans a função de revisar e dar uma só voz ao texto.
A Portland também viabiliza a contratação de talentos pela empresa cliente. É semelhante a um trabalho de headhunting. A diferença é que a agência não apenas indica, mas capacita os profissionais.
Bruno diz que o valor mínimo para indicar alguém entre os talentos da Portland é 1,7 mil reais.
“Se uma empresa precisa de um estagiário, cobro tanto por essas indicações quanto pelas contratações, porque investi tempo para fazer a pesquisa em nosso banco de talentos e desenvolver as pessoas que se enquadram naquele trabalho”
A empresa também cobra pelo relatório com o feedback do candidato. Durante o primeiro mês, a Portland faz um acompanhamento para alinhar expectativas entre a contratante e o contratado.
O banco de talentos é formado por aqueles que simplesmente se inscreveram para as seletivas, mas também há um catálogo de Portlanders, jovens que de fato foram treinados pela agência durante o processo de que participaram.
Com a pandemia, foi possível expandir a conexão da Portland com vagas no Brasil todo, a partir de seletivas que ocorreram online. O ano fechou com faturamento de 1,5 milhão de reais – melhor resultado alcançado até agora.
A próxima meta é dobrar esse montante, a partir da sexta temporada. Marcada para começar agora em abril de 2022, ela será voltada para profissionais com 50 anos ou mais.
“Hoje as pessoas estão envelhecendo com mais informação, acesso à tecnologia, mas ainda existe o preconceito contra quem não consegue voltar ao mercado… Há uma ideia de que a criatividade tem que estar ligada à juventude – quando, na verdade, tem que estar ligada também à maturidade e a experiência”
A ideia de Bruno é resgatar, de volta para o mercado, esse pessoal com “muitos anos de praia”. Suviane, a mãe e sócia do empreendedor, será responsável por essa formação; ela também cuida do administrativo e do financeiro da empresa.
Ao refletir sobre os próximos passos, Bruno filosofa, otimista:
“O mundo em que a gente vive é sobre se conectar com pessoas que estão na mesma sintonia e fazer as transformações necessárias… A Portland é um porto onde todos podem se encontrar, ir embora e se reencontrar quando quiserem. É assim que ela me transforma.”
Às vezes, mastigar dados com tecnologia não basta para conhecer o seu público. Julia Ades e Helena Dias estão à frente da Apoema, uma empresa de pesquisa low-tech que busca conexões nas entrelinhas e atende marcas como Nike e Natura.
O Brasil é um país de leitores? Tainã Bispo acredita que sim. Ela migrou de carreira, criou duas editoras independentes (a Claraboia, que só publica mulheres, e a Paraquedas), um selo editorial e um serviço de apoio a escritores iniciantes.
Allan e Símon Szacher empreendem juntos desde a adolescência. Criadores da Zupi, revista de arte e design, e do festival Pixel Show, os irmãos agora atendem as marcas com curadoria, branding, vídeos e podcasts através do estúdio Zupi Live.