Você se lembra de ter um cofrinho (de preferência no formato de porco) para guardar sua mesada ou o dinheiro que conseguia em trabalhos na adolescência? Pois então, você acaba de denunciar mais ou menos sua idade e certamente não faz parte da Geração Z, que hoje em dia busca outras formas de lidar com as própria finanças.
Foi de olho neste grupo de pessoas, com idade entre 13 e 18 anos, que nasceu a Z1, startup que oferece uma conta digital gratuita para adolescentes.
A ideia do negócio, no entanto, não partiu de “jovenzinhos”, mas de quatro pessoas na faixa dos 30 anos que buscam transformar a educação financeira em um tema mais leve e acessível – e que, na visão deles, deveria ser abordado desde a escola, como comenta João Pedro Thompson, CEO da fintech:
“A gente sai do colégio sabendo sobre fotossíntese e o que aconteceu no século 16, mas finanças, a única coisa que tenho certeza que qualquer pessoa terá de lidar — independente da profissão –, não é uma disciplina abordada”
Apesar de não revelar o número de usuários, a fintech usa como referência, para dar uma ideia do seu impacto, o número de seguidores que tem no seu perfil do TikTok (sim, a rede social preferida desse público-alvo; a empresa também está no Instagram).
Segundo os fundadores a Z1 é o maior banco digital do mundo em número de seguidores na rede da ByteDance. São mais de 300 mil pessoas acompanhando diariamente as postagens que apresentam não só as vantagens da fintech, mas conteúdos e dicas financeiras da boca de influenciadores digitais zennials.
Outro sinal de que o negócio vai bem são os aportes recebidos, três ao todo, de fundos como MAYA Capital, Kazek e Homebrew, totalizando mais de 72 milhões de reais, além de uma aceleração de três meses na Y Combinator, onde começaram negócios como o Airbnb.
João Pedro já tinha empreendido antes da Z1. Ele cofundou a rede de escolas Vereda Educação, onde atuava como CFO. E nesta experiência já notava o efeito que a falta de uma conversa franca sobre o tema dinheiro causava na vida das pessoas.
“Eu atendia um público das classes C e D e via o problema de inclusão financeira de forma muito próxima entre os pais e alunos, pois falava com responsáveis que estavam inadimplentes, muitas vezes por falta de conhecimento ou por planejamento falho”, diz. “Percebi que mesmo as escolas que estão na vanguarda do ensino não falam sobre educação financeira. Isso parece um tabu muito grande do sistema de ensino e da nossa cultura.”
Mesmo crescendo em um meio social mais privilegiado, ele também se ressentiu da falta desses conhecimentos, com impactos que se estenderam até sua vida adulta:
“Tive a oportunidade de seguir carreira na área financeira, mas na vida pessoal esse aprendizado veio muito tarde e na raça. Eu trabalhava com fusões e aquisições em um fundo de investimento e sabia descontar o fluxo de caixa, avaliar uma empresa de bilhões de reais antes de aprender a aplicar meu próprio dinheiro…”
Em 2019, após dois anos na Vereda, João Pedro decidiu sair do negócio. A ideia era empreender de novo com algo que resolvesse essa questão que o incomodava, mas ele ainda não sabia com o quê.
João Pedro começou a conversar com um amigo de sua irmã: Thiago Achatz, que na época trabalhava na Grow Pay (carteira de pagamentos da empresa de mobilidade — lembra dos patinetes? –, hoje em recuperação judicial). Juntos, eles chegaram à ideia da Z1.
No começo de 2020, trouxeram para o time Mateus Craveiro (atual CTO da Z1), cientista da computação e ex-funcionário da Pagar.me. A conexão foi via LinkedIn. Em busca de alguém que cuidasse da criação da marca da Z1, o trio encontrou, por indicação, Sophie Secaf, que trabalhava em Nova York, cuidando de um braço da Box1824 (que já foi pauta aqui no Draft).
Por coincidência, ela e João Pedro já se conheciam desde a época da escola, mas haviam perdido o contato. A amizade de infância acabou virando sociedade:
“Brinco que sou a única não startupeira do grupo de fundadores. Sou socióloga de formação e sempre me interessei muito por cultura e a ponte entre cultura e marcas, então acabei caindo no mundo do planejamento estratégico, consultoria, branding e por aí vai”, diz a CMO.
Ela conta como reagiu: “Quando o JP [João Pedro] comentou sobre a ideia, eu adorei porque uma da minhas especializações era teoria geracional e entender essa Geração Z.”
Depois de oferecer, entre agosto e dezembro de 2020, uma versão beta a amigos, familiares e outros 140 early adopters, os cofundadores lançaram oficialmente a Z1 em janeiro de 2021.
Com os testes realizados, eles tinham a certeza de que o foco do produto (e da comunicação) seria nos adolescentes e não nos responsáveis, como fazem negócios que serviram de inspiração, entre eles as estadunidenses Greenlight e Step, a inglesa GoHenry e a indiana FamPay.
“O responsável tem o papel importante de autorizar a conta, mas aqui no Brasil percebemos que ele é muito menos presente na vida financeira dos jovens do que nesses países que serviram de inspiração, onde o adolescente ganha uma mesada ou uma quantia por tarefas como tirar o lixo e arrumar a cama”, diz João Pedro.
“Na verdade, muitos desses brasileiros já são economicamente ativos antes dos 18 anos e não necessariamente precisam, mas querem ter sua independência financeira. A questão é que eles ainda estão usando dinheiro vivo, sendo que todo o restante da vida deles é digital. Isso é muito louco!”
A partir dos feedbacks coletados com os primeiros clientes, os empreendedores perceberam que o impacto da Z1 ia muito além de ajudar esse público a guardar dinheiro. Era uma forma que muitos tinham de movimentar a grana que recebiam em trabalhos ou até mesmo de pensão alimentícia.
“Recebemos relatos de clientes que antes tinham que ir de bicicleta até a lotérica pegar o dinheiro ou receber pela conta do primo, por exemplo. E com a Z1 conseguem gerar um boleto para receber”, afirma Sophie. Ela complementa:
“A gente oferece autonomia, confiança e independência, que são justamente parte das demandas dessa geração. Os adolescentes não querem ser tratados como crianças ou subestimados, achando que não se pode falar de dinheiro com eles”
Na prática, o adulto responsável precisa autorizar a criação da conta, só não tem acesso detalhado sobre com o que o menor gasta. Mas pode ficar tranquilo de que o adolescente não irá estourar seu limite, pois o cartão de crédito pré-pago da Z1 (físico e virtual), com a bandeira da Mastercard, só autoriza a transação se o usuário tiver o saldo na conta digital. É o que os cofundadores chamam de “crébito”.
O serviço é gratuito e a fintech rentabiliza com a taxa de interchange (intercâmbio) pelo uso do cartão. “Pensamos, no futuro, em oferecer outras funcionalidades que agreguem valor para o usuário e sejam fonte de receita para a gente”, diz o CEO.
O conteúdo é um pilar forte para a Z1, por isso desde o início da operação a fintech investe em ações focadas em educação financeira, mas não só.
Segundo Sophie: “A estratégia que encontramos é usar influencers da Geração Z que estão à frente de causas das quais a gente compactua ou usam humor e uma linguagem própria para se comunicar”.
“O lugar de fala é uma coisa muito valorizada por essa geração, então usamos uma rede de influenciadores que cocriam os conteúdos com a gente, mas com liberdade criativa para se expressarem da forma como gostam”
Entre os nomes que já fizeram ações para a startup estão Mc Soffia (rapper teen feminista), Manuela Bernadino (criadora de conteúdo com foco em educação financeira), Txai Suruí (ativista indígena que discursou na COP26) e Stefan Costa (influenciador que fala sobre movimento trans negro).
Essa estratégia de comunicação vem angariando popularidade entre os jovens. “Muitos adolescentes entravam em contato com a gente, super engajados”, diz Sophie. “Tinha fãs que pareciam até trabalhar na Z1 porque sabiam detalhes do produto!”
Hoje, um desses fãs, Vinicius, de 16 anos, foi de fato incorporado à equipe de Sophie, como estagiário. A contratação do adolescente atende à necessidade da CMO de estar próxima e ouvir a voz desse público.
“O Vini começou a conversar com a gente, fazer análises comparativas, com uma mentalidade incrível e sabendo muito dessa geração… Passamos a trocar ideias informalmente e ele acabou sendo contratado como nosso primeiro estagiário, em janeiro deste ano”
Investir em um talento adolescente não significa mirar apenas jovens na hora da contratação. João Pedro afirma que um dos erros, no começo da operação, foi subestimar a necessidade de trazer mais pessoas para o time — e com um perfil sênior.
“Ficamos tempo demais tocando só os quatro cofundadores. Hoje, para nós, é clara a necessidade de ter um time mais sênior, mas tudo é um aprendizado.”
A preocupação com a diversidade faz parte da missão da Z1, que hoje soma 160 pessoas na equipe. “Queremos ser uma fintech para todes“, diz Sophie.
A empreendedora celebra a evidência que o tema vem ganhando, mas acha que, no geral, as empresas ainda trabalham a diversidade de forma muito reativa:
“Diversidade vai muito além de proporcionalidades e vagas afirmativas. Hoje a gente está com mais de 70% de pessoas minorizadas na Z1. Queremos inverter a lógica de empresas, que colocam apenas 5% [de pessoas com esse perfil no time], e pensar ações que influenciem o mercado”
Um exemplo de ação colocada em prática pela fintech é o Bolsa Terapia, projeto em parceria com um coletivo de psicologia em que a startup subsidia a terapia de pessoas minorizadas do time para incentivar o cuidado com a saúde mental. “Estruturalmente, essas pessoas vieram de outros recortes e passam por coisas que pessoas privilegiadas jamais conseguiriam entender.”
Outra medida se reflete no próprio processo seletivo da Z1. “Tem muita empresa que faz um recrutamento diverso, mas exige inglês ou MBA. A gente não faz essas exigências”, diz Sophie.
A startup também subsidia a retificação do nome social de pessoas trans da equipe que queiram enfrentar esse trâmite, custoso e burocrático; e criou um manual com o passo a passo de como fazer isso.
“E para ir além, deixamos a pessoa do time chamar alguém de fora da Z1 para fazer [a retificação] de forma subsidiada”, diz Sophie. Clientes trans também podem usar o nome social nos cartões da fintech.
A curto, médio e longo prazo, a meta da Z1 de certa forma é a mesma de seu público-alvo, e pode ser resumida em uma única palavra: crescer. João Pedro explica:
“Já estamos com uma taxa de crescimento de 30% ao mês. A tendência é acelerar cada vez mais e ter um impacto ainda maior na vida dos nossos clientes, com novos produtos. Isso envolve aumentar o time, que deve alcançar a marca de 300 pessoas até o final do ano”
A fintech quer ser reconhecida como marca referência quando se fala em Geração Z, guiando as pessoas dessa faixa etária em seu primeiro contato com o universo financeiro e depois seguindo com elas pelo resto da vida.
“Hoje temos um limite de idade por uma questão de foco, porque entendemos que esse público menor de idade é o que tem mais dificuldade de abrir uma conta atualmente. A gente está adquirindo o cliente muito cedo, mas a nossa ideia é continuar com ele depois dessa fase.”
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