“Antes eu era super preconceituosa em relação a feministas, falava super mal. A Sheryl me incendiou.”
A afirmação acima é de Flávia Mello, 35.
Formada em publicidade, com MBA em marketing, ela foi executiva de contas na produtora TV1 e na agência FBiz, antes de receber uma proposta para trabalhar na área de vendas do Facebook.
Foram quatro anos na big tech. Nesse período, começou a se descobrir feminista, a partir da leitura de Faça Acontecer, livro de Sheryl Sandberg, COO da Meta (controladora do Facebook e do Instagram).
Em seguida, Flávia foi trabalhar na Uber, onde construiu do zero o time de vendas B2B. Ali, presenciou a mudança de status da empresa para unicórnio, em 2018, e a preparação para o IPO, em 2019.
Depois de um processo “nada romântico” de repensar a vida e a carreira, ela hoje copilota o projeto Sororitê, com Erica Fridman Stul. A rede conecta investidoras e empreendedoras para promover a troca de experiências, decisões mais embasadas e a equidade de gênero no ecossistema de startups.
O Sororitê nasceu como um grupo de WhatsApp para que mulheres investidoras possam se apoiar, identificar e aportar capital-semente (cheques entre 1 mil reais até 150 mil reais) em empresas fundadas por outras mulheres, com soluções para o universo feminino.
Um ano após sua criação, a rede reúne 50 participantes (que pagam uma taxa para bancar custos administrativos da iniciativa) e já investiu 2 milhões de reais em dez startups, incluindo pelo menos quatro que já foram pauta aqui no Draft: Feel, HerMoney, Mimo e SleepUp.
“Somos agnósticas em relação ao setor. Para dar uma ideia da diversidade dos nossos aportes, as três maiores rodadas foram para uma martech, uma agritech e uma femtech”
Flávia atua ainda, desde 2020, como investidora-anjo. Sua carteira pessoal reúne SafeSpace (outra que saiu aqui no Draft), Todas Group, Oya Care e Holistix, além das já citadas Feel e HerMoney.
Nascida em São Paulo, ela esbanja sotaque carioca; na infância, se mudou várias vezes por conta da carreira do pai na Aeronáutica. Há um ano e meio, vive em Barcelona, onde presta consultoria a uma edtech e lidera o Sororitê.
Confira o papo de Flávia Mello com o Draft:
Muita gente faz faculdade de publicidade pensando em criar conteúdo e nem tanto em fazer negócios. No seu caso, fazer a ponte entre clientes e agência, como executiva de contas, foi natural? O que te levou a atuar nisso?
Quando eu estava na faculdade, eu que arranjava namorado para todas as minhas amigas (risos)! Nasci com essa coisa de conectar pessoas.
Sou uma comunicadora nata. Resolver desafios de comunicação como atendimento de uma agência é falar sobre um desafio de negócio que vem do lado do cliente, para que planejamento e criação entreguem essa comunicação para o grande público. Esse meio-campo sempre me atraiu
E sempre tive uma parte analítica forte. Brinco com meus amigos dizendo que gosto de ver gráfico para direita e para cima. Sou uma publicitária do resultado, gosto que o briefing seja de negócio e o planejamento entregue um desafio que vá resolver um problema de negócio.
Na TV1 e Fbiz, você fazia o link entre o negócio e a agência. Quando foi trabalhar na Meta/Facebook em 2012, sentiu que tinha passado para o outro lado da mesa?
Essa migração para o Facebook também foi muito natural, porque fui para área de vendas – apesar de nunca ter tido nenhuma experiência formal em vendas. Mas quando contei sobre o meu dia a dia na agência [FBiz], o time de recrutamento do Facebook disse que eu era uma vendedora. Tanto que, nos EUA, dentro das agências chamam o Atendimento de Sales.
Não foi planejado. Recebi um e-mail do Facebook me convidando para participar do processo de seleção e, dois meses depois, eu estava em uma empresa gringa de tecnologia ouvindo um monte de terminologias americanas de vendas.
No começo eu dizia: “Ferrou, não entendo nada disso!” Mas em três meses eu me familiarizei com os termos, nomenclaturas e abreviações e foi muito natural também desempenhar a função de vendas
Todo mundo falava que eu tinha nascido para aquilo. É até engraçado… quando você não quer mais, as pessoas ficam desesperadas e você ou vira a “vítima” ou fica enclausurada naquilo que as pessoas acreditam que você nasceu pra fazer. Aí você se limita de explorar tudo o que poderia estar fazendo também.
Dando uns passos atrás, entrei no Facebook no início da operação [regional], éramos 30 funcionários na América Latina toda. Foi impressionante porque, quando saí, quatro anos depois, já tinha 250 funcionários. Eu vi crescer e mudar absolutamente tudo. O tempo inteiro mudava, a mudança era a única constante.
O Facebook já tinha virado uma plataforma de mídia? Que caldo você encontrou ali? E o que você fazia, especificamente?
Eu vendia mídia para anunciantes e agências que estavam na minha carteira. Sempre que conto dessa época, digo que eu vendia likes. A gente falava: “Bota tanto aqui para seu post ter tantos likes…”
Fiquei quatro anos lá e obviamente o like deixou de ser importante quando o Instagram passou a ter importância e a gente começou a vender alcance. Os números do Facebook de audiência evoluíram muito, o produto evoluiu muito, então a nossa função evoluía junto
De “vendedora de like”, passei a vender audiência, alcance, frequência… coisas muito mais do mundo de mídia. E foi exatamente isso que me deixou completamente entediada nos meses finais. Eu vendia um produto de prateleira, uma tabela de métricas.
Tendo vindo de publicidade e vendo as minhas amigas que tinham seguido mais para criação – até dentro da comunicação de empresas –, percebia que elas estavam idealizando as campanhas com as agências de publicidade. E tinha uma criativa muito frustrada dentro de mim.
Claro que existe lá uma cultura corporativa que é uma faculdade por si só… Eu me descobri feminista dentro do Facebook por causa do livro da Sheryl Sandberg [COO da Meta desde 2008], o “Faça Acontecer”. Antes eu era super preconceituosa em relação a feministas, falava super mal. A Sheryl me incendiou
Esse é um exemplo de quanto o Facebook me transformou. E teve mudanças em outros sentidos, como acesso a pessoas incríveis, treinamentos, cursos, viagens e clientes que eu pude atender – com quem nunca tinha imaginado sentar na mesa. O Facebook abria portas para mim, então foi uma experiência maravilhosa.
A Uber chegou ao Brasil em 2014. Considerando que o Facebook já era uma gigante, você ainda não tinha experiência em startup. Ir para a Uber foi aventurar-se no desconhecido? A missão que lhe deram foi montar o time de vendas da operação B2B, mas o que realmente fez seus olhos brilharem?
Teve uma questão de me sentir desafiada em gestão de pessoas. Era a primeira vez que eu ia assumir uma posição dessa. E também tinha um desafio que eu amo: construir algo do zero.
Apesar de a Uber já existir como empresa, aquela área específica estava sendo desenhada globalmente. O time nos EUA tinha só um ano e eu fui a primeira contratada na América Latina.
Para mim tinha essa coisa do pioneirismo, de desbravar um mercado totalmente virgem. A gente queria vender Uber para as empresas deixarem de usar boleto bancário de cooperativas de táxi – aquele que você preenchia na caneta antes de sair do carro! Entendi o potencial, o tamanho da oportunidade
As empresas no Brasil pagam por boleto e a gente não sabia nem como faríamos boleto, porque quem programava o produto na Califórnia não fazia ideia do que era isso! As minhas reuniões eram para explicar ao engenheiro da Califórnia o sistema de pagamento de boleto no Brasil.
Havia todo tipo de problema. Por exemplo, um dia, um jornalista de uma emissora de TV esqueceu um equipamento no porta-malas de um carro.
A gente não tinha estipulado atendimento ao cliente corporativo, então lá fui eu falar com o diretor de atendimento da América Latina que precisávamos ter um atendimento especial para esse cliente.
Dá pra dizer que essa experiência na Uber foi o equivalente a fundar uma startup, uma vez que você tinha equipe de 16 pessoas e um produto pra ganhar tração?
Com certeza. No meu último ano de Uber, entrevistei mais de 100 pessoas. E hoje, quando converso com startups early stage que estão captando, eu pergunto: “Qual é seu plano de contratação para os próximos dois anos?”
Se me dizem que pretendem crescer o time de 10 para 50 pessoas, eu já falo para se preparar, porque esse vai ser o maior problema. Para um CEO, 30% do tempo vai ser dedicado ao tema “pessoas”. Eu vivi isso
Foi construir um negócio do zero mesmo, realmente. E nos três anos que fiquei lá, houve três trocas de liderança global da minha área. Então, como não tinha muita tração global ou estratégia, a gente se fechou na América Latina e nos propusemos a fazer aquilo acontecer aqui.
Era a nossa startup mesmo, minha e dos meus pares. Uma experiência de startup, dentro de uma startup gigante.
Podemos dizer que você já passou pelos três estágios de uma startup: construção, elevação ao status de unicórnio e IPO… Como foi estar na Uber na época do IPO (maio de 2019)? Que tipo de pressão você viveu?
O que mais influencia para alguém que faz gestão de times é a gestão das expectativas, das ansiedades das pessoas que estão abaixo de você. Na Uber isso era muito latente.
Ainda que empresas como Uber e Facebook já estejam muito grandes, é constante ter reestruturação, porque os times expandem com muita rapidez. Tem muita reestruturação, mudança de liderança, muita mudança de tudo, e as pessoas ficam loucas.
A gente acabou de ver isso na pandemia, quando você não tinha visão de médio prazo, nem de como seria dali a uma semana! Nesse clima de incerteza e instabilidade, as pessoas piram
Na Uber, o meu desafio pessoal era estar ali presente, firme, acreditar no que a empresa estava fazendo e passar essa confiança para o meu time – porque se o time não está confiante, o trabalho deixa de ser feito.
Olhando de dentro da empresa e vendo esses movimentos acontecerem, pra mim, a pressão maior era nesse sentido. Agora, depois que uma empresa abre IPO, ela fica mais estruturada. Vivi isso no Facebook, porque entrei lá em agosto de 2012 e a empresa tinha acabado de abrir IPO em abril.
Por um lado, existe uma série de coisas com que a empresa precisa estar em compliance e um monte que ela deve implementar, sistemas de controles mil. Por outro lado, engessa algumas coisas.
Normalmente, esse é o momento que começa a virar “firma”. Então, quem é mais generalista, gosta de construir do início, sai. Isso acaba impactando todos os funcionários – mas, em especial, os gestores de pessoas.
Você disse há pouco que se descobriu feminista ao ler o livro de Sheryl Sandberg… Por outro lado, parece que isso se afirmou durante 2019 e 2020, quando você e Vivi Duarte fizeram o podcast Família Feminista. Como esse projeto surgiu?
O livro trazia muitos exemplos vivos do que eu já tinha passado. É comum a gente dizer: “Eu nunca sofri com machismo. Eu sou muito privilegiada, porque o machismo não me impacta. Essas feministas são mimimi”.
Quando comecei a ler o livro da Sheryl, eu falava: “Caraca, já me vi nessa situação. Caraca, isso aconteceu comigo mês passado…”. A primeira coisa que te dá é raiva, porque, de repente, você se vê vítima. E quanto mais eu descobria sobre o feminismo, mais feminista raivosa eu ficava
Isso começou lá com o livro, a partir de uma perspectiva pessoal de trabalho: sou interrompida em sala de reunião; não negocio o meu salário porque tenho medo de não me oferecerem a proposta se eu começar a negociar… Coisas que a gente conhece do mundo corporativo.
E foi expandindo para outros aspectos, por exemplo, para os meus relacionamentos – como o machismo acontecia na minha família, nas relações do dia a dia. E comecei a ganhar mais letramento nesse tema.
Fui para a Uber em 2016, quando começou o fatídico movimento que nos levou à eleição de Bolsonaro como presidente. E entrei em desespero com essa possibilidade.
Quando ele foi efetivamente eleito, pensei que tudo que eu tinha feito – parei de trabalhar por um mês para ir pra rua virar voto, fui bem engajada na campanha anti-Bolsonaro – tinha sido jogar meu tempo fora. No final das contas, o que eu fiz não teve impacto
Foi um processo nada romântico. Foi muito difícil e bem profundo entender o quanto eu estava me doando e o quanto de impacto eu estava conseguindo causar. Muitas pessoas me disseram que eu tinha conseguido inspirá-las de alguma forma, mas pra mim foi uma frustração muito grande!
Aí, falei: “Preciso que a minha voz chegue a mais lugares, principalmente com essa presidência. Não posso me intimidar, preciso fazer mais gente ouvir isso”. Então, liguei pra Vivi – a gente já se conhecia da FBiz – e disse que estava pensando em fazer um podcast e a convidei para fazer esse projeto sair do papel. Ela amou a ideia.
Marcamos um café e, em duas horas, desenhamos e alinhamos as ideias do que a gente queria fazer. Na semana seguinte a gente já estava gravando. Foram 60 episódios ao longo de um ano. Tivemos mais de 100 mil plays, coisa que eu não imaginava
Essa semana eu entrei no Instagram Família Feminista e até hoje cerca de 10 pessoas por semana começam a seguir a gente, sem fazermos nada. Ainda é um projeto que está reverberando.
E que lições você tirou desse projeto? Como ele reverberou na sua trajetória?
Hoje, quando escuto, acho a minha opinião datada. Eu não sou mais aquela feminista. Tem opiniões lá de três anos atrás que não são mais minhas e isso também é um processo nada romântico: aceitar que a minha voz está por aí e que eu também sou tudo que falei no passado, e tudo multiplicado no Spotify.
Mas fiz as pazes com isso, entendendo que a Flávia que falou ali estava num estágio de letramento sobre feminismo em que outras pessoas estão agora e precisam ouvir. O que falei ali era pra conectar, de alguma forma, com a causa.
O Família Feminista provocou um choque na minha carreira, deixei de ser uma “feminista de sala de reunião da Faria Lima”. A Vivi trazia convidadas que me deixavam em posições de muito desconforto, sendo perguntada sobre coisas como, por exemplo, mulheres negras em posição de liderança
Esse ano de podcast com a Vivi foi crucial para que eu abrisse ainda mais os meus olhos para a realidade da mulher e o que realmente é o feminismo… e para o que precisa ser feito para ter mudanças estruturais na nossa sociedade.
E comecei a ver que meu trabalho não fazia mais sentido, eu passava por situações que não conseguia mais ignorar. E pensava: “Estou trabalhando pra quem enriquecer? Pra quem ser promovido? Só estou reforçando uma estrutura de homens no poder…”
Começou a ter muito conflito na minha cabeça. As pessoas falam que transição de carreira é uma coisa linda… Pra mim, não foi. Houve muitas segundas-feiras que eu acordei e ajoelhei no chão da minha casa aos prantos, me questionando o que eu estava fazendo com a minha vida
Aí, resolvi tirar um ócio criativo, porque eu já não estava mais aguentando, estava tendo Burnout sequencial. Estava ficando completamente doente, meu marido falava que nosso relacionamento estava na pior fase.
Até que falei: “Chega! Preciso dar um tempo, pensar, entender como o feminismo se encaixa com o corporativo. Onde essa vontade de inovar se encaixa com inovação corporativa e inovação social”. Eu estava muito perdida, não sabia como essas coisas iam se encontrar.
Nesse período em que tive o privilégio de estar em casa, sem trabalhar, recolhida, refletindo, aconteceu a pandemia: todo mundo foi colocado “de castigo” pra pensar na vida. E pude me conectar com gente muito fora do meu networking, porque as pessoas estavam mais abertas a se conhecer online
Então, fui me conectando com esse ecossistema de mulheres que trabalhavam com fundadoras de startups no Brasil, me conectei com alguns fundos de venture capital – e algumas oportunidades de investir foram surgindo daí.
Passei a conhecer mais sobre as necessidades, qual era a cara das pessoas que estavam investindo em startups e quem eram os empreendedores do momento. E o ecossistema é muito masculinizado.
Como você enxergou que podia se tornar investidora? Uma coisa é se desencantar com o que fazia e entrar em um processo de autoavaliação. Outra é sair dessa reflexão com um caminho vislumbrado na área de investimento – que, até então, não aparecia na sua vida profissional…
Sim, da minha saída da Uber até o primeiro aporte na SafeSpace [em janeiro de 2020], rolaram seis meses. E até a criação do Sororitê, mais um ano…
Eu fiquei os primeiros seis meses só desencantada com o que eu tinha feito antes. A falta de saber o que seria o próximo passo me deixava desesperada, porque ao mesmo tempo que eu sabia o que não queria, eu não fazia nenhuma ideia do que eu queria.
Quando me perguntavam, eu dizia, apenas: “Quero construir um império feminista, mas não sei por onde começar, não sei por onde ir, não sei o que fazer”
O meu desejo de me envolver com isso foi despertado quando conheci a Rafa [Rafaela Frankenthal], uma das fundadoras da SafeSpace. Conhecer essa mulher foi um divisor de águas… A Rafa tinha acabado de chegar de um mestrado sobre gênero em Londres e queria fazer uma startup de transformação cultural em empresas… de compliance.
Eu tinha tido, em uma das empresas em que trabalhei, uma história que envolvia uma denúncia no RH, e sabia como esse processo era doloroso – e o quanto mulheres sofrem com culturas de empresas que são adoecidas, tóxicas, abusivas…
O que me brilhou os olhos foi a possibilidade de fazer uma mudança sistêmica. Vi que a Rafa queria fazer um negócio que mudaria a vida de muitas mulheres. E, se eu investisse nela, contribuiria para essa mudança.
Foi por aí, inclusive, que comecei a construir a minha tese atual de investimento – foco em mulheres fundadoras que querem resolver problemas que mulheres estão enfrentando
Sinto que, da minha forma – com as referências que tenho de visão de negócio, por ter trabalhado em empresas de tecnologia, ter vindo de startup, ter formado um capital para investir em alto risco –, juntando toda a minha história, a coisa fazia sentido.
Não foi romântico. Fiz um monte de processos de autoconhecimento, foram horas na terapia, coaching (risos). E foi aí que as coisas começaram a casar. A ideia ou frase que juntou tudo foi: possibilitar uma mudança sistêmica.
Comecei a falar que esse era um lugar onde me sinto confortável, atuante, mudando e colocando o meu feminismo em prática.
A SafeSpace foi a primeira empresa na qual você investiu. Entendi que não foi o MVP da Sororitê, porque você fez tudo sozinha, na base do feeling – achou um propósito e investiu–, certo?
Exato. Pra ser honesta, eu não tinha nenhum conhecimento sobre investimento anjo. Eu conhecia de negócios e sabia entrevistar gente. Quando entrevistei a Rafa, pensei que [a startup] poderia nem vir a ser o que ela dizia, mas eu sabia que seria alguma coisa grande.
Sim, tem a coisa do instinto, mas tem também a experiência de entrevistar e entender.
Foi um namoro de meses, saímos para almoçar algumas vezes, enquanto ela ia dando corpo à ideia dela. A primeira vez que conversamos, nem era um PowerPoint ainda, era um papo de almoço. Quase um ano depois, ela já tinha time, investidor…
Eu fui vendo ela ganhar tração, acompanhei e aí vi o potencial daquele foguete ganhar muita altura. Então, quis estar nele.
Foi assim também com HerMoney, Todas Group e Oya Care? E a partir de quando você começou a investir com a rede de mulheres Sororitê?
Sim, nessas investi sozinha, porque ainda não existia o Sororitê. Fui o primeiro cheque da HerMoney. Já a segunda rodada lá, investi pelo Sororitê.
A HerMoney apareceu pra mim muito bem indicada pela Rafaela Bassetti, CEO da Wishe Women Capital. A gente entrou nesse primeiro investimento como sócias.
Esse foi o segundo investimento que eu fiz, só que foi o primeiro com esse comportamento mais coletivo, uma vez que na HerMoney eu conheci os outros investidores. Na SafeSpace só conheci a fundadora – os outros investidores eram especulativos, mais confidenciais… business angels mais estratégicos.
A HerMoney fez metade da captação com crowdfunding e metade com anjos estratégicos. Ali, antes de investir, eu tive a oportunidade de ter reuniões com os outros anjos, participei de análises. Foi onde realmente ganhei mais experiência. No investimento anterior, eu só tinha ganhado o título.
O investimento anjo é muito coletivo por natureza, porque ninguém vai botar um cheque sozinho e pegar o risco totalmente sozinho. E também é bom ouvir o que os outros investidores estão achando daquele negócio, o que pensam sobre aquele aporte
Às vezes, tem alguma coisa que você não viu, alguma percepção que você não teve, algum ponto falho que você não identificou e a outra pessoa vai abrir os seus olhos. E é muito legal por causa disso: pelo coletivo, por você se sentir sócio de outras pessoas; por você se sentir sócio da empreendedora e querer ajudá-la a ir pra frente. Esse comprometimento de todos é muito legal.
Mas o que chamou a minha atenção na HerMoney foi a empreendedora, Andrezza Rodrigues, que era fora do padrão dos fundadores que eu estava encontrando. Ela é uma mulher nordestina, cuja experiência profissional era muito próxima da vivência do problema que a cliente potencial dela tinha.
Ela conhecia muito o problema e se mostrou uma executiva incrível, capaz de fechar grandes parcerias, atraiu pessoas interessantes para o negócio dela… Andrezza é uma potência!
No nosso primeiro papo, senti que ela precisava de alguém para ajudá-la a empurrar a empresa morro acima. Entre todas as startups em que eu investi, a HerMoney é, definitivamente, para a qual eu mais trabalho. Eu e Andrezza nos falamos quase diariamente.
É um trabalho bem de levantar as mangas e cair dentro pra fazer o negócio acontecer. Em cada startup que eu investi tenho um envolvimento diferente.
O Sororitê nasceu quando você conheceu a Erica Fridman Stul? Qual foi o contexto da aproximação de vocês que permitiu essa iniciativa?
No Brasil, todos os anjos investidores se conhecem, principalmente as mulheres. São ao todo 700 anjos – e apenas 10% são mulheres.
Eu brinco que durante a pandemia, você abria a geladeira e ali estava acontecendo uma live (risos)! Tinha muitos eventos online, webinars… eu e Erica fomos chamadas como representantes de investimento anjo para um painel que discutiria sobre diversidade nesse ecossistema.
Depois disso, a Erica me chamou pra um café. Ela reclamava muito de não ter outras mulheres com quem trocar. Ela me disse: “Em toda reunião que eu entro só tem homens. Não tem founders mulheres. Eu não tenho acesso a essas mulheres. Como você está chegando nelas?”
Respondi que também achava muito difícil e que ficava próxima da Wishe – uma plataforma de crowdfunding que queria abrir só rodadas para empreendedoras mulheres. O plano era lindo, só que o mercado brasileiro não estava pronto pra isso – não havia startups prontas o suficiente para Wishe ter fluxo e volume.
Aí, propus a Erica criarmos um grupo para juntar toda a mulherada e a gente se ajudar a achar outras mulheres em quem investir. Ela topou
Criamos o grupo muito despretensiosamente, achando que ia ter dez mulheres. A Erica gosta de falar: “Minha sensação é que era tipo um cabelo muito seco, em que a gente botou a ampolinha da hidratação, e ele sugou tudo”. Porque foi uma sede – tanto do lado das investidoras quanto do lado das fundadoras!
A gente começou a estruturar isso e o Sororitê virou uma startup de impacto social. Estamos pensando o modelo de negócio para desdobrarmos de forma escalável. Hoje, não é muito acessível para muitas pessoas, porque ainda é um grupo de WhatsApp.
Temos planejado como crescer e tornar esse projeto mais acessível para todas as pessoas que querem contribuir com a equidade de gênero entre fundadores no Brasil e na América Latina – porque não é um problema só do Brasil.
Como funciona o Sororitê na prática? É tipo um conselho que decide em conjunto investir em certa startup. Ou é mais como um crowdfunding para juntar um aporte?
Não chega a ser um crowdfunding, mas é parecido. A gente faz duas coisas. A primeira é a curadoria das startups – fazemos o filtro entre as startups que se inscrevem no site, verificamos se ela está dentro da nossa tese e fazemos uma entrevista com a fundadora.
Como a startup passa por todo o nosso processo, quando ela chega para o grupo de investidoras, já é uma oportunidade curada. Isso é um valor que a gente aporta para quem está lá.
A segunda coisa que fazemos é garantir um ambiente de troca, em que todo mundo vai aprender algo em cada encontro.
Por exemplo, no ritmo normal de grupos de anjos, normalmente, são pitches de 3 a 5 minutos; aí, se o investidor se interessa, entra num grupo de WhatsApp específico para se aprofundar.
A gente já começa profundo. Temos só dois pitches por mês, de uma hora e meia. Então, naquele encontro, a investidora já decide se quer entrar ou não – e já tem as suas perguntas respondidas
Se você é uma advogada e a gente está avaliando uma empresa de e-commerce, vai ter outra mulher ali de logística para te ajudar a avaliar aquilo melhor. Nesse sentido, as trocas são muito ricas. E tem muitas mulheres que estão começando no investimento anjo agora, então a gente tem um comprometimento em apoiar quem está iniciando a trajetória.
Há situações como, por exemplo, em que o instrumento de investimento é mútuo… mas o que é “mútuo”? A gente para tudo e diz: mútuo é uma forma de contrato blá-blá-blá, me chama em offline que eu te ajudo a entender melhor o que é isso.
Queremos fazer com que mais mulheres se interessem e aprendam sobre esse tipo de investimento. É provado que quanto mais mulheres investem, mais mulheres são investidas.
Mulheres são mais propensas a investir em mulheres. Então, a gente precisa aumentar esse caldo aqui também do lado do cheque.
Esse braço de educação é de mão dupla – educa as mulheres que querem investir e apoia as empreendedoras, ajudando-as a formatar um pitch?
A gente fica muito mais do lado da investidora. Por exemplo, como grupo, não damos mentoria para startups em que a gente não investiu. Fazemos o acompanhamento depois que o investimento está feito. Se alguma investidora quiser mentorar uma não-investida… a ponte está feita.
O que a gente dá de ajuda, quando é necessário, é para que a fundadora chegue no pitch com uma possibilidade de bombar, causar um estrondo e captar o dinheiro dela
Quando decidimos fazer o Sororitê, vimos que tinha muitas iniciativas para as fundadoras – e nada pra investidora. Foi esse lugar que achamos: quanto mais investidoras temos, mais fundadoras tiram a sua empresa do papel. Resolvemos atacar do lado do cheque.
Qual é o próximo passo da rede? Você já citou a possibilidade de ser uma associação sem fins lucrativos; hoje, falou que pensa em escalar o impacto. Tem algo mais prático traçado para os próximos meses?
Ainda estamos em planejamento. Tem muitos desafios para escalar esse modelo, porque ele nasceu como um grupo de WhatsApp. Mas o Sororitê já nasceu na Web3, que é sobre pessoas se unindo em volta de um propósito, formando uma comunidade que trabalha para que esse propósito seja atingido.
A descrição da Web3 prevê pessoas muito mais doers, mais makers, uma forma muito mais colaborativa. Ainda não vi ninguém falando sobre uma forma matriarcal saindo da Web3, mas já consigo enxergar essa forma mais circular de gerir as coisas, menos hierárquica.
Esse é o jeito do Sororitê: circular, em que todo mundo se ajuda, todas trabalham juntas. Se queremos fazer um evento, uma oferece a casa, outra participa como guest speaker. Somos uma comunidade
Eu brinco com a Erica que estou vendo o dia em que vamos nos definir como um “coletivo de mulheres ativistas no ecossistema de startups”, porque tem algo indo por aí.
Ao mesmo tempo, também queremos incluir, por exemplo, cheques de homens que querem contribuir para as startups que estão passando pela gente. Como fazer isso sem perder a nossa característica de um coletivo de mulheres?
Então, temos esses desafios, uns lugares onde as coisas começam a se conflitar – e a gente tem tido cada vez mais momentos menos operacionais e mais reflexivos.
Desde março, no aniversário de um ano, temos pensado sobre coisas que trouxeram a gente até aqui e que não vão nos levar adiante. E sobre o que precisamos construir de novo para atingir mais pessoas e abrir mais portas – para que mais fundadoras tenham acesso a dinheiro
A gente gostaria de captar quatro vezes mais do que captamos no ano passado. Essa é a meta. Queremos que mais dinheiro saia daqui e chegue ali.
Bruna Ferreira trilhava uma carreira no setor financeiro, mas decidiu seguir sua inquietação e se juntou a uma amiga para administrar um salão de beleza. Numa nova guinada, ela se descobriu como consultora e hoje ajuda empresas a crescer.
O Brasil tem cerca de 160 milhões de pets. Fundada por três mulheres, a Dr. Mep vem democratizando o acesso à medicina veterinária e oferecendo uma alternativa de trabalho flexível e de renda extra aos profissionais de saúde animal.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.