Comer frutas, legumes e verduras é uma das premissas de uma alimentação saudável. E isso inclui consumir mais orgânicos. No entanto, encaixar essa meta no orçamento nem sempre é uma tarefa fácil.
Segundo uma pesquisa da Organics, 70% das pessoas no mundo ainda não consomem orgânicos — 41% delas apontam o preço como um empecilho.
Para o brasileiro, o cenário é ainda pior, já que a diferença de preço entre o orgânico e o convencional pode chegar a 250%; nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa é de 15%.
Em busca de democratizar o acesso a esse tipo de alimento, a foodtech Diferente oferece, desde fevereiro na cidade de São Paulo, uma cesta de frutas, legumes e verduras orgânicos “fresquinhos, mas sem frescuras”, com preço até 40% mais barato do que o encontrado no mercado.
Como o negócio consegue esta façanha? Cortando intermediários e colocando até 50% de alimentos fora do padrão dentro da cesta, o que beneficia não só o bolso, mas evita o desperdício. Mas calma: fora do padrão não quer dizer ruim ou impróprio para consumo. É tudo uma questão de aparência, como afirma Saulo Marti, CMO da empresa:
“A gente evita muito o termo imperfeito e feio, porque esses alimentos, na verdade, são perfeitos e lindos — só estão fora do padrão estético exigido pela maioria dos mercados”
Além de Saulo, compõem o time da foodtech o CEO Eduardo Petrelli, o CTO Paulo Monçores e o diretor de operações Walter Rodrigues. Apesar de novata, a empresa chamou a atenção do ecossistema e captou 24 milhões de reais logo no início da operação (o aporte foi anunciado em março).
A rodada seed, liderada pelo MAYA Capital, teve a participação de outros cinco fundos, além de investidores-anjo como o chileno Matías Muchnick, CEO da NotCo (confira a nossa entrevista exclusiva com ele), e o britânico Hamish Shephard, fundador da HelloFresh, empresa que inspirou a Diferente.
O aporte será usado para dobrar o time, que hoje conta com 30 pessoas, além de expandir o raio de atuação dentro da capital paulista (e possivelmente englobar outra cidade).
Todos os sócios já tinham passagem pelo ecossistema de startups. Para ficar nas mais recentes: Eduardo é cofundador do James Delivery, adquirido pelo GPA em 2018. Já Saulo atuou na Olist, na área de growth; Paulo foi diretor de engenharia de software na VTEX; e Walter Rodrigues, Head de Dark Kitchen do Rappi.
O dia a dia no GPA, com o James Delivery, fez Eduardo perceber a dor do outro lado: o dos varejistas.
“Eu via que eles estavam tentando fazer essa revolução digital, mas não tinham tanto êxito. E imaginava que o modelo de negócio D2C poderia trazer experiências melhores para os consumidores”, conta.
Eduardo já conhecia Saulo por ter sido investidor da Contabilizei (onde o hoje CMO da Diferente trabalhou). Paulo e Walter, por sua vez, foram conexões feitas por conta de trabalhos no James Delivery. Assim, no fim de 2021, Eduardo chamou os três para uma conversa.
A ideia era criar um produto de recorrência na área alimentar, mas que não tivesse custos extras para o cliente final. Eduardo explica:
“Fomos estudar essa cadeia como um todo e seus problemas, entre eles a fragmentação, pois são pelo menos cinco intermediários do campo até o cliente final, além de questões de escala e preço”
Durante essa pesquisa, eles se depararam com o dado de que 30% dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados, sendo que 67% desses itens jogados no lixo estão perfeitos para o consumo (leia aqui outra reportagem do Draft sobre esse tema).
“A partir daí, entendemos o modelo de negócio da Diferente. Iríamos focar na causa social, combatendo o desperdício, focar na saudabilidade e no benefício do preço.”
Eduardo é apaixonado por esportes e alimentação saudável. Ele conta que, quando morava com os pais, sua mãe se encarregava de comprar os produtos que o filho gostava. Mas quando passou a viver sozinho, percebeu que havia um problema de logística:
“Eu via que minha banana acabava, e só aí me ligava que tinha que entrar no aplicativo para comprar e esperar um tempo para chegar. Comecei a pensar por que não existe uma solução para entregar sempre no mesmo dia o que eu preciso para a semana”
Saulo, por seu lado, conta que, além das “razões racionais”, de mercado, para apostar em uma empresa como a Diferente, ele teve gatilhos emocionais, incluindo a paternidade
“Durante a introdução alimentar da minha filha, optamos por seguir um método chamado BLW [Baby led Weaning] que estimula deixar a criança pegar na comida e comer por conta própria. E nessa metodologia, tudo precisa ser orgânico.”
Antes de se tornar pai, diz, ele ia a feiras de orgânicos e achava tudo caro, mas, como consumia pouco, não via problema em desembolsar mais. “Só que quando comecei a comprar bastante, passou a pesar.”
Após a fase de estudo do mercado, com produtores e consumidores, para entender se este modelo funcionaria no Brasil, os empreendedores fizeram um teste offline com um grupo de 100 amigos a fim de coletar feedbacks e mapear a rotina da operação.
“A gente comprava do produtor, montava as caixas e entregava para essas pessoas”, diz Eduardo. “Aí, elas nos contavam se gostavam dos itens, se a quantidade era boa, quais eles achavam que eram os imperfeitos da cesta e o que pensavam da caixa.”
Depois dos testes, em seis semanas, eles desenvolveram o MVP da plataforma e colocaram o site no ar no final de fevereiro deste ano.
“Várias pessoas se cadastraram, mas como estava próximo do Carnaval, elas optaram por receber a cesta depois… Então, na primeira semana a gente ficou um pouco frustrados porque só atendemos umas dez pessoas”
Porém, logo de cara, os empreendedores entenderam que o produto da Diferente tinha chances de viralizar.
“Percebemos que o negócio tinha grande potencial de ser recomendado, por isso, focamos muito na experiência do cliente. Inclusive, nas primeiras entregas, se rolava atraso, a gente mandava a cesta pelo Uber para garantir que a caixa iria chegar na hora em que combinamos”, lembra Saulo.
Os empreendedores contam que a seleção dos produtores é feita com base no próprio selo de certificação de orgânicos, que engloba atualmente cerca de 13 mil fornecedores. Hoje, mais de 200, de diversas regiões do Brasil, vendem frutas, legumes e verduras para a Diferente.
Eduardo explica:
“Compramos direto dos pequenos que produzem um ou dois itens e temos um intermediário de logística que ajuda a coletar esses produtos e trazer para a cidade… Ou compramos dos produtores qualificados, que já produzem mais de dez itens e também revendem de vários produtores familiares”
Como os pequenos produtores não conseguem fazer uma triagem desses hortifrútis, eles mandam toda a produção para os mercados — e o que chega “fora do padrão” e seria desperdiçado no varejo também é adquirido pela Diferente.
Os alimentos são colhidos três dias antes da entrega e transportados ao centro de distribuição da foodtech. Os itens são então separados na cesta, armazenados de forma refrigerada e enviados ao cliente no dia seguinte, sem cobrança de frete.
A ideia é alinhar a expectativa de compras com a sazonalidade dos produtos. Ou seja, o cliente não pode personalizar a cesta, mas consegue registrar no site suas preferências.
O assinante pode escolher entre três tamanhos de caixa: individual (duas frutas, três legumes e duas verduras, de 49 a 53 reais), casal (quatro itens de cada tipo de produto, de 80 a 84 reais) e família (seis itens de cada tipo, de 108 a 112 reais), com opção de entrega semanal, quinzenal ou mensal.
Os sócios não revelam número de assinantes, mas informam que nos primeiros três meses de operação a Diferente já passou de 20 mil cadastrados na plataforma (o que não significa que, de fato, assinaram). O crescimento, segundo eles, é de 110% por mês. Até o fim do ano, a previsão é de 30% ao mês.
Saulo diz que, quando fizeram os testes entregando cestas a amigos, a maioria deles não conseguia identificar os itens “fora do padrão”. Isso porque essa classificação pode ser muito subjetiva, depende do que os funcionários de cada supermercado consideram bonito.
“O alimento pode ser rejeitado pela cor. Por exemplo: uma melancia pode ser descartada por ter metade da casca amarela, o que tem a ver com a composição de solo, mas não interfere no sabor. A fruta acabaria não saindo no mercado porque as pessoas pensariam [erroneamente] que está podre.”
O tamanho também interfere nessa avaliação:
“Se o mercado compra cenoura e vai vender em bandeja, ela tem que ter um tamanho específico para caber ali. E, se estiver torta, vai furar o plástico. Então, o mercado descarta por esse motivo — e não porque [a fruta] não é boa”
E detalhe: segundo Saulo, muitas vezes esses alimentos “deformadinhos” podem ser até mais ricos em nutrientes do que os convencionais. “Frutas e legumes que passam por estresse em sua formação costumam reter mais nutrientes.”
Ainda entre os aspectos visuais que levam supermercados a torcer o nariz, a casca batida é um clássico do descarte. Vários alimentos são rejeitados por causa dos amassados. Justamente por isso, o slogan da Diferente é: Não julgue pela casca.
Para combater esses preconceitos estéticos, a Diferente investe em comunicação e informação nas suas redes sociais. A ideia é que, colocando esses produtos na cesta, para cada cliente atendido, a foodtech consiga resgatar anualmente mais 220 quilos de alimentos que iriam para o lixo.
Os produtores, por outro lado, não precisam ser educados. “Eles sabem que esses alimentos têm valor, consomem em suas casas e ficam indignados de ter que jogar fora.” Com a parceria feita com a Diferente, afirma Saulo, os agricultores conseguem aumentar as vendas em até 20%.
Assim como os produtos imperfeitos (que os empreendedores preferem não nomear desta forma), a jornada empreendedora é um pouco torta, cheia de obstáculos.
A experiência anterior em startups (inclusive unicórnios) não evitou que os cofundadores enfrentassem complicações nos primeiros dias da Diferente. Entre elas, o desafio de logística, que chegou a obrigar os sócios a mandarem um Uber para fazer uma entrega e cumprir o prazo.
Houve outras dificuldades, como destaca Eduardo:
“A gente queria que os produtos fossem colhidos um dia antes do envio da cesta, para estarem bem fresquinhos. Mas aconteceu de um dos produtores, que respondia por 30% a 40% do que a gente ia mandar, não entregar o pedido… Foi um problema gigantesco para reverter. A partir daí, resolvemos mudar o recebimento dos produtos para três dias antes do envio”
Outro erro, segundo o CEO, foi a escolha do centro de distribuição. “Achamos um CD que se encaixava nas nossas necessidades, mas acabou sendo fora da rota dos produtores e tivemos que criar um novo trajeto… Agora, estamos trocando para outro local.”
Lidar com o erro em si não é problema para a Diferente. Há até uma seção na reunião interna apelidada de Fuck-ups, em que o time fala abertamente sobre o que deu errado.
“Queremos criar uma cultura de que não há problema em errar. Mas a gente brinca que aceita apenas erros inéditos”, diz Saulo. “Parte desses perrengues nos tiram o sono: a gente passa o tempo todo pensando em fruta, em como montar a cesta… Mas faz parte.”
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